O Homem Baile

Do ramo

Garbage apresenta show de entorno bem planejado, repertório das pistas e excelente performance de Shirley Manson. Fotos: Nem Queiroz.

A vocalista e figura central do Garbage, Shirley Manson, com toda sua expressão e presença de palco

A vocalista e figura central do Garbage, Shirley Manson, com toda sua expressão e presença de palco

A melhor música da noite era para ser “Only Happy When It Rains”, até porque aquela chuvinha marota deu o ar da graça no calorão carioca. Mas no meio do caminho havia uma “Why Do You Love Me”, um petardo extraordinário que ganhou força depois do recesso da banda e que foi praticamente redescoberta nessa turnê. De refrão firme e esbaforido, posicionada adiante na concatenação do repertório, a música exige um esforço extra de Shirley Manson, que sofre horrores com a temperatura elevada de um Circo Voador lotado. Sim, estamos diante do primeiro show do Garbage no Rio de Janeiro, em uma noite daquelas para se anotar no caderninho. “Há algo de mágico de alguma maneira!”, detecta a esperta vocalista. Bem-vinda, querida.

Reduzir um espetáculo desses à performance de uma ou duas músicas, contudo, não é a decisão mais acertada. Porque além de um repertório abrangente que passa pelos seis discos, com ênfase no mais recente, o bom “Strange Little Birds”, lançado este ano, e o primeiro e mais bem sucedido, “Garbage”, de 1995, boa parte das músicas já foi consagrada em pistas de dança pelo mundo afora. E o Brasil, muito menos o Rio, não é exceção. Ou seja, o rock + eletrônica do grupo coloca todo mundo pra pular no salão quase o tempo todo. E o Garbage é uma banda de produtores, o que garante ao espetáculo toda a sorte de efeitos pré-gravados do bem que encorpam ainda mais o ótimo som da casa. E – ainda tem mais essa – quem está na mesa é o técnico de som das turnês do Foo Fighters, Bryan Worthen, e a iluminação, associada a um cenário simples, mas eficientíssimo, fornece os contornos finais à exuberante paisagem de um grande show de rock. Nem uns pequenos problemas técnicos e o recomeço de “Blood For Poppies”, encarados com naturalidade, atrapalham.

Shirley canta ao centro, com Steve Marker e Duke Erikson, ambos guitarristas e tecladistas

Shirley canta ao centro, com Steve Marker e Duke Erikson, ambos guitarristas e tecladistas

Mas não é de entorno que se faz um showzaço de rock, por isso a figura de Shirley Manson é preponderante, e não só pelos contornos bem desenhados, mas porque tem presença de palco, se movimenta o tempo todo, tem atitude, se entrega e canta pra cacete. Mais que isso, exala honestidade de quem está ali, como boa parte da plateia, pelo rock. Ou, por outra, e em uma só expressão, porque é do ramo. Daí o discurso até meio longo antes de “Bleed Like Me”, em que ela aponta revezes no meio do rock que faz pensar em não seguir em frente, o que de certo modo explica o recesso de ano e meio, interrompido, graças aos céus, em 2010. Porque, senão fosse assim, não teríamos o impacto de “Empty”, um das novas, que tem o refrão cantado no bis a plenos pulmões. Ou a soturna “Blackout”, tocada basicamente numa escuridão de dar medo, e a belíssima “Even Though Our Love Is Doomed”, que realça ainda mais o viés pós punk sempre embalsamado pela banda. Ambas funcionam ainda como um descanso para a mocinha abalada pelo calor.

Shirley ainda aparece mais porque Steve Marker e Duke Erikson, com uma guitarra cada um, são basicamente inexpressivos, muito embora desenvolvam suas capacidades com extrema destreza, até quando assumem os teclados, também um pra cada. Lá atrás, dois músicos contratados. Eric Gardner, que já tocou com Tom Morello (RATM), substitui com muita pegada e eficácia a lenda viva Butch Vig, impedido de andar de avião por seus médicos, e o baixista Eric Avery (ex-Jane’s Addiction), mais discreto impossível. Curiosamente, o início, com “Supervixen” não é dos mais agitados, e as expectativas do público só começam a se concretizar mesmo em “I Think I’m Paranoid”, quando Shirley Manson solta uma voz sem a domesticação dos álbuns. O que revela também que o set list é bem ajambrado e pouco óbvio, alinhando grandes hits de modo certeiro entre músicas menos velozes e/ou conhecidas da plateia.

Marker tocando guitarra no canto do palco e Shirley Manson soltando a voz cheia de atitude

Marker tocando guitarra no canto do palco e Shirley Manson soltando a voz cheia de atitude

Assim se explica o sorriso de felicidade de Shirley em “Special”, que se revela maior do que realmente é ao crescer muito no palco. Assim “Sex Is Not The Enemy” se converte em um misto de hit das pistas e do rock de verdade, tocado com sangue, suor e lágrimas. Assim “Vow” também chama a atenção, mas pela extraordinária adesão do público, em que pese a ausência de um neófito em Garbage ali no meio do salão. E assim “Only Happy When It Rains”, iniciada de mansinho, explode no peito como o mais emblemático hit da banda, com Marker e Erikson – aí sim – tocando pra cacete. Mas nada que supere a sensacional entrega de “Why Do You Love Me”, com riff e guitarras pesadas que são, simbolicamente, o mais que perfeito extrato de um showzaço de rock montado para ser espetáculo com todos os ingredientes que lhe são próprios. Acaba, não, 2016.

Por ser uma banda de três meninas com o um bendito fruto na bateria, associa-se o BBGG a bandas noventistas como o Hole e o L7, mas o fato é que o quarteto, ao menos nesse show de abertura, mostrou um vigor punk renovado e de certo modo contemporâneo, ainda que com referências ao grunge. Mais que isso, trata-se de uma banda de guitarras no sentido de ser fazer esporro, não de enveredar por virtuoses muitas vezes enfadonhas. Daí a urgência de músicas como “Little Red Dot” e da acelerada “My Bedin”; para se ter uma ideia, o grupo usou menos tempo que os 30 minutos a que tinha direito. Um bom advance é que as três cantam, e “It’s Not Me It’s You”, que mistura letras em inglês e em português, é outro destaque. O final é total punk rock, com Dani Buarque de joelhos em um mini duelo com Ale Labele, ambas guitarristas. Bom show.

Shirley mostra boa forma física no palco, com o baixista Eric Avery (ex-Jane's Addiction) no fundo

Shirley mostra boa forma física no palco, com o baixista Eric Avery (ex-Jane's Addiction) no fundo

Set list completo Garbage:

1- Supervixen
2- I Think I’m Paranoid
3- Stupid Girl
4- Automatic Systematic Habit
5- Blood for Poppies
6- The Trick Is to Keep Breathing
7- Sex Is Not the Enemy
8- Blackout
9- Magnetized
10- Special
11- #1 Crush
12- Even Though Our Love Is Doomed
13- Why Do You Love Me
14- Night Drive Loneliness
15- Bleed Like Me
16- Shut Your Mouth
17- Vow
18- Only Happy When It Rains
19- Push It
Bis
20- Queer
21- Empty
22- Cherry Lips (Go Baby Go!)

Urgência punk rock: as moças enguitarradas do BBGG botam pra quebrar no bom show de abertura

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