Imagine que o show começa com o single do disco mais recente coladinho no single do disco anterior. E que se trata de duas pedradas colantes que faz qualquer um extravasar a custa de refrães dos bons. E que o primeiro deles, não bastasse a força vocal de Sharon den Adel, tem a participação, em disco, de Tarja Turunen, a número um dos vocais femininos no metal. É noite de sábado em um Circo Voador com gente jorrando pelo ladrão e parece até o bis do show do Within Temptation. Mas era só o começo de uma noite a ser anotada no caderninho protagonizada por uma banda que cada vez mais fortalece o encontro com as massas.

As duas músicas são “Faster”, uma pérola pop de refinado polimento, e “Paradise (What About Us)”, que se não atinge tamanha perfeição, segue como reflexo da atual fase do Within Temptation. Porque o grupo já vem traçando uma reta que une pontos teoricamente insociáveis: o do mundo da boa canção, pop (no sentido bom da palavra), colante, com o do metal gótico quase erudito que remete às suas origens. E quando dá certo esse trabalho de composição, que não é para qualquer um, diga-se de passagem, o resultado é contagiante, sobretudo ao vivo. É o que acontece, também, em “What Have You Done”, que nem é uma das novas; “Dangerous”, pesada, mas chiclete; e “Covered by Roses”, incluída no bis, que parece tirada do caderninho que Lulu Santos ganhou na Califórnia.

Vê-se que o WT gosta de correr riscos, de modo que “Hydra”, o tal disco mais recente (saiba mais), tem quatro das 10 músicas com participações nos vocais, justamente o carro-chefe da banda, a custa da emblemática Sharon. E quem arrisca nem sempre petisca. Porque o artifício de promover um dueto ao vivo com os convidados no telão não chega a ser uma ideia brilhante. É de um mau gosto latente que, contudo, não tira o impacto do show. Ainda no quesito correr riscos, o Within Temptation tem gravado covers de artistas ligados ao pop (agora no sentido ruim da palavra), e a inclusão de “Summertime Sadness”, de Lana Del Rey na noite, com uma deliciosa derrapagem vocal, curiosamente cai muito bem. A música, convertida em uma espécie de metal de boate, faz par com a já citada “Covered By Roses”, como se ambas tivessem o mesmo pedigree.

É importante ressaltar, no entanto, que a dona da festa é mesmo Sharon den Adel, que sobe no palco ligada em 440 volts e assim segue até nas partes mais climáticas da apresentação; são poucas, aliás. Sharon não enrola, não pede oxigênio e parece cantar sempre no limite de sua voz, se esgoelando numa entrega impressionante. Já em “Faster” mostra a emoção de estar no palco com expressão de choro, e se derrete ao provocar o público quanto a intensidade e paixão dos brasileiros. Ao mesmo tempo, parece se adequar a cada show a um novo modo de interpretar músicas de fases mais recentes, ao passo que não comete deslize algum em canções de períodos remotos, mantendo uma impressionante variação vocal, como em “Angel”, coisa mais linda, e na belíssima “Ice Queen”. A música acabou fechando a noite, já que o sexteto limou “Stairway to the Skies”, que vem sendo tocada na turnê, de última hora.

O público é do tipo emburrecido pela tecnologia que abre mão do show em tempo real para registrar imagens inúteis, mas também sabe se divertir. Lança balões no início do bis; aplaude o discurso de Sharon a favor da tolerância antes de “Stand My Ground”; não poupa a voz em músicas de início cantarolável como “Mother Earth” e a porrada “In The Middle Of The Night”; e cai no pula-pula ao comando da carismática e imparável vocalista. Em “Angels”, Sharon, que chegar a usar máscara e bailar com um manto em “The Promise”, é literalmente coroada pela plateia, e chove papel picado em “Edge Of The World”, numa correspondência ídolo/fã que engrandece a noite. No fim das contas, é assim mesmo que um show de rock deve ser: toma lá, dá cá.

Set list completo

1- Paradise (What About Us?)
2- Faster
3- Let Us Burn
4- In the Middle of the Night
5- Edge of the World
6- Jillian (I’d Give My Heart)
7- Stand My Ground
8- Summertime Sadness
9- And We Run
10- The Promise
11- Dangerous
12- Angels
13- Sinéad
14- Hand of Sorrow
15- What Have You Done
16- Silver Moonlight
17- Mother Earth
Bis
18- Covered By Roses
19- Ice Queen

Veja também: como foi o show do Within Temptation no Circo Voador em 2012

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