Rock é Rock Mesmo

O grande celeiro de bandas do rock nacional

Resistindo a todas as intempéries do mercado, o Rio de Janeiro continua sendo o grande celeiro de bandas do rock nacional. E tudo está na iminência de melhorar muito mais. Publicado originalmente no Dynamite on line.

- Botequim. É o botequim , sentenciou.
- Não, é a praia, se não tivesse praia aqui, todo mundo ia querer montar banda de rock nessa cidade, retrucou, do outro lado da mesa.

Essa conversa acontecia dentro do Arco-Íris, um dos pé-sujos mais famosos da Lapa, em meio a goles de cervejas genéricas de 1 Real e ingestão de salgadinhos de procedência dita duvidosa, mas que são consumidos aos montes há mais de trinta anos. E, de acordo com o que os capitalistas nos ensinaram, se há saída é porque a oferta é de qualidade.

A conversa girava em torno do rock feito no Rio de Janeiro e daquele criado em outros estados, sendo que a cidade de São Paulo era citada, ao que pude entender, em nível de comparação, como berço e paraíso do rock nacional. Antes, é preciso esclarecer que no Rio existem dois tipos de botequins. Um é o botequim classemediano, aquele que tem cara de botequim, mas possui garçons uniformizados, serve chope gelado (não cerveja), tem um razoável cardápio de tira-gostos típicos e sai nos guias turísticos da cidade. O outro é, como disse, o pé-sujo, no qual os atendentes usam no máximo um jaleco de monitor de escola pública, serve cerveja das marcas mais ordinárias (e das famosas também), para comer só tem aquelas frituras de balcão embaçado, ou o salutar ovo colorido, e acolhe todo o tipo de bebuns, mendigos e pobretões em geral. Resumindo, o primeiro é Bracarense; o segundo, Arco-Íris.

- Sempre foi assim, São Paulo é Londres, e o Rio é Los Angeles - continuava a conversa.
- Aqui nem lugar decente para uma banda tocar tem, aliás, nunca teve, respondeu o outro.

Um gole de cerveja mais demorado me pôs, enfim, a refletir. Olhando assim de longe, a dupla que se revoltava contra a suposta ineficiência da cidade em produzir rock não parecia ser tão nova assim, ao contrário, já se via naquelas carrancas curtidas um certo halo de um passado não muito recente. De certo ela vivera, sabe-se lá como, o boom do rock nacional dos anos 80. Como, então, eles poderiam já ter esquecido que o rock brasileiro daquela época aconteceu justamente no Rio, dentro do Circo Voador e nas ondas da Fluminense FM? Ok, bandas pipocaram aos borbotões em todo o País, mas foi aqui que tudo ganhou forma e estourou, mesmo porque toda a estrutura de gravadoras, grande mídia (não só a praia) por motivos a serem pesquisados, sempre fizeram do Rio a sua morada.

Do outro lado da mesa dos reclamões, uma figura sinistra vestida de preto degustava um torresmo ressecado de anteontem ao mesmo tempo em que ria, com o canto da boca, demonstrando um certo deboche frente à conversa também acompanhada por este colunista.

- A gente tinha que morar em São Paulo, lá é que a cena é forte, pra metal, então, é ideal.
- Demorô, tem o Black Jack, o Blackmore, o Manifesto, lá a cena acontece de verdade.

Passando para a década seguinte, me lembrei que, dentro do Garage, esse assunto sempre vinha à tona. E não há como negar que as duas maiores revistas musicais do País (que são de metal), vêm de Sampa. Ë bom que se lembre, entretanto, que nos anos 90, em que o metal teve boa projeção na mídia, o grande ícone foi o Sepultura que, que veio de Belo Horizonte e foi descoberto por uma gravadora igualmente mineira. Mas esta década, por força de políticas monoculturistas das grandes gravadoras, deixou o rock fora da mídia. Digo fora da mídia porque nunca o rock nacional foi tão diversificado, em estilos, e pulverizado pelos lugares mais improváveis. O número de bandas que apareceu nessa época foi colossal, se compararmos à anterior, mas fora da mídia, pouco representou para o público em geral, o que explica a revolta dos que travavam a estranha discussão numa madrugada de sábado.

O assunto traz à tona uma troca de e-mails que tive na semana passada com um famoso hit-maker do rock nacional, nos quais ele dizia que, as bandas independentes do Rio, já que encontram muitas dificuldades para se manterem na ativa, são as que mais tocam fora do estado. Mas o que ele me lembrou de mais importante foi a grande quantidade de bandas legais do Rio, chegando até a citar uma listinha. Lembro-me também que, a cada sexta-feira, três novíssimas bandas, em geral do Rio, tocam no projeto London Burning, na Bunker. Se pararmos para pensar, é banda que não acaba mais: Leela, Jimi James, Ramirez, Autoramas, Los Hermanos, Marcelo D-2, Nabuco On The Roxy, Jason, Carbona, Matanza, Emo, Hill Valleys, Supertrumpho, Grand Prix, Nervoso, Carne de Segunda, Nelson & Os Gonçalves, Marta V. Skylab, Ack, Supernova, The Feitos, Stella Bella, Grave, Mim, Cactus Cream, etc, etc.

Sem falar, para entrar no particular que parece ser o dos nossos vizinhos de mesa de pé-sujo, que vivemos um verdadeiro renascimento do metal carioca, com bandas que, em tempos globalizados, já têm até um ou dois discos gravados. Allegro, Imago Mortis, Heaven Falls, Venin Noir, Thoten, Sigma 5, Dead Nature, Trinity, Dark Foresty, Aliambra, Belial War, Apokalyptc Raids, Purgatory e tantas outras que não me lembro agora.

Mas o mais animador, como já foi dito aqui na semana passada, é que em breve o Circo Voador, depois de fechado por mais de sete anos por causa da intolerância do prefeito César Maia, será reaberto. E que, talvez um pouco mais tarde, entrará no ar a rádio FM que Marcelo Yuka conquistou junto ao governo federal, que terá a coordenação de Maurício Valadares. E é bom lembrar, ainda, que o Noites Cariocas também está de volta, por hora só com revivalistas da década de 80, mas já é um começo.

Súbito, o homem de negro, após pagar sua modesta conta, se levantou e bradou:

- Vão morar logo em São Paulo, seus idiotas!

Enquanto a turma do deixa-disso se aproximava, este colunista aproveitou para quitar o débito e partir, já com espuma branca rodando seu pé. Dentro do primeiro 497 de domingo, a única e inapelável certeza: o Rio continua sendo o grande celeiro de bandas do rock nacional.

Até a próxima, e long live rock’n'roll!!!

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