Rock é Rock Mesmo

Nervoso: tranquilo e calmo

Enquanto mais uma temporada de modernos se aproxima, conheça o trabalho do Nervoso: uma música de excelente qualidade, e que tem de original uma fusão de referências pessoais e o amadurecimento artístico e pessoal. Publicado originalmente no Dynamite on line.

Meus amigos, o tempo é o senhor da razão. E digo isso nos dois sentidos de uma mesma direção. Ou seja, o chavão serve para frente e para trás: com o tempo tudo se ajuda e se esclarece, e quem veio ao mundo antes tem hoje muito mais cancha para tecer qualquer comentário do que galhardia tem os mais moços. Não, meus caros, não estou aqui para fazer a apologia da velhice, mesmo porque sou adolescente há mais de vinte anos. Mas prestem atenção na história que vou contar nessa semana.

Conheço André Nervoso há mais de dez anos, sempre de vê-lo por trás de várias das melhores bandas que surgiram no Rio, espancando uma humilde bateria com um vigor, senão hardcore, no mínimo juvenil. Entre estas bandas, ao menos sobre uma vocês já devem ter ouvido falar: Beach Lizards, Acabou La Tequila, 77 Idols, Autoramas e Matanza. O afamado músico sempre foi um dos melhores bateristas da Cidade Maravilhosa, e nunca se furtou em demonstrar seu apreço por bandas de hardcore a adjacências. Mas já há um bom tempo vinha-se se falando de um tal trabalho solo de Nervoso, no qual ele atuaria como compositor, guitarrista e cantor.

Demorou, mas no ano passado Nervoso me passou um CD demo chamado “Personalidade”, onde ele fez quase tudo, recebendo ainda uma certa ajuda de amigos bons músicos. Foi de causar espanto para este velho homem de imprensa o conteúdo do disquinho caseiro. Longe de tudo que as bandas anteriores tinha feito, as sete faixas vinham com flertes à mpb, bossa-nova e (de leve) ao chamado rock gaúcho. Não foi a toa que o texto de então detectou (e, óbvio, lamentou) a ausência de uma sonoridade mais rock.

Mas show vai e show vem, chegamos a janeiro deste ano, quando Nervoso, acompanhado de uma banda de respeito, fez uma das melhores apresentações do Festival Humaitá Pra Peixe. Mais encorpado, enguitarrado, por assim dizer, e claro, mais evoluído, por mais ingênuo que este termo pode parecer. Entretanto, ficou evidente uma semelhança incômoda com o som feito pelo Los Hermanos fase mpb, fato detectado por qualquer um que esteve no Espaço Cultural Sérgio Porto, dada sua evidência.

No dia seguinte, no tradicional pré-show junto ao Posto BR e seus preços convidativos, conversei com Nervoso, que havia tomado conhecimento do registro virtual do show da véspera, e de pronto, fez certas ponderações quanto ao relato. Aproveitei o ensejo para destrinchar a origem do trabalho dele, que me confessou que sempre tentava incluir suas composições no repertório de suas ex-bandas, mas nunca conseguia, “não tinha a ver”, na visão dele. E não tinha mesmo, quem conhece todas essas bandas pregressas sabe disso. Aproveitei para admitir, pela primeira vez, que aquele trabalho poderia dar, sim, certo, no que fui apoiado por Bruno Levi, guitarrista do Carne de Segunda, repito, uma das maiores agências de bons músicos da cidade.

Mas aí é que, nessa história, surge, súbito, a inexpugnável figura do Dr. Rodivaldo Traça. Sim meus amigos, aquela personalidade que, em geral, pouco trabalha, não produz, mas tem olhos aguçados ao trabalho alheio, como se fosse um ombudsman de tudo. Deixando de lado seu tradicional modelito verde abacate, ele reapareceu vestido de terno negro, com detalhes em azul, e num de seus rompantes semijurídicos, fez aquilo que o próprio Nervoso chamou, em seu (belo) site de “resenha da resenha”. Sim meus amigos, vejam a que ponto chegamos. Tem gente por aí fazendo resenha da resenha. É uma maravilha essa Internet, não? Ele poderia simplesmente ter resenhado show, que, ao que parece, também assistiu, mas optou pelo arremedo de resenha. Esse é o Dr. Rodivaldo que eu conheço!

Pois bem, com a propriedade e sapiência que lhe são peculiares, Dr. Rodivaldo saiu em defesa de Nervoso. Ele ficara, sabe-se lá porque, injuriado com as semelhanças detectadas (hoje por todo mundo) entre Los Hermanos e Nervoso. Para sustentar seus argumentos, ele alegou que Marcelo Camelo sempre se disse influenciado por Acabou La Tequila, uma das bandas em que Nervoso tocou, e que, logo, Camelo e os Hermanos (já com três discos na praça) seriam influenciados pelo Nervoso, não o contrário. Admito que este raciocínio é carregado de certa lógica (não, Dr. Rodivaldo não é burro), mas cai por terra porque Doctor Rod perdeu o papo do Posto BR, onde Nervoso atestava, repito, que suas músicas não se encaixavam em suas ex-bandas. E, é evidente, nada tem a ver o trabalho do grande Acabou La Tequila com o que Nervoso faz hoje. E mais: das referências confessas de Camelo, só sobrevive hoje em sua banda o próprio nome.

Sim, meus amigos, conheço as vicissitudes da juventude e compreendo as inseguranças e ansiedades do Dr. Rodivaldo, sobretudo em tempos midiáticos em que muitos acham que têm que ter “uma opinião formada sobre tudo”. Mas como disse no início desse texto, o tempo é o senhor da razão, para frente e para trás. E, ademais, saco vazio não para em pé: é preciso comer muito feijão para desfrutar da infelicidade de um palpite, mesmo no caso de um sábio como o Dr. Rodivaldo.

O leitor mais atencioso deve estar se perguntando porque diabos eu só resolvi falar disso agora, cerca de nove meses depois da infame ocorrência. É que, depois de dar tempo ao tempo, na última quinta compareci ao show de lançamento do disco “Saudades das Minhas Lembranças”, e ainda do clipe pra “Já Desmanchei Minha Relação”, no Teatro Odisséia. E agora, com um disco de verdade nas mãos, posso falar melhor da música do Nervoso. Não que a demo “Personalidade” fosse ruim, mas era um trabalho caseiro e limitado, fato comprovado ao ouvir este álbum. Atenção: isso não é uma resenha.

Mas é importante notar um trabalho bastante mais amadurecido, e, sobretudo no show, que a banda de Nervoso é das melhores. E que, sim, tem muito mais que as semelhanças com Los Hermanos: o disco tem mais guitarras, sonoridade retrô à jovem guarda e muito do tal rock gaúcho (”Ele tá parecendo o Frank Jorge”, me confidenciou um amigo ao ver o clipe). E tem, sejamos justos, muito daquilo que Nervoso sempre quis (e quer fazer). Aliás, poucas vezes vi um artista tão centrado em seu trabalho como ele. O resultado é uma música de excelente qualidade, e que tem e original a fusão de referências do próprio Nervoso, hoje amadurecido e já distante da fúria hardcore que o pautou por bom um bocado de tempo. Nada como um dia atrás do outro, né?

Até a próxima, e long live rock’n'roll!!!

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