Rock é Rock Mesmo

Renovação e estereótipo no heavy metal melódico

O Carnaval já começou, os blocos se espalham pelas ruas e a cidade respira o clima de Fla-Flu. Nessa balbúrdia generalizada, contrariando todos os estereótipos, o heavy metal melódico mostra que também pode se renovar. Publicado originalmente no Dynamite on line.

Meus amigos, aqui na cidade não se fala em outra coisa. Nas esquinas, nos botecos, nos restaurantes de comida a quilo do Centro, nas choupanas à beira mar, o assunto é um só: o sensacional Fla-Flu. Por sorte, azar ou falta de organização, sobrou para o sábado de Carnaval a decisão da tradicional Taça Guanabara. Data que lembra a não menos espetacular estréia de Rivelino, em 1975, na Máquina Tricolor que encantou a todos. Escorraçado pela ignorância da torcida de seu clube de origem, subitamente o “Reizinho do Parque” se transformou no “Curió das Laranjeiras”, marcando, na estréia, três gols na vitória de quatro a um sobre seu ex-clube.

O Carnaval, aliás, aqui no Rio, já começou há umas duas semanas. De uns tempos para cá os blocos de rua voltaram a fortalecer o Carnaval carioca. Daqui de perto de casa já saíram o “Gigantes da Lira”, o “Laranjada”, e até alguns colegas me intimaram a comparecer (ao menos) na concentração do “Imprensa Que Eu Gamo”, que reúne os profissionais do jornalismo. Mas, meus caros, confesso, isso é impossível. Por que só de passar perto de um desses blocos (de impagáveis e criativos nomes), eu já me sinto, como diria o poeta Marcelo Rocha, “totalmente anti-social”. Há que se respeitar a riquíssima herança cultural da cidade, mas, também, há de se ter, e sempre, as alternativas. Digo isso porque, ao me deslocar para ver mais um show do Shaman, no último sábado, tive que passar pela constrangedora situação de atravessar um desses blocos, o que proporcionou um choque cultural sem precedentes: quase fui confundido com um dos fantasiados.

Voltando ao Shaman, durante o show, a banda exibiu alguns trechos do DVD que acaba de ser lançado, e, numa das cenas, numa entrevista na MTV, o vocalista André Matos afirmou que não gosta de ver sua banda ser chamada de “metal melódico”. Isso me lembrou que já há algum tempo ouço diversas pessoas reclamarem que neste segmento do heavy metal não há renovação. Em casa, já há a alguns dias antes deste show, eu vinha escutando o novo disco do Edguy, a ser lançado em março. Pronto: fechou a tríade para o inevitável assunto da coluna desta semana.

Meus amigos, acreditem. O heavy metal melódico virou um verdadeiro tabu no meio musical brasileiro. Para muitos, que ignoram os inúmeros subgêneros do metal e acham que tudo se resume ao melódico, ele se transformou até em motivo de chacota. Dependendo da situação, em algumas rodas, é até difícil para um incauto admitir que é fã de heavy metal: logo os demais começam a imitar, cantarolando, os solos técnicos e agudos, ou mesmo os vocais de alcance mais alto. O fenômeno Massacration, por exemplo. Verdadeiro oásis no humorismo brasileiro, sobretudo depois que a turma do Casseta & Planeta sucumbiu ao padrão e censura globais, o programa Hermes & Renato sempre apresenta quadros que satirizam os trejeitos dos mais diversos segmentos musicais. Foi assim com o rap, com a nefasta música baiana, o tal do forró universitário.

Quando chegou a vez do metal, o grupo, com o Massacration, optou justamente por satirizar o heavy metal melódico. Poderia ter sido o black metal, o death, o thrash, o prog e o escambau. Mas não, tudo recaiu, repito, sobre o melódico. E não foi à toa, os caras já sabiam da identificação imediata do público leigo (e até de gente que é do ramo) deste subgênero com o heavy metal como um todo. Daí o Massacration ter se transformado num grande sucesso, inclusive no meio, já que é possível ver headbangers trajando a camisa da “banda” a torto e a direito. Talvez questões estereotipadas como estas tenham levado André Matos a dizer o que disse. A bem da verdade, é bom registrar que, honra seja feita, André é um ícone do gênero, não só por sua voz privilegiada - o que já lhe garantira lugar cativo no Olimpo metálico, mas por sua formação musical e talento enquanto compositor e arranjador. E, também, que o Shaman, que nasceu de uma dissidência do Angra, vem, sim, tentando buscar caminhos que renovem o estereotipado metal melódico. Não dá, pelo menos ainda, para criar uma nova denominação, como tentou parte da crônica heavy metal (para isto é necessário uma cena inteira, não somente uma banda), mas ao menos a banda está buscando renovação, a ponto de André não querer que ela seja vista como “heavy metal melódico”.

Existem fatos que podem nos levar a considerar que este fenômeno (o da estereotipagem do heavy metal melódico) é tipicamente brasileiro, ou ao menos, mais forte no Brasil. É que na década de 90, a crônica heavy metal se resumia basicamente a uma única publicação, que, em geral, reservava generosas páginas para o segmento melódico, ao mesmo tempo em que se encarregava, também, dos respectivos lançamentos dos discos destas mesmas bandas. Isso porque, no meio do heavy metal, sob o argumento (muitas vezes de boa fé) de fortalecer a cena, os donos de publicações especializadas são também os representantes de gravadoras especializadas no Brasil, produzem shows e turnês internacionais e fazem de tudo pelo metal. Um claro e grave deslize ético e jornalístico, mas que, segundo a crônica heavy metal, se justifica, “em nome do metal”. Assim, na geração pós Rock In Rio 2, entre medalhões como Metallica, Iron Maiden e até Guns N’Roses, floresceu e se radicou no Brasil o heavy metal melódico, de uma forma tão firme, a ponto de se ter criado os estereótipos mencionados lá em cima. Hoje não. O mercado do heavy metal cresceu substancialmente, a ponto de as únicas publicações musicais com periodicidade mensal e solidez serem justamente as voltadas para o heavy metal. Além delas, há várias outras em crescimento. As gravadoras de médio porte, que antes eram “apenas” representadas, hoje se instalaram no Brasil, isso sem falar nas independentes que investem pesado no mercado nacional. E a cada ano, bandas de nível intermediário vêm tocar no País, repetindo os shows a cada turnê, como aconteceu como Blind Guardian, Hammerfall, Nightwish, e Edguy, que ainda em 2004 volta a tocar no Brasil. Não há, ainda, o dado, mas não é exagero afirmar que os lançamentos especializados em heavy metal, no Brasil, em títulos, já superam todos os demais somados, até pela crise nas grandes gravadoras, coisa que o meio metálico brasileiro não conhece, pelo menos por enquanto.

Então chegamos em “Hellfire Club”, o sexto disco do Edguy, sem contar o duplo ao vivo lançado no ano passado. Não vou aqui ficar na análise do álbum em si, tarefa da qual os vizinhos da Metal Kave (aos quais tardiamente desejo boas vindas) se encarregarão. Mas vale lembrar, que, em 2000, tive a oportunidade de ver o Edguy tocando no festival italiano “Gods Of Metal”. Era uma banda de adolescentes inseguros e que, a priori, pouco tinha a acrescentar. Coube ao tempo, entretanto, provar o contrário. De lá para cá, a banda teve um crescimento extraordinário, a ponto de se transformar não só num ícone do gênero, mas, e melhor, num dos mais auspiciosos exemplos de crescimento e renovação no heavy metal melódico em todo o mundo. Tudo sob a batuta de Tobias Sammet. O garoto merece um aparte. Começou com o Edguy aos 14 anos (hoje tem 26) e, além de cantar, em geral compõe todas as músicas do grupo, cuida dos arranjos, e ainda escreve a maior parte das letras. Em 2000, deixou o Edguy por um momento para gravar um ousado álbum que reuniu quase todos os bam bam bans da cena metálica (André Matos incluído), o “Avantasia - The Metal Opera”, que ainda rendeu uma segunda parte no ano seguinte. O sucesso do projeto desencadeou vários outros semelhantes, mas que, em termos de qualidade, não chegaram sequer perto do Avantasia. De volta ao Edguy, lançou o excelente “Mandrake”, o melhor da carreira da banda, e que abriu caminho, agora, para o pesado “Hellfire Club”. Tobias obteve reconhecimento mundial por fazer músicas extremamente cativantes, dentro do heavy metal melódico, sem deixar de lado o peso inerente ao metal.

A trajetória do Edguy é a prova irrefutável de que o heavy metal melódico se renova. E de que isso é possível em todos os segmentos da música, e, sobretudo, no rock, que já nasceu com a vocação para o novo.

Até a próxima, e long live rock’n'roll!!!

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