Rock é Rock Mesmo

Faltam heróis no rock dos nossos dias

A falta de heróis no rock dos nossos dias nos leva a cultuar ícones requentados, como o inexpugnável Axl Rose, ou mortos, como o falecido Kurt Cobain. O que o rock precisa é disso: novos heróis. Publicado originalmente no Dynamite on line.

Na edição da próxima Dynamite será publicada uma matéria que versa sobre os 10 anos da morte de Kurt Cobain. Ok, até aí morreu Neves, todo mundo já deve estar cansado de ouvir falar disso, até Caetano Veloso pegou carona na data, ao fazer uma cover do Nirvana. Então acalmem-se, meus amigos, que eu não vou falar de Nirvana aqui, só como gancho.

Mas quem quiser ver o Nirvana de uma maneira diferente, se liga na Dynamite que está chegando às bancas ainda nesta semana. Ela traz dez perguntas sobre os dez anos sem Kurt Cobain. Para respondê-las, num exercício de futurologia, além de um hercúleo trabalho de Ricardo “Cebola” Fernandes, consultamos três jornalistas que escreveram livros sobre Cobain ou o Nirvana: Charles R. Cross, autor da biografia “Heavier Than Heaven - Mais Pesado Que o Céu”; Marcelo Orozco, do livro “Kurt Cobain - Fragmentos de Uma Biografia”, que analisa cada frase escrita por Kurt; e André Barcinski, do livro “Barulho - Uma Viagem Pelo Underground do Rock Americano”, um dos primeiros a tratar da banda no Brasil.

Voltando ao tema da coluna, uma das perguntas que fizemos foi porque não apareceu, até hoje, um outro ícone no rock, em nível mundial, desde Kurt Cobain. Na semana passada, recebi um e-mail de um leitor que tentava entender o porquê de uma banda como o Guns N’Roses ainda continuar na mídia, desta feita por causa do lançamento de mais uma coletânea, que recebeu críticas até do invencível Axl Rose e de todos os ex-integrantes. Pensando sobre o assunto, me lembrei do dia em que eu estava na Cidade do Rock, em 2001, no meio do show do Iron Maiden, quando passou por mim, no meio daquela multidão de 150 mil pessoas, o grande Emerson Gasperin, à época editor chefe da Revista Bizz, e que, entre um comentário e outro sobre o show, disse que “o que falta no rock de hoje são os heróis”, para justificar a vitalidade de Bruce Dickinson e sua trupe, sempre com um “quê” de épico em seu trabalho.

Gasperin tinha razão. O rock é feito de ícones, que a mídia cria e adora, que os fãs idolatram. Se você perguntar para qualquer pessoa o que vem na cabeça dela quando é dita a palavra rock, a resposta será algo como: Jimi Hendrix, Jim Morrison, Ozzy, Eric Clapton, Kurt Cobain e assim por diante. Alguns até citarão o nome de uma ou outra banda, mas certamente elas serão a exceção. E, aposto, absolutamente ninguém citará algo mais novo que Cobain. Nem mesmo os irmãos Gallagher, marketeiros como só eles, seriam lembrados. Simplesmente porque não temos mais heróis no rock.

De quem é a culpa? Isso é papo para mais de hora, mas uma coisa é certa: tudo começou no dia em que as bandas começaram a tocar em palcos baixos (ou mesmo no chão), a fazer shows com roupas simples, iguais as que eu, você ou qualquer um do público poderia usar, a ser gente comum como qualquer um. Porque, ora bolas, um herói do rock não pode ser uma pessoa como qualquer um. Por si só ele já é, e por definição, um ser superior, ao menos durante o tempo em que o show está acontecendo. Daí ele ficar numa posição superior (não é só para permitir a visibilidade de todos), cantar e tocar num volume do tipo “quanto mais alto melhor”, e ter uma postura (atitude, se preferirem) diferenciada. O que seria de Hendrix sem o lenço na testa, as roupas extravagantes e coloridas e sua dança com a guitarra em chamas? De David Coverdale sem seus emblemáticos malabarismos com um reles pedestal de microfone? Do próprio Cobain e suas camisas de flanelas, usadas por lenhadores do noroeste americano, e que viraram moda até aqui nos trópicos? “Clichê, puro clichê”, dirão os meus colegas modernos e ligados nas novíssimas novidades mais novas e recentes, todos aplaudidos de pé pelo meu amigo Moderninho de Plantão. Mas é assim que é o rock, e é assim que todos queremos o rock, porque sem o ícone não há história, não há rock, não há nada. E é por isso que, até hoje, todos continuam adorando ícones requentados, como Axl Rose, ou mortos, como Kurt Cobain.

Cabe, aqui, um aparte. Volta e meia a mídia, especialista em descobrir o óbvio dia após dia, se pergunta o porquê da longevidade do heavy metal (em todas as suas formas) e da fidelidade dos fãs do gênero, reconhecidamente os mais “die hard fans” do planeta. Há muito que se comentar aqui também. O universo do metal, em todas as suas tendências, é vastíssimo, mas não é surpresa para este colunista o fato de as bandas ligadas a este flanco do rock serem justamente as que mantêm um maior compromisso com o visual, a atitude e esse conceito de super-herói desenvolvido acima. Lemmy Kilmister, do Motörhead, por exemplo. Desde que ele posou para a foto do histórico álbum “Ace Of Spades”, de 80, nunca mais tirou aquela roupa preta, com cinto de cartucheira, sapato bico fino e chapéu de caubói. Lemmy é assim 24 horas por dia. Certa feita esqueceu o chapéu no backstage de um show e ofereceu uma recompensa até recuperá-lo. Foi como se o Super Homem tivesse perdido a capa e não conseguisse mais voar. Por essas e outras é que Lemmy é Deus.

Fato semelhante acontece com o “corpsepaint”, a maquiagem cadavérica usada no black metal, com as roupas coloridas do hard rock, a visual de guerra do death metal, as roupas pretas e soturnas do gothic metal, os piercings do nu-metal, os braceletes e cabelos medievais do metal tradicional, e assim por diante. Se no rock faltam super heróis, no metal tem de sobra. Tantos que fica difícil até de identificar uma pessoa ordinária.

Enquanto não aparecer um novo super herói no rock dos nossos dias, ele estará fadado a culto do novo pelo novo, ou simplesmente ao revisionismo barato. E nós, a viver de heróis do passado.

Até a próxima, e long live rock’n'roll!!!

Em tempo: como já foi divulgado em toda a imprensa, a produção do Curitiba Pop Festival, numa atitude inteligente, transferiu o evento da Ópera de Arame para a Pedreira Paulo Leminski, ganhando assim espaço para mais cinco mil pessoas, totalizando oito mil. Os ingressos estão à venda nas bilheterias do local, e no site www.ticketcenter.com.br . Desde ontem o site estava fora do ar, mas agora há pouco eu mesmo fui lá para comprar ingressos e está tudo funcionando direitinho. O problema é que a venda casada continua, só podem ser comprados ingressos para os dois dias. Ainda assim, ficam aqui os parabéns desta coluna à organização do festival, e esperamos que, em 2005, caia por terra a famigerada cláusula de exclusividade. Vivendo e aprendendo, né?

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