O Homem Baile

Ferocidade sônica

Com ao menos 20 anos de atraso, Fear Factory estreia no Rio com íntegra de álbum clássico e performance brutal. Fotos: Daniel Croce.

Fear Factory: o baixista Tony Campos, o vocalista Burton C. Bell e o guitarrista Dino Cazares

Fear Factory: o baixista Tony Campos, o vocalista Burton C. Bell e o guitarrista Dino Cazares

Se for para tocar a integra de um álbum clássico que faz aniversário de 20 anos, então que se toque logo todas as músicas sem boa noite, sem “oi, tudo bem?”, sem blábláblá e com o som absolutamente no talo. É o que acontece na noite desse domingão preguiçoso, véspera de feriado, em um Teatro Odisséia nervoso, no Rio. Assim, em cerca de uma horinha redonda, “Demanufacture”, o tal álbum aniversariante e suas 11 músicas é espremido para fora do palco, ali na frente de todo mundo, ao vivo e a cores para quem quiser ver, com a história passando – e de novo – na frente de cada um daqueles incautos razoavelmente escolados no assunto. Com no mínimo os mesmos 20 anos de atraso, enfim, mas não no fim, o Fear Factory está na Cidade, em carne, osso e muitos, muitos decibéis.

Aos incautos, registre-se que a banda é um dos mais sólidos pilares do metal industrial, e que “Demanufacture” se transformou no disco do gênero mais influente para o metal alternativo da época e até fora dele. E que, por não ter sido ironicamente um grande sucesso global, preserva o Fear Factory de becos sem saída no qual se enfiaram bandas como Korn e Faith No More, só para citarmos duas. Por isso nem sempre um disco com essas características é repleto de hits, muito embora quem já ouviu tudo, de cabo a rabo, e várias vezes, saiba do que se trata. E o público do Odisséia, entre vivos e mortos, é do tipo pequeno, sim, mas absolutamente “do ramo”. Dai o quarteto se sentir totalmente à vontade com o guitarrista Dino Cazares e seus quilões a mais fazendo um esforço e tanto para pronunciar, em bom português, os nomes dos agraciados pelos agradecimentos no final do show.

“Nunca tinha vindo ao Rio e nessas duas semanas estou aqui duas vezes, nem acredito!”, brada o vocalista Burton C. Bell, que esteve no Rock In Rio como convidado do Ministry (relembre). Assim como baixista Tony Campos, que toca nas duas bandas e é figura carimbada por aqui por conta das turnês do Soulfly e do Cavalera Conspiracy. C. Bell tem a voz desgastada pelo cansaço, como se vê, por exemplo, em “Body Hammer”, mas re vira bem na maior parte das músicas. Ele é pioneiro, também, nas vocalizações limpas e rasgadas na mesma música, uma constante em bandas de metal extremo nos últimos tempos que chegam a ter dois vocalistas para executar a tarefa. Parece detalhe, mas como não se sentir tocado com belezuras escondidas como “A Therapy for Pain”, nem tão bem compreendida pelo público, e “Zero Signal”?

Industrial: Dino Cazares, sua guitarra estilizada e turbinada com muitos efeitos a serviço do esporro

Industrial: Dino Cazares, sua guitarra estilizada e turbinada com muitos efeitos a serviço do esporro

Saliente-se que a sonoridade do metal industrial e do Fear Factory em particular depende substancialmente de efeitos implementados nas guitarras e na bateria mezzo acústica mezzo eletrônica. E que depois de ajustes feitos no início, em “Demanufacture” (a música), as coisas funcionam muito bem, resultando numa performance sônica brutal. Por isso “H-K (Hunter-Killer)”, em um volume extraordinariamente alto, atravessa a alma do cidadão de bem, e encaminha talvez a maior roda de dança da noite; sim, elas estavam lá. “New Breed”, recebida pela cantoria da plateia antes mesmo de começar, ressalta o aparato de efeitos de Cazares, e “Replica”, de tão influente, transparece cacos de músicas do Sepultura e Slipknot, entre outros. Assim como “Self Bias Resistor”, que de cara desencadeia um bater de cabeça por conta daquele riff distorcido pára-continua típico do que se chamava “alterna metal” há 20 anos; quem se lembra?

A despeito de lembranças de duas décadas, o Fear Factory está lançando um novo álbum, o bom “Genexus”, e dele, o grupo toca “Dieletric”, outra que se destaca pela variação vocal de Burton C. Bell, aqui, já no bis, muito boa. E o coitado ainda é amolado por um fã sem noção que clama por autógrafos na beirada do palco e só pára de encher o saco ao ser atendido. A essa altura o vocalista se empolga e, tal qual James Hetfield, solta metafisicamente a questão: “Vocês podem sentir isso?”. É hora de “Shock” e “Edgecrusher”, duas do álbum “Obsolete”, que também circulou muito por aqui, que detonam uma agitação tão maior que lá na mesa o sujeito parece dar um gás no volume do som, para um encerramento mais que perfeito com a ancestral “Martyr”. Um arremate de uma noite e tanto.

Na abertura o Marrero fez um ótimo show, que foi conquistando o público pelas beiradas, mesmo porque o som do trio pouco se assemelha ao do Fear Factory. Mas o incrível peso sabbathiano/stoner rock dos caras, imposto por uma guitarra só(!), de Estevan Sinkovitz ; os ótimos vocais do gigante Anderson Kratsch, que parece ter um pulmão de caixa d’água de mil litros embutido no peito; e a bateria amalucada de Felipe Maia garantiram o aplauso final de quem chegou mais cedo. Agora, encorpado mesmo o som do Marrero vai ficar se eles abrirem inscrições para o posto de baixista. Geezer Butler curtiria isso.

Mesmo com a voz desgastada, o quase carioca Burton C. Bell segurou bem a onda durante todo o show

Mesmo com a voz desgastada, o quase carioca Burton C. Bell segurou bem a onda durante todo o show

Set list completo Fear Factory:

1- Demanufacture
2- Self Bias Resistor
3- Zero Signal
4- Replica
5- New Breed
6- Dog Day Sunrise
7- Body Hammer
8- Flashpoint
9- H-K (Hunter-Killer)
10- Pisschrist
11- A Therapy for Pain
Bis
12- Shock
13- Edgecrusher
14- Dielectric
15- Archetype
16- Martyr

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