A despedida
Queria ser levado pela sombra do luar, numa repentina trilha sonora que incluía até o multi-instrumentista Mike Oldfield em seus melhores tempos.
A imagem da amada partindo dentro do ônibus cheio cortou o coração daquele homem de meia idade. Não era para ser assim. Não foi assim que ele a conhecera. A mulher de deslumbrante aparência o conquistara, entre outras coisas, por uma postura que, na visão dele, ainda moço, era superior, acima daquilo que experimentara, e não só pelos esbeltos saltos altos. Era a imponência feminina que tanto buscara desde a adolescência, mas só encontrava naquela remoçada senhora um pouco mais vivida que ele. Fora dela também copiloto de muitas aventuras, de modo que aquela cena era mesmo de cortar o coração.
Pensou em resgatá-la simbolicamente em um vertiplano, como na canção romântica do Carbona, para acabar com aquela distância. A demora do motorista em arrancar o motor lhe causava pensamentos terríveis e ideias de planos infalíveis, mas, ao mesmo tempo, inexequíveis. Seria preciso alinhavar muitas situações de uma época que já havia passado, mas que, naquele reencontro seis anos mais tarde, parecia perene. Chegou a sugerir, até, o uso da tecla pause, como no pueril “Click”, como fazia Adam Sandler, mas, além da óbvia impossibilidade prática, as consequências poderiam ser desastrosas como as do filme.
Queria ser levado pela sombra do luar, numa repentina trilha sonora que marcava aquele verdadeiro vácuo do tempo e incluía até o multi-instrumentista Mike Oldfield em seus melhores tempos. O dia de inverno ameno de fato passara rápido demais, como tudo que vinha acontecendo em sua vida desde que a idade começou a pesar. Vivia certa crise de não se sabe quantos anos cuja solução poderia estar em um convívio social no qual jamais se sentira à vontade. Mas seria um antídoto para o sujeito que passara a vida se virando como roteirista de folhetim barato e na montagem de sites para artistas underground. Precisava reagir.
Por isso venceu o medo e a ansiedade e aceitou aquele reencontro súbito que durou um dia inteiro, mas parecia ter acabado em cinco minutos. E o desfecho era a hipnose ante aquela cena da partida em inédito formato. Sempre fora adepto, como Marcelo D2, da procura da situação perfeita, mas às vezes não se dava conta de já tê-la encontrado, antes que tivesse fim. Só depois, quando então caía em si, via a fuga das oportunidades. Essa cegueira sentimental fazia parte da tal crise e não fora o acaso que determinara que uma música do álbum “Crises”, o renascido vinil de capa em tons de verde, lhe viesse à cabeça.
Naqueles cinco minutos, teve desespero, sentiu ódio de terceiros e uma grande sensação de incapacidade típica dos tempos modernos. Chegou a olhar de cara feia para que o condutor passasse a primeira e arrancasse com aquele veículo dali. Em vão. Percebeu então que vivia a cena dramática que jamais havia escrito para os atores de segundo escalão que interpretavam suas cenas clichês. Nem o entardecer da Cidade Maravilhosa encerrou a melancolia daquela insólita despedida. Quando se deu conta, caminhava sem rumo enquanto no céu uma estrela estava brilhando em uma noite prateada. Como determinara a já indesejada trilha sonora de Mike Oldfield.
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