Rock é Rock Mesmo

Sejam bem-vindos à música pesada do novo século

O metal europeu percebeu que o mercado da música pesada é muito mais que assinar contrato com a Nuclear Blast, tocar nos famosos festivais de verão e ser capa da Rock Hard. Conheça o Passenger. Publicado originalmete no Dynamite on line.

O mundo gira e a Lusitana roda. Sim, meus amigos, era isso que dizia o gigantesco painel publicitário na famosa curva da Av. Brasil, na altura de São Cristóvão, em tempos pré-Linha Vermelha. Vejam como são as coisas. Esta coluna, deliberadamente destinada para se pensar o rock, já há muito tempo não apresenta sequer um disco novo, uma nova banda que tenha chamado a atenção do colunista. Acontece que, nos últimos meses, reconheço, fui atropelado pelos fatos. Mas acho que anotei a chapa. Por isso reflito, hoje, e reafirmo, que não pude evitar assuntos dos mais pertinentes como o CPF, a invasão de shows internacionais no mês de maio e até a constatação da ambigüidade juvenil em shows de duas bandas nacionais em evidência na grande mídia.

Não pensem, entretanto, que nesse tempo todo não apareceu nada que acrescentasse algo de novo no rock que rola por este planeta. Ao contrário, discos foram lançados aos quatro ventos, e eu passei este período com a mão coçando para falar de uma banda, na verdade um desses projetos paralelos interessantes que vez em quando aparecem. Por outro lado, a demora foi até saudável, já que pude escutar mais e melhores vezes o disco em questão. Estou falando do Passenger.

O disco, que leva o nome da banda, saiu em meados do ano passado, inclusive no Brasil, e passou desapercebido por grande parte da mídia, até onde pude notar. Grosso modo, trata-se de um projeto paralelo de Anders Fridén, vocalista do In Flames, mas que conta também com o guitarrista Niclas Engelin (Gardenian), o baixista Hakar Skoger (que já foi do Gardenian) e o baterista Patrik J. Sten (ex-Transport League). Das três bandas de origem, In Flames e Gardenian são da cidade de Gotemburgo, na Suécia, e representam bem o proliferado conceito do Gothenburg sound, que nada mais é do que o death metal melódico, coqueluche da música pesada contemporânea. (Se você não tem saco para o metal e suas subdivisões redundantes, espere mais um pouco que a coisa já melhora). O Gardenian nunca deixou de ser uma banda de terceiro escalão, mas o In Flames, depois de crescer muito na Europa e de fazer extensas turnês no Japão, e, sobretudo nos Estados Unidos, é hoje um ícone criativo e renovador dentro do metal mundial.

Isso porque, do contato com o mercado americano, Andérs e o In Flames tiraram os olhos dos próprios umbigos e perceberam que o mercado da música pesada é muito mais do assinar um contrato com a Nuclear Blast, tocar em todos os famosos festivais do verão europeu e ser capa da Rock Hard. Falo do In Flames porque é evidente, em seus dois últimos álbuns, “Reroute To Remain” e “Soundtrack To Your Scape”, a partir do contato com o nu-metal, em turnês pelos Estados Unidos, as referências trazidas de lá. Isso, aliás, eu mesmo consegui arrancar do baterista Daniel Svensson (seria ele parente do camisa oito da seleção sueca?), em entrevista publicada na última edição da Dynamite, já que nossas publicações especializadas, quando o assunto é nu-metal, têm o péssimo hábito de tapar o sol com a peneira, pondo-se de costas aos fatos.

Pois bem, no Passenger, Anders Fridén vai mais longe. E no melhor dos sentidos. Se o disco não fosse lançado por uma gravadora especializada em heavy metal (Century Media), teria sido certamente recebido de braços abertos por toda a crítica musical. O que temos em onze músicas neste disco já deve ter aparecido nos sonhos de muita gente por aí. O grupo soube mesclar tudo que os gêneros que o influenciou têm de melhor, num resultado com sotaque até pop (com o perdão da palavra), mas pesado e bastante interessante. Nas onze músicas do disco, há o peso do death metal, a cadência do thrash, os vocais mais limpos (não gritados como antes), andamentos pára/continua típicos do metal dos anos 90, e a urgência do nu-metal, sem os deploráveis trejeitos hip hop, justamente o que mais causa náuseas em bandas da linhagem de Korn e seus congêneres.

Há que se ressaltar o precioso bom gosto (e aí o mérito é de toda a banda) de boa parte das composições, que são valorizadas, sim, pelos arranjos e efeitos pré-gravados, mas que têm vida própria, coisa difícil no mercado musical contemporâneo. É assim que surgem músicas refinadas e irresistíveis como “In My Head”, “I Die Slowly”, “Rain”, “In Reverse” e “Used”, só para citar algumas. Os tais elementos claramente “mais pops” ficam por conta de efeitos e teclados selecionados a dedo, que revelam uma música pesada por excelência, mas também muito mais acessível ao grande público que o som praticado pelo In Flames ou por outras bandas fiéis ao metal pesado. O que credita o grupo a alçar vôos maiores, visto que “Passenger” é um disco a ser apreciado não só para os fãs de metal, mas por todo e qualquer apreciador do bom e velho rock.

Já há algum tempo friso por estas linhas que o metal, nos últimos tempos, se dividiu entre o nu-metal dos Estados Unidos e a efervescente e diversificada cena européia. Como embrião criativo do rock, o gênero sempre cumpriu seu papel, ejaculando bandas dos guetos da musica pesada para a consagração mundial, desde Van Halen, passando por Iron Maiden, Metallica, Korn e até (por que não?) o Darkness. Nesse sentido, assim como o Evanescence e o HIM, que estão tirando o metal gótico dos guetos, o Passenger (caso o projeto continue) ou o próprio In Flames, também estão fazendo sua parte.

Até a próxima, e long live rock’n'roll!!!

Tags desse texto: ,

Comentário

Seja o primeiro a comentar!

Deixe o seu comentário

Seu email não será divulgado