Rock é Rock Mesmo

No carnaval, é o rock que não pode parar

Se depender dos eventos que aconteceram nesse ano, o rock há de se fazer representar cada fez mais forte no Carnaval. Mesmo porque a festa é profana e liberalizante, e é disso mesmo que o rock gosta! Publicado originalmente no Dynamite on line

Carnaval: “No mundo cristão medieval, período de festas profanas que (…) se iniciava, geralmente, no dia de Reis (Epifania) e se estendia até a quarta-feira de cinzas, dia em que começavam os jejuns quaresmais. Consistia em festejos populares e em manifestações sincréticas oriundas de ritos e costumes pagãos, (…) e se caracterizava pela alegria desabrida, pela eliminação da repressão e da censura, pela liberdade de atitudes críticas e eróticas”. Tá no Aurélio, e, como se vê, nada ou quase nada tem a ver com o samba. E algumas palavras e expressões nessa definição são mesmo a cara do rock: festas profanas, alegria desabrida, eliminação da repressão e da censura, liberdade de atitudes críticas e eróticas.

Nesse ano, envolvido com o cadastro de eventos na Agenda do nosso site, tive a oportunidade e conferir que além do Carnaval carioca (espelho cultural do país no exterior), e de todas as festas tradicionais que acontecem pelo país, o rock também encontrou o seu jeitinho de sobreviver sob o malfadado reinado de Momo. Desde que tento fugir da inefável atmosfera carnavalesca que domina o cotidiano de todos nesse país que também é do futebol, sempre vi muitos eventos tidos como “off carnaval”, mas a maioria deles era voltada para as discotecas ou lugares em que as pessoas iam para fazer as mesmas coisas que se fazem num carnaval, só que, eventualmente, ao som de música eletrônica e coisas do gênero.

Esse ano, Brasil afora, vi diversos eventos de rock programados, com a apresentação de bandas tocando ao vivo, além de festas rock, organizadas por gente que é do ramo. Um dos mais tradicionais é o Psycho Carnival”, de Curitiba, mas todos têm sua importância e representam uma grande passo para que aquela definição lá em cima continue valendo, mas ao som de (e porque não?) rock. Olhando o carnaval como festa popular e tentando achar o seu significado para a população, excetuando as imagens que aparecem na TV (e todos os anos elas, idênticas, se repetem como se estivéssemos parados no tempo), percebe-se que a maioria dos brasileiros gosta do Carnaval pelo simples motivo de que, durante quatro dias não é preciso trabalhar, e pode se fazer o que der na telha. Não disponho de números, mas, se tomarmos como exemplo a cidade do Rio de Janeiro, claramente se percebe que há mais gente indo embora nas rodovias de acesso à cidade do que nas passarelas do sambódromo, nos blocos de ruas, bailes de salão, ou mesmo nas margens das belas e consagradas praias, fazendo-se a soma de todos esses lugares. Em São Paulo nem se fala, o Carnaval de lá é mera caricatura daquele que acontece no Rio, e muito mais gente se manda, igualmente, para o litoral.

Povo nas ruas mesmo, ao que parece, só tem em algumas capitais e cidades do nordeste, como Recife, Salvador e Olinda, entre outras. E mesmo lá, ainda que se tenha muita gente pelas ruas, indo atrás dos trio-elétricos, tirando os turistas que vão atrás de novidades, o número dos tais foliões não chega a impressionar, se compararmos a participação do povo brasileiro em finais de campeonatos de futebol, nas ruas em comícios (como no caso da campanha pelas “Diretas Já”), ou mesmo, em eventos da grandeza de um Rock In Rio, ou um Free Jazz, por exemplo. Não quero aqui diminuir a importância da festa, mas se fosse medido pela participação popular, poderíamos concluir precipitadamente que, no Brasil, o Carnaval não está com essa bola toda.

Mas não é só isso que conta. Por trás dessa festa quase secular, há uma forte questão social e cultural que está encardida em toda a nação, e se reflete não só no Carnaval em si, mas em tudo que o cerca, como os investimentos culturais dos governos, o turismo, o comércio, e, claro, a mídia. Quem, por acaso, nos últimos dias pegou o jornal que sempre costuma ler, ou viu o noticiário de TV preferido, e comparou, um e outro, com a edição, digamos, de uma semana atrás, percebeu que muitas páginas (ou minutos) deixaram de falar dos assuntos que “eram notícia”, e passaram a dar espaço ao Carnaval. O mundo, entretanto, continuou a existir. Bush continua firme no seu ataque ao Iraque e o dólar continua sendo cotado no mundo inteiro. Pressupondo que o leitor, nesse período (quando muito) só quer ler sobre Carnaval, os editores dos nossos jornais substituem certos fatos por outros, com o objetivo de manter a satisfação, dizem eles, do leitor, além de, claro, suas próprias receitas. Ora, se até mesmo este missivista, com sua humilde “Rock é rock mesmo” está apelando para esse artifício, porque a grande mídia não o faria?

O que quero dizer, no fim das contas, é que se Portugal já dominou o mundo, e não representa nada no cenário atual, os Estados Unidos também poderão cair (já estão caindo) em desgraça. E se o Carnaval de hoje é do samba, do frevo, etc., amanhã poderá ser, também, do rock. Isso é só uma questão de tempo. Afinal, se o leitor pensar bem, só a Mangueira, uma das mais tradicionais Escolas de Samba do Rio, completou 70 anos, enquanto nosso querido rock é, ainda, um jovem cinqüentão. Tudo passa a ser, então, uma mera questão de tempo e de perseverança, características que o rock já mostrou ter de sobra.

Não poderia, entretanto, deixar de terminar a coluna de hoje sem homenagear Celly Campello, que, em apenas uns quatro ou cinco anos de carreira, foi uma das grandes e pioneiras artistas de rock no Brasil, numa época em que nem se sabia o que era rock por essas plagas, e muitos aqui sequer tinham nascido. Celi, que a seu modo defendeu também o rock no Brasil, desencarnou em pleno Carnaval, quebrando a mesmice (tal qual o próprio rock) dos noticiários carnavalescos. Vá em paz que em algum lugar Hendrix e toda a turma te esperam!

Até a próxima, e long live rock’n'roll!!!

Comentários enviados

Sem comentários nesse texto.

Deixe o seu comentário

Seu email não será divulgado