Rock é Rock Mesmo

Johnny Ramone era pedreiro

Imagine Johnny Ramone com o cabelo preso sob um capacete, entre andaimes e, lá pelas seis da tarde, colocando um casaco de couro para tocar três acordes no CBGB’s. Eis a tradução mais perfeita de um super herói do rock. Publicado originalmente no Dynamite on line.

Na semana passada perdemos mais um Ramone. Perdemos é o modo de dizer, por que, honra seja feita, a banda que inventou a música punk já tinha acabado há algum tempo, e, de outro lado, nada vai modificar o que estes nova-iorquinos fizeram para a música em todo o mundo. O que foi feito está feito e esse mérito ninguém pode lhes tirar, na Terra, no Céu ou em qualquer outro lugar. Mas o que me chamou a atenção no fato não foi, diferentemente da maioria dos periódicos (deu até no JN), essa ser a terceira morte de um Ramone em três anos, mas sim o de que Johnny, antes de virar guitarrista da banda que mostrou que “o menos é mais”, era pedreiro.

Sim meus amigos, Johnny Ramone era pedreiro. Alguns veículos chegaram até a divulgar que ele trabalhava na construção civil, talvez até para aliviar o peso de ser um operário, mas o fato é que, repito, um dos maiores ícones do punk e do rock em todos os tempos era pedreiro. Eu também, vejam só, durante muitos anos, trabalhei na área da construção. Nunca fui um executante propriamente dito, mas aprendi como ofício a arte de traçar concreto, assentar tijolos, levantar paredes e construir casas.

Vivendo no meio do operariado, a distância do rock era algo abissal. Mas, de fato, até entre os operários mais simplórios e aculturados, havia aqueles que, senão como Johnny, mas de alguma outra forma, nutriam uma certa queda para o rock e para a música de uma forma geral. Entre os comandantes, bem formados e de classe média, o preconceito era o problema. Para eles, rock é coisa de “filhinho de papai”, dado o alto custo para se comprar instrumento e para aprender a tocar, ter banda, etc. Não deixam de ter razão, mas os fatos estão aí para provar, também, o contrário. Evidente que a mão de obra é melhor remunerada nos Estados Unidos, e as condições para se montar uma banda por lá também são mais atrativas. Mas você consegue imaginar Johnny, bem no começo, com o cabelo preso sob um capacete se equilibrando entre andaimes e, lá pelas seis da tarde, colocando um jeans surrado e um casaco de couro para tocar três acordes durante toda a noite no CBGB’s? Eis aqui a tradução mais perfeita de um super herói do rock.

Outro dia, passando pelas esquinas da Av. Rio Branco com a Pres. Vargas, ali mesmo, junto à Candelária, percebi uma reforma sendo feita a todo vapor num prédio que, há pouco tempo, foi acometido por um incêndio. Por trás da malha de nylon que protege os transeuntes da queda de qualquer ferramenta ou entulho, vários pedreiros recuperavam a fachada que o fogo destruíra. A grande maioria deles deve almoçar de marmita e, lá pelas cinco da tarde, caminham até a Central do Brasil pra tomar o trem em direção ao subúrbio. Talvez um ou outro, quem sabe, vai andar um pouco mais, até a Praça da Bandeira, para, tal qual Johnny Ramone, guardadas as devidas proporções, tocar no Garage, espécie de CBGB’s brasileiro.

Sim, meus amigos, Johnny Ramone era pedreiro. E acabou construindo um legado bem maior para a música e para o comportamento mundial empunhando uma guitarra, tocando o básico do básico. Vejam bem, o guitarrista fundador da banda que revolucionou o rock no maior exemplo de “back to basics” de que se tem notícia, era um operário da construção civil. Taí a prova cabal de que o rock pode se instalar em qualquer lugar, independente de qualquer herança genética, privilégio social, pode aquisitivo, status e o escambau. Depois dos Ramones, ninguém mais pode ter a coragem de dizer que não tem banda porque tem pouca grana, ou mora na zona norte, ou que tem que trabalhar para sustentar dependentes. Não, simplesmente porque Johnny era, repito, pedreiro.

Na verdade eu deveria estar tão surpreso assim. Já tinha lido sobre isso em duas biografias do Ramones, além de depoimentos em outros livros, como o essencial “Mate-me Por Favor”. E, acreditem, não há nada mais nobre para o ser humano do que o sucesso, caso você comece como um João Ninguém. Segundo essa lógica, quanto pior for a sua origem, se você consegue um certo triunfo, em qualquer área, tanto maior será seu sucesso e reconhecimento. Não é isso que fazem as novelas e congêneres garantirem o faturamento das agências publicitárias, em pelo século 21? John Cummings era para ser um João Ninguém, mas se converteu, aos vinte e poucos anos, em Johnny Ramone. Deixou de ser pedreiro para ser um Ramone, e o resto é história.

Mas a vida, garantem os pensadores, e o mundo do rock, emendo eu, é assim mesmo. A morte é um mito e cada vez mais tem gente morrendo, tem ícone do rock indo para outro lugar. De acordo com o indecifrável ciclo da vida, muitos ainda vão nos deixar, sobretudo aqueles que participaram efetivamente da história do rock, que, afinal, mal completou seus cinqüenta anos. Sim, meus amigos, não é preciso consultar o Maluco da Praça para prevermos que muitos ainda vão morrer. O rock, jamais.

Até a próxima, e long live rock’n'roll!!!

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