O Homem Baile

Máquina do tempo

Guitarrista revelado no Scorpions, Uli Jon Roth leva plateia a uma viagem aos álbuns mais obscuros do grupo alemão; show tem ênfase na sonoridade setentista. Fotos: Luciano Oliveira.

Uli Jon Roth traz de volta a sonoridade hard rock que pavimentou a música pesada nos anos 1970

Uli Jon Roth traz de volta a sonoridade hard rock que pavimentou a música pesada nos anos 1970

Imagine uma turnê em que o Scorpions deixasse de lado todos os seus grandes hits para tocar apenas músicas dos discos mais obscuros do início de carreira. É o que acontece quando o guitarrista Uli Jon Roth, que gravou quatro álbuns de estúdio e um ao vivo com a banda entre 1974 e 1978, faz com esta bem intitulada “Scorpions 40th Anniversary Tour”. Embora de longe possa parecer uma banda cover dos tempos do início de carreira do Scorpions – o que já seria algo fantástico -, cabe a Uli dar o tom de “eu estava lá” e comandar uma noite calcada em uma sonoridade, uma estética, uma linguagem que ajudou a pavimentar as bases do hard rock setentista. O show passou pelo Rio na terça passada (25/2), em um Teatro Rival à meia bomba, com um público de cerca de 300 pessoas, se muito.

A banda de Roth é do tipo que sobe no palco e num simples esbarrar com a mão nas cordas da guitarra para ver se está tudo ligado sai aquele somzão que parece que ninguém aqui no Brasil consegue tirar. São duas guitarras, sendo que Niklas Turmann canta na maior parte do tempo, e Uli Jon Roth nas músicas em que ele gravou os vocais com o Scorpions e nas de Jimi Hendrix. Sim, eis a surpresa do bis de um show que durou pouco mais de duas horas. Além de bom guitarrista que desafia e é desafiado por Roth em várias músicas, Turmann tem a virtude de cantar parecido com Klaus Mine em início de carreira, embora use um agudo forçado, identificado com o hard rock oitentista, quase o tempo todo. Por isso há quem defenda Uli no vocal, mas isso – acreditem - é só um detalhe.

Uli Jon Roth junto com Niklas Turmann, que exerce dupla função com vocal agudo e guitarra de primeira

Uli Jon Roth junto com Niklas Turmann, que exerce dupla função com vocal agudo e guitarra de primeira

Porque o que conta mesmo é que se tem no palco, ao vivo, a reprodução fiel de uma sonoridade criada e consagrada há 40 anos. Quando Niklas Turmann canta o refrão pungente de “I’ve Got To Be Free”, que nasce de um hard rock de raiz colante, o público não se faz de rogado e o acompanha no instinto. Antes, “Fly to the Rainbow”, faixa que dá título ao disco do Scorpions em que Uli Jon Roth estreia, todos já pulavam e cantarolavam cada nota. Havia pouca gente ali na frente do palco, mas a abordagem “privê” garantiu grandes momentos durante a noite. Como acontece em “Sun In My Hand”, que nasce numa base blues e se converte rapidamente num blues heavy rock daqueles que só os anos 70 poderiam parir em cima de um palco. A conexão com o Whitesnake em início de carreira é estreita.

Uli Jon Roth tem técnica apurada e, se preciso, debulha uma guitarra como poucos. Mas essa não é a dele. Para Uli, a criação de riffs e o enfileiramento de melodias que se desdobram em solos melódicos é o que interessa. Não é exagero afirmar que ele – e o Scorpions – também beberam na fonte da dupla de guitarras do Wishbone Ash, assim como outras bandas do período, como o Thin Lizzy, só para ficarmos com um exemplo. Por isso, quando Turmann deixa o microfone de lado e desanda a solar com Uli, aí é que a coisa pega. É o que acontece em “We’ll Burn the Sky”, que começa como quem não quer nada até desaguar em solos sobre solos; no desfecho da já citada “Sun In My Hand”; e em “Top Of The Bill”, espécie de protótipo do rock de arena que se firmaria nas décadas seguintes.

Como guitarrista, à direita, Niklas Turmann faz boa dupla com Uli Jon Roth, em duelos espetaculares

Como guitarrista, à direita, Niklas Turmann faz boa dupla com Uli Jon Roth, em duelos espetaculares

Não por acaso a versão, digamos, original de “The Sails of Charon”, que ficou conhecida em tempos mais recentes pela regravação de Yngwie Malmsteen, no álbum “Inspiration”, de 1996(!) é clara representante da tal linguagem cravada na década de 1970. No bis, sai Scorpions e entra Jimi Hendrix, numa versão bem pessoal para “All Along The Watchtower” criada por Roth – a música é de Bob Dylan, embora consagrada por Hendrix. Os dois guitarristas e o baixista cheio de pose Ule W. Ritgen tocando à frente do palco formam uma imagem que não vai sair das cabeças que quem esteve no Rival. Mas é no solo de “Little Wing”, com introdução de “If 6 Was 9”, que Uli Jon Roth faz a guitarra gemer com só se fazia há 40 anos. Nesse contexto, a subida das escadas do Velho Teatro parecia a volta de uma extraordinária viagem pelo tempo. E que viagem.

Set list incompleto:

1- All Night Long
2- Longing for Fire
3- Catch Your Train
4- Crying Days
5- The Sails of Charon
6- Sun in My Hand
7- We’ll Burn the Sky
8- In Trance
9- Fly to the Rainbow
10- I’ve Got To Be Free
11-
12- Top of the Bill
13- Pictured Life
14-
15- Dark Lady
Bis
16- All Along The Watchtower
17- If 6 Was 9/Little Wing
18- Atlantis

Tags desse texto:

Comentário

Seja o primeiro a comentar!

Deixe o seu comentário

Seu email não será divulgado