Rock é Rock Mesmo

Ruído recoloca o Rio na rota dos festivais independentes

Depois de um vácuo de seis anos, finalmente o Rio de Janeiro, berço do rock nacional dos anos 80 e tambor cultural do País, volta a ter um festival de bandas independente à altura de suas tradições. Publicado originalmente no Dynamite on line.

Há exatos dez anos este jornalista estava se preparando para participar, fazendo a cobertura, do primeiro festival independente. Era o BHRIF - BH Rock Independent Fest, um mega evento que teve o apoio da prefeitura de Belo Horizonte e trouxe até grandes nomes internacionais, como o Fugazi, além de promover palestras para discutir sempre efervescente meio independente nacional. Mas se o BHRIF foi o maior, não era certamente o único. Em Recife, o Abril Pro Rock já tinha dado a largada para mais tarde consolidar o mangue beat de Chico Science. Em Campinas já tinha acontecido a primeira edição do lendário Junta Tribo, e, no Rio, acontecia em menor escala o Superdemo (no final do ano aconteceria com sucesso sua maior edição) e no ano seguinte estrearia a Expo Alternativa, que teria três edições até 97.

Mas por que estou dizendo isso? Por que, mesmo depois de um certo intervalo em meados dos anos 90, os festivais independentes continuaram a acontecer pelo Brasil: Porão do Rock (Brasília, 98), Mada (Natal, 2000), Goiânia Noise Fest e Bananada (94 e 96, respectivamente), Curitiba Pop Fest (2003), Campeonato Mineiro de Surf (Belo Horizonte, 2000), além do já citado Abril Pro Rock, sem dúvida o mais perene do País, entre muitos outros. No Rio de Janeiro, entretanto, aconteceu um refluxo, e ficamos nós, cariocas, órfãos de um evento digno da cidade que sempre teve a vocação para a cultura e, por que não, para o rock também.

Conversando com o jornalista e produtor Luciano Viana, responsável, pelo London Burning, que leva três bandas a cada sexta-feira para tocar na Bunker, ele me dizia que considera o fechamento do Circo Voador, pelo prefeito César Maia, em 96, o marco para o início do gradual desaparecimento dos fãs de rock no Rio, agravado por uma série de outros fatores. Outros consideram que este marco estaria, na verdade, há quase dez anos, em setembro de 1994, com a retirada dor ar da Fluminense FM (desconsiderando a tímida tentativa de retorno em 2002), a rádio que reinventou o rock no Brasil nos anos 80 e que foi o celeiro do boom do rock nacional daquela época. Se for assim, as perspectivas são auspiciosas. Isso porque, dentro de cerca de um mês, o Circo Voador deverá ser re-inaugurado (curiosamente na gestão do mesmo César Maia), e, logo, logo, entrará no ar a rádio (FM, não é comunitária, não) cuja concessão federal foi vencida por Marcelo Yuka, e que deverá ter a coordenação geral de Maurício Valadares, um dos articuladores da Flu-FM, e que tem larga experiência no ramo.

Mas talvez, voltando aos festivais independentes, quando tudo isso virar realidade, quem ficar para contar a história citará o Ruído Festival como verdadeiro marco zero dessa história toda. O festival nasceu timidamente, numa iniciativa do produtor Rodrigo Quik (também vocalista do Narjara) e de Gabriel Thomaz (guitarrista/vocalista do Autoramas) em 2002, em pleno sábado e domingo de Carnaval, data em que o carioca, ou cai no samba, ou se manda para fora da cidade. Em 2003, sabiamente, a data passou a ser o final de semana seguinte ao Carnaval, mas agora, em 2004, que a produção mais ousou, passando o evento para três dias, aumentando consideravelmente o número de bandas (18 no total) e trazendo também o maior número de artistas de fora do Rio. Sem querer desvalorizar a fértil cena local, é fato que os cariocas já há algum tempo ficavam a ver navios em se tratando do sempre renovado mercado da música independente em nível nacional. Se quisesse ver as novas bandas tão comentadas em revistas como a Dynamite, por exemplo, teria que ir, no mínimo, até São Paulo, ou, para não ter erro, até Goiânia, onde atualmente acontecem os melhores festivais independentes do País.

Aqui cabe um parêntese. Neste ano, o Humaitá Pra Peixe, outro festival realizado no Rio, completou dez anos, mas, nos últimos tempos tem se distanciado cada vez mais do rock e das novas bandas (num ecletismo muitas vezes elogiável) em prol da escalação de artistas ligados à mpb, ou mesmo com parentesco com grandes artistas da música brasileira. Tal fato trouxe um inegável, e de certo modo merecido reconhecimento de mídia, tornando o evento uma das unanimidades do verão carioca. Mas, não resta dúvida, ao mesmo tempo o retirou da rota dos festivais de rock independentes.

Voltando ao Ruído, que infelizmente ainda não é um sucesso de público e mídia como o HPP, ouvi de diversos comentários, por parte de colegas jornalistas e do público de uma forma geral, muitas vezes se queixando da inclusão deste ou daquele artista, do número de bandas a cada noite, do local onde é realizado, etc, etc. Mas não cabe aqui qualquer tipo de comparação com os outros eventos citados no início desta coluna, mesmo porque cada festival sempre acaba descobrindo seu próprio formato, muito menos críticas a falhas que decerto existem, no Ruído e em todos os demais. Porque o mais importante foi feito: colocar o combalido público rocker carioca em contato com as novas bandas das mais variadas regiões (ao todo foram seis os estados contemplados) e vice-versa. Só assim, pudemos todos conhecer bandas como os badalados Forgotten Boys, Wonkavision e Tom Bloch, os novíssimos Guitarria e Los Canos, Detetives e Nancyta e os Grazzers, por exemplo, sem ter que ir para a rodoviária. E se o show de cada uma das bandas foi bom ou não, isso já é uma outra história, o importante é que quem compareceu ao Ballroom no último final de semana, saiu com a opinião, senão formada, ao menos iniciada sobre cada uma delas.

A lição que fica é a de sempre: às vezes é preciso fazer óbvio para que ele não passe desapercebido sob as barbas de todos.

Até a próxima, e long live rock’n'roll!!!

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