Rock é Rock Mesmo

Qual o seu Ramone preferido?

Qual o seu Ramone preferido? Nosso colunista teve que adiar outros assuntos depois de ver, há menos de 24 horas, o documentário “O Fim do Século – A História do Ramones”, no Festival de Cinema do Rio. Publicado originalmente no Dynamite on line.

Há uns anos atrás durante um show da banda carioca Carbona, o vocalista Henrique perguntou para os fãs, na platéia, qual era o “Ramone preferido” deles. Achei curiosa a pergunta, e de alguma forma aquilo ficou na minha cabeça. Ao invés de eu ficar pensando se gostava mais de Joey, Johnny, Dee Dee, Marky ou do gente boa CJ, passei a selecionar, cá com os meus botões, cada integrante preferido de cada uma das bandas que mais têm me apetecido ao longo dos anos.

Não, meus amigos, não vou aqui apelar para a óbvia confecção de listas de cinco mais disso ou daquilo. Mas, pensem bem. Na vida, de um modo geral. Em qualquer grupo social sempre tem alguém com quem você se identifica mais. Na sala de aula, no almoço na casa da família de sua namorada, no trabalho, na pelada do final de semana e assim por diante. É fato que, para quem curte rock, muitas vezes as bandas preferidas, ao menos em alguns períodos da vida, são bem mais importantes que todos esses grupos. É ou não é?

O leitor que vem acompanhando esta coluna ao menos desde a semana passada poderá pensar que este que vos escreve é fã de longa data do Ramones ou, no mínimo, está sofrendo de uma certa crise de criatividade, ao falar da banda que inventou o punk rock pela segunda semana seguida. Mas a verdade é que, admito, tive que adiar outros assuntos depois de ver, há menos de 24 horas, o documentário “O Fim do Século - A História dos Ramones”, no Festival de Cinema do Rio. Mas atenção. Isso aqui não é uma resenha. Crítica, muito menos.

O filme do Ramones é um documentário, e, como tal, não carece de análise crítica do ponto de vista cinematográfico, ao menos aqui neste espaço. O que conta é entender a lógica de convivência dos integrantes e saber “como as coisas aconteceram”, que, no fim das contas, é a obsessão de quem gosta de rock. No filme, os personagens são bem definidos: Joey é o tímido, criativo, de esquerda; Johnny o careta, controlador e reacionário; Dee Dee o maluco drogado; Tommy o conselheiro; Marky o baterista substituto e alcoólatra; Ritchie o baterista substituto mais rápido do mundo; e CJ o baixista garoto que renovou a banda. Mas o que o filme enfoca como tema principal é o paradoxo da convivência entre Joey e Johnny, que, segundo consta, ficaram anos a fio sem se falar, e a banda gravando discos e excursionando a rodo. Não, não é manipulação dos diretores, as palavras de todos os integrantes, produtores e outros próximos da banda estão lá e apontam para o mesmo lado.

Mas considerando que Joey era um looser por definição (fora condenado a viver longe do convívio social quando criança), Dee Dee visivelmente perturbado física e mentalmente, Tommy um conselheiro, porém não um ativista, que outro papel caberia a Johnny senão o de líder/controlador/dona da banda? O raciocínio faz tanto sentido que todos os integrantes, relevantes ou não, se submeteram a esse esquema de trabalho, que, imposto e aceito, fez o Ramones durar muito mais tempo que poderia se prever, considerando que a banda nunca alcançou o que se pode chamar de sucesso; o Ramones nunca passou de uma banda de pequeno/médio porte, em que pese sua importância histórica, repito, na criação do punk, enquanto música.

O próprio Johnny, no filme, diz (ou deixa bem entendido) que ele não estava nem aí para esse ou aquele integrante, mas que o importante era o Ramones. Nem quando o assunto era a morte de Joey ele abriu guarda, embora tenha, é claro, e à sua maneira, sentido a passagem do ex-vocalista de sua (eu disse sua) banda. Para Johnny, o mais importante era o Ramones, e o Ramones era ele e mais três. Isso é claro em suas declarações, que viu o filme saiu com essa convicção, não tem erro. Ademais, nada que os demais integrantes, produtores e próximos da banda falaram foi contestado por Johnny. Ou seja, todos sabiam como tudo funcionava e se submetiam ao tal esquema de trabalho.

Outro dia li um texto num jornal de grande circulação dizendo que Johnny era um reacionário. No documentário, essa pergunta é feita quase que diretamente ao guitarrista, que não se furta em dizer que sim. Eu, se me permite o bom senso, discordo. A resposta vem mais pela imagem que se criou em torno do papel sério e controlador do guitarrista, do que de suas posições políticas propriamente ditas. Sem Johnny, fatalmente o Ramones seria um bundalêlê e, tal qual os Pistols, não passaria do primeiro disco. Só que, no mundo do rock, onde artistas tendem a ser superloucos (e logo dominados/enrolados) por empresários, ter a postura de organizador e comandante (onde os comandados carecem de receber ordens) acaba conferindo a pecha de reacionário. E, pior, o guitarrista até vestiu essa camisa, já que só isso explica (mas não justifica), o “God bless president Bush” dito por Johnny no dia em que o Ramones entrou para a calçada da fama do rock.

Não, meus amigos, não pensem que sou, eu próprio, um direitista inveterado. Tenho um histórico que prova o contrário. O que me preocupa, e muito, é quando apontam para fulano ou beltrano, com tanta veemência, apontando-o como um reacionário, ou, de outro lado, como um comunista (isso em outros tempos, claro). A ira desse tipo de acusação, até pela lógica freudiana, reverte a pecha para quem acusa, ou ao menos lhe mostra certa má resolução sobre esse ou aquele assunto, em geral o tema de onde sai a alcunha.

Se fosse legitimamente um reacionário, Johnny jamais admitiria, em sua (eu disse sua) banda, músicas que falassem de sexo, drogas, prostituição, homossexualismo, machismo e outros tabus direitistas. Muito menos deixaria que Joey cantasse para sempre a mágoa por ter perdido o grande amor de sua vida para o próprio Johnny, em “The KKK Took My Baby Away”. Sem Johnny Ramone, acreditem, o Ramones não passaria do primeiro disco. Isso é fato.

Quanto ao show do Carbona e ao questionamento feito por Henrique, não me lembro exatamente quais foram as respostas. Mas hoje, depois de ver “O Fim do Século - A História dos Ramones”, posso admitir que eu também já tenho meu Ramone preferido.

Até a próxima, e long live rock’n'roll!!!

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