Rock é Rock Mesmo

As vanguardas de ontem são os dinossauros de hoje

A diferença entre a banda que acabou de gravar a primeira demo num estúdio num subúrbio de Londres e o U2 é só, e talvez nem tanto, de dez anos. Parece que vai demorar, mas um dia o Strokes será velho, e o novo será… Publicado originalmente no Dynamite on line.

Meus amigos, andava eu em direção ao ponto de ônibus, quando, ao passar pela Praça Jardim Laranjeiras, encontrei, súbito, com o Maluco da Praça. Me surpreendi com a presença de tal figura tão perto da minha casa, já que sempre que o vi ele estava em locais mais distantes. Lembro-me até da última vez que nos vimos na praça Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, e ele tentava me convencer, quase um ano antes, que o Brasil seria campeão do mundo na Copa da Ásia sob o comando do sargento Felipão. E que a favorita França não faria um gol sequer. Mas ele estava ali, a poucos metros da minha casa, com aquele halo de profeta, uma aparência de Beato Salu, personagem de Nelson Dantas em “Roque Santeiro”.

O Maluco da Praça, como ser solitário, parece um desses motoristas de táxi, que incomodados com a jornada misantropa que a profissão lhes oferece, desandam a conversar sobre qualquer assunto com todos os passageiros, independente do interesse que eles possam demonstrar. Desta vez, entretanto, ele tinha uma aparência soturna de fazer Ian Curtis parecer uma figura contente. Mesmo assim, me reconheceu, não me lembro como nem de onde, mas o ar onipresente de sua aproximação foi de assustar.

- Meu nobre colega jornalista, o que faz você deste lado da cidade?
- Como vai o senhor? Há quanto tempo não nos vemos…
- Vejo um semblante de dúvida em seu rosto, meu jovem!

Confesso que não tinha a mínima intenção de parar ali no meio da pracinha, mas, como há uns três anos deixei minha pressa trancafiada numa indústria na Baixada Fluminense, não tinha porque não ouvir a conversa do Maluco da Praça. Eu não tinha dúvida nenhuma, nem pensava em nada em especial, mas é que a conversa do Maluco da Praça, em geral, é pontuada por chavões que ele alinhava para fazer as mais certeiras previsões, em especial no mundo do rock.

- Tempos difíceis… Tempos difíceis estes em que vivemos…
- É só um tempo para o Parreira acertar o time…
- Los Hermanos vão gravar um disco de mpb, Marcelo D2 vai fazer samba, o Pixies vai virar medalhão, tocar no Brasil, mas só em Curitiba, a crítica inglesa vai adorar hard rock, o Rock In Rio vai ser em Lisboa…

Bem, havia um problema de fuso com ele. Não que fosse esta a primeira vez que o Maluco da Praça fizesse previsões estapafúrdias, mas não me lembro tê-lo ouvido fazer previsões de fatos que já aconteceram, tal qual um Michael J. Fox em “De Volta Para o Futuro”: Hello, anybody home? Mas, diz o ditado, não se deve contrariar maluco, não é mesmo? Dizem que é pior. Além do mais, olhando com uma calma de meditador, as previsões do Maluco da Praça, mesmo sobre fatos já ocorridos, continuam as mais estapafúrdias possíveis. E desta vez, podem ter certeza, elas estão corretíssimas, embora muitas vezes lamentáveis.

Mas cabia a mim, ali, como um abutre da informação, tirar o sábio profeta uma, ao menos uma única previsão de algo que ainda estaria para acontecer. Bandas que irão estourar nos próximos meses, como será o disco novo do Morrissey, quanto tempo os fenômenos radiofônicos vão durar nas nossas FMs vendidas, qual será o valor no novo salário mínimo, quem vai ser o primeiro cronista a escrever que o Santos não ganha nada há mais de um ano, quem matou o casal Stahelli. Enfim, qualquer coisa.

- Todos os artistas brasileiros vão ser obrigados a gravar discos acústicos, ao vivo ou de covers, e terão que lançar DVDs para satisfazer a demanda classemediana, caso não queiram ser demitidos de suas gravadoras. Até o Motörhead…
- Pé-raí! Motörhead acústico é o fim…
- … Virá ao Brasil neste ano, lançando um disco novo. Só o Pixies terá a cara de pau de tocar covers de si próprio. Feliz aquele que se recusar a viajar para o interior para presenciar este espetáculo da decadência!

Meu amigos, vamos e venhamos. Agora o Maluco da Praça radicalizou. Mas ao menos ele chegou aos dias atuais. E colocou uma pulga a mais na comunidade que habita a parte de trás da minha orelha. Durante anos fui achincalhado por comparecer assiduamente a shows de bandas com muito tempo de estrada, como Credence, Rush, Deep Purple, Yes, Page & Plant, Ozzy, etc. Pessoas que sonhavam em ver a última novidade do rock inglês ou do underground americano achavam um absurdo ir a shows de “medalhões decadentes”. O tempo passa, o tempo voa, e hoje, a última novidade do rock inglês ou do underground americano está voltando com mais de dez anos nas costas, fazendo uma turnê caça-níquel, sem lançar uma única música inédita, e, claro, preparando o lançamento de inúmeros álbuns ao vivo. Isso nem o Maluco da Praça poderia prever.

Assim como na vida de todo mundo, no ciclo nascer-viver-morrer, também no rock o tempo é o senhor da razão. A diferença entre a banda que acabou de gravar a primeira demo num estúdio num subúrbio de Londres e o U2, por exemplo, é só, e talvez nem tanto, de dez anos. As vanguardas de ontem são os dinossauros de hoje. Parece que vai demorar, mas um dia o Strokes será velho, e o novo será… Aquilo que os alvissareiros irão descobrir primeiro e contar, antes, para todo mundo. Ou aquilo que o Maluco da Praça ainda vai me dizer, quem sabe?

- Meu filho, não seja tolo. Deixe a banda que saiu da catacumba de lado e prestigie quem tem um trabalho com continuidade. Saiba diferenciar a armação, o embuste, do trabalho, da criatividade. Além do mais, Vila da Penha é mais perto que Curitiba.

Foi assim que o Maluco da Praça me convenceu a deixar o Pixies de lado e ficar com o Napalm Death. Obrigado, Profeta!

Até a próxima, e long live rock’n'roll!!!

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