Rock é Rock Mesmo

O antes e o depois de julho de 2004

Como tambor cultural do País, o Rio, com a volta do Circo Voador, pode desencadear novos movimentos artísticos e culturais (não só na música), agindo como pólo captador da efervescência cultural nacional. Publicado originalmente no Dynaite on line.

Alô meu povão, agora é sério: Circo Voador na área! Depois de um longo período de hibernação, abandono, brigas e de luta dos produtores culturais, o Circo Voador será reinaugurado no próximo dia 14 de julho. O fato pode até passar desapercebido ou simplesmente ser encarado como “apenas” a abertura de mais uma nova casa de shows no Rio de Janeiro, mas, na verdade, significa muito mais do que isso. Para os mais jovens ou os de outros estados, é bom lembrar que o Circo Voador foi o ponto de partida para o rock nacional dos anos 80, e é responsável pelo pontapé inicial em tudo que hoje se vê por aí na música pop nacional. Sim, meus amigos, é inegável: nos anos imediatamente após a ditadura militar, o rock nacional se fez sob a lona do Circo Voador e nas ondas da Fluminense FM, a primeira rádio verdadeiramente rock do Brasil.

A importância do Circo para a cidade é tão grande, que muitos atribuem ao fato de local estar fechado a falta de shows internacionais de bandas de médio porte (dado o tamanho, o baixo custo de se organizar um evento ali e a localização privilegiada, na Lapa, o coração boêmio do Rio). Mas eu vou mais longe. Como tambor cultural do País, o Rio, com a volta do Circo, pode desecandear novos movimentos artísticos e culturais (não só na música), agindo como pólo captador da efervescência cultural nacional. Não me refiro a um sentimento revivalista de que os anos 80 estão de volta, o que seria ridículo, mas na vocação do local (e da cidade em si) para o novo e o inusitado. E, repito, não só no rock ou na música, já que, é bom lembrar, o Circo sempre foi dotado de um ecletismo sui generis: lá aconteciam os shows com as primeiras bandas punks brasileiras, a famosa Domingueira Voadora, com música de salão, tocavam artistas consagrados da mpb (como Jorge Ben, Caetano Veloso e Gilberto Gil), fazia-se assembléias de trabalhadores para decidir adesões a movimentos grevistas, além da escola de dançarinos e de circo, e da creche que sempre funcionou durante o dia. Isso mesmo, se hoje os projetos sociais (ainda bem) viraram moda, até nisso o Circo foi pioneiro.

Não pensem, entretanto, que o Circo Voador que será inaugurado no dia da queda da Bastilha será o mesmo de antes. Completamente remodelado e com um projeto arrojado que, além da mudança de posição do palco, também previu isolamento acústico, para atender os reclames da vizinhança que se incomodava com o volume do som, o Circo do novo século é uma verdadeira casa de espetáculos. Com cobertura em formato esférico, palco em alvenaria, camarins fixos e arquibancadas em estrutura metálica com assentos em madeira bruta, o novo Circo é bem diferente da estrutura “provisória” montada em andaimes tubulares coberta por uma lona. Os saudosistas de plantão alegarão que o antigo era mais aconchegante, que tinha mais a “cara” do local, mas cada coisa tem sua época e o Circo não poderia ser uma caricatura de si próprio.

Também é preciso lembrar/explicar, o porquê de o circo ter ficado fechado/abandonado por todo esse tempo, até para evitar que nosso prefeito se aproveite da situação, às vésperas de mais uma eleição municipal. Bem, isso irremediavelmente vai acontecer (eu próprio estive há cerca de dois meses visitando o local e percebi a conclusão das obras sendo feita com lentidão, provavelmente para que a inauguração só acontecesse realmente após o início da campanha eleitoral), mas é bom esclarecer os fatos.

O prefeito César Maia, que provavelmente irá se vangloriar de promover a reabertura do Circo, usando chavões do tipo “recuperação da cultura”, foi o mesmo que, em 96, determinou o fechamento do espaço por considerá-lo “um antro de maconheiros” (pode haver reaça maior?). A gota d’água aconteceu no dia em que o prefeito recém eleito, Luiz Paulo Conde, então candidato de César Maia (hoje concorrente à vaga de prefeito e seu rival) resolveu, junto com seus correligionários, comemorar a vitória no Circo, numa data em que já estavam agendados shows com Ratos de Porão e Garotos Podres. O conflito de interesses e gerações foi inevitável, e o ranço político de Maia determinou o fechamento inapelável do Circo. Então, meus amigos, quando o prefeito falastrão aparecer dizendo que é o responsável pela volta do Circo Voador, tenham em mente que ele é, sim, o culpado pelos oito anos que passamos sem o Circo.

A programação de estréia já está confirmada: Pré-estréia (dia 14), Festa com convidados históricos, entre eles Lobão, Barão Vermelho e George Israel (15), Celso Blues Boy, certamente o recordista de apresentações no Circo (16), Festa-tributo à Cazuza (17) e a tradicionalíssima Domingueira Voadora com a Orquestra Tabajara (18). Se você não viu nada de shows com bandas novas, não reclame ainda. Esta é apenas a semana festiva de reabertura, muita coisa ainda vai acontecer sob os Arcos da Lapa.

Mas não é só a reinauguração do Circo que está agitando a região central do Rio. Foi aberto nesta semana o Teatro Odisséia, exatamente ao lado do Circo Voador. Criado pelos mesmos produtores da Casa da Matriz, a nova casa, com capacidade para 500 pessoas, terá, além de shows com novos artistas, espaço para vídeo, peças teatrais e outras atividades culturais, mantendo a diversidade já conhecida na própria Matriz. A festa da inauguração aconteceu na última segunda, com o show fechado do Los Hermanos. Para o público, a programação especial de abertura começa nesta sexta, com o show da impagável Graforréia Xilarmônica, e continua com eventos acontecendo de quarta à domingo. Veja mais informações em: www.tibagito.com.br

Portanto, meus amigos, já dá para imaginar como ficará Lapa nos próximos tempos, lembrando que lá já funcionam a Fundição Progresso, o Asa Branca e outras boates adjacentes, o Carioca da Gema e os tradicionais restaurantes da região, além de toda “cameloagem junkie/drink/food”. Podem anotar aí: trata-se do nascimento de um novo período cultural para o País. E pra o rock, claro.

Até a próxima, e long live rock’n'roll!!!

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