Rock é Rock Mesmo

As rádios é que devem se adaptar aos novos artistas

Segundo os basbaques, as bandas, se quiserem entrar para a programação das rádios de sucesso, têm que mudar a postura, as letras, a mensagem, os refrões e o som. É possível aceitar uma coisa dessas? Publicado originalmente no Dynamite on line.

Vejam como são as coisas. Fazia tempo que eu não partilhava com o leitor a companhia de um desses meus amigos que volta e meia, apesar da distância e dos compromissos de parte a parte, acabo encontrando no meio da rua. Na semana passada não pude deixar de falar da prolífica conversa com o meu amigo Mourão de Concreto, na qual ele, de uma forma até didática, me esclareceu nuances desse tal de rock’n'roll. Passa uma semana, apenas sete dias, e tenho de pedir licença para voltar a falar de uma das figuras mais indecifráveis que tive a oportunidade de conhecer: o Dr. Rodivaldo Traça.

Não sei se o amigo leitor se lembra, mas Dr. Rodivaldo é do tipo sabe tudo. Não aquele sábio de sessenta séculos, mas um conhecedor dos meandros da cultura nacional que tem como principal, na verdade única fonte de pesquisa, a Internet. Sim, meus amigos, este monstro criado pelos americanos com objetivos meramente militares e freqüentemente aqui rechaçado por mim é o local onde Dr. Rodivaldo busca suas informações, forma suas opiniões. Mas não me entendam mal. Dr. Rodivaldo não é nenhum boçal. Ao contrário, e repito, é um homem dos mais inteligentes que eu conheço. Mas até os sábios têm suas fraquezas, daí o fato de ele ser uma figura, como disse, das mais indecifráveis.

Há algum tempo, Dr. Rodivaldo andava acusando a torto e a direito, qualquer jornalista que, por eventualidade ou necessidade, se valesse de um trabalho de pesquisa para fazer uma matéria jornalística. “Jornalismo google!”, sentenciava ele, numa referência a um dos sites de busca mais comuns da web. Eis que, recentemente, vi que o Dr. Rodivaldo, bem relacionado que é, estreou uma coluna num site neófito, gregário de vários jornalistas renomados de todo o País. Enquanto pensava em dar os parabéns ao nobre confrade, procurei ver o conteúdo de suas colunas - a daquela semana e a das anteriores - e descobri que, sendo sobre “blogs e sites interessantes” na Internet, só havia uma forma de ele descobrir aqueles endereços virtuais, excetuando-se uma ou outra indicação: a pesquisa na rede. Sim, meus amigos, quem diria, Dr. Rodivaldo aderiu aquilo que outrora considerava o que pior havia na imprensa nacional, aquilo que ele bem denominou “jornalismo google”. Sem uma entrevista sequer, o Dr. Rodivaldo prova agora do próprio veneno. Sim, meus amigos, o mundo gira e a Lusitânia roda.

Ao vê-lo encostado no balcão do Arco-Íris, na Lapa de Madame Satã, entretanto, não quis entrar no assunto, achei que não poderia perder tempo com reminiscências do passado, e deveria, isto sim, desfrutar dos minutos de sabedoria daquela figura, diria, inefável. Claro que a conversa desandou para o mercado musical, bandas, gravadoras, etc, etc. E, óbvio, não demorou muito para que Dr. Rodivaldo soltasse a pérola:

- As bandas de hoje em dia, se quiserem entrar para a programação das rádios de sucesso, têm que se adaptar a elas. Têm que mudar a postura, as letras, a mensagem, os refrões e o som.

Esta é uma rase lapidar, que, se proferida por um beócio qualquer, cairia imediatamente num descrédito de fazer inveja a Enéas, o eterno candidato. Mas a sentença foi cunhada, segundo o próprio Dr. Rodivaldo, “por algum desses colunistas da Internet que volta e meia eu acabo lendo”. Aí já ganhou tom de dúvida. “Mas eu assino embaixo”, completou. Ora, não sou bobo de ficar comprando briga com gente do calibre verborrágico de um Dr. Rodivaldo. Simplesmente me esquivei do assunto e continuei a conversa, que passou até pela vitória espetacular do América (sim, Dr. Rodivaldo é um dos passageiros da Kombi que a torcida alvirrubra costuma lotar) sobre o cambaleante Flamengo. Mas a frase não saía de minha cabeça, ao mesmo tempo em que me lembrava de Rogério Skylab, que, numa entrevista a mim concedida, em tom crítico, atacou as bandas que, segundo ele, só fazem música para serem tocadas nas FMs. A princípio, achei a colocação (não a de Skylab, mas a outra) de uma imbecilidade colossal, mas, em seguida, procurei entender aquilo que o Dr. Rodivaldo viu na maior rede de boatos do mundo, e logo se apropriou.

Primeiro, e antes, devo esclarecer que a frase não faz o menor sentido. O que deve acontecer é exatamente o contrário: as rádios é que devem se adaptar ao mercado e ao surgimento de novos artistas. Isso considerando a falta de um mercado segmentado, ou mesmo, num mercado deste tipo, considerando as rádios do tipo genéricas, que só tocam sucessos. A função de uma rádio não é meramente comercial, mas principalmente cultural. Cabe a ela investigar a efervescência musical e cultural de um região (ou do País como um todo) e revelar isso para o público. Cabe a ela se interar do que acontece na música internacional, e trazer para este mesmo público. Repito: bandas não têm que se adaptar para serem tocadas nas rádios; estas é que devem abrir espaço para que as bandas novas sejam testadas pelo público.

O leitor de idade mais tenra pode achar que estou delirando, mas, de antemão, replico: digo isso porque já foi assim, está tudo registrado nas nossas memórias e na História. Por exemplo, lendo “Vamo Batê Lata”, biografia dos Paralamas do Sucesso, de autoria do respeitável Jamari França, notei uma interessante passagem na qual um certo diretor artístico de gravadora atravessou a Baía de Guanabara e foi até a Rádio Fluminense, em Niterói, em busca e novos artistas do rock que começava a pipocar pelo Brasil. Saiu de lá com a demotape do Paralamas debaixo do braço e logo um contrato seria assinado, dando início a uma parceria vitoriosa que dura até hoje. Era uma época em que, ao invés de a gravadora impor artistas e gêneros para tocarem nas rádios, sob a força do jabá, elas iam até as rádios saber das novidades. É assim que tem que ser, e é possível ser assim, pois já aconteceu deste jeito.

Mas eu, por boa índole e sendo um otimista de plantão, procuro entender as razões que o autor daquela pérola possa ter. Certamente, ou melhor, é fato, embora eu não o conheça, se trata de um neófito no meio musical e radiofônico (um dos males da Internet é justamente este: o despreparo), daí dar com a língua nos dentes. Com pouca idade, talvez ele só conheça o mercado musical como existe hoje: dominado pelo jabá, onde as rádios, que, é bom que se lembre, são concessões do Estado, estão a serviço do sucesso fabricado (reparem no termo “rádios de sucesso”), de inúmeras armações com as gravadoras, e só servem para enriquecer, ilicitamente, seus proprietários. Não é à toa que, a cada dia, cresce o preconceito contra artistas que, com um trabalho de razoável qualidade, têm suas músicas tocadas nas programações das FMs, e passam a ser injustamente odiadas pelo público mais “antenado”. Mas esse é um assunto para uma coluna específica.

Voltando a frase apropriada pelo Dr. Rodivaldo, caso ela entrasse em vigor, tal qual uma lei, votada, aprovada, assinada e promulgada, estaríamos todos fadados, e definitivamente, à ditadura dos artistas pré-fabricados. Mas se prestarmos atenção na programação das rádios, talvez esse procedimento, de certa forma, já exista, e aí, cabe as novas bandas um único remédio: insistir no que acredita, trabalhar e seguir em frente.

Até a próxima, e long live rock’n'roll!!!

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