O Homem Baile

Atormentada

Lana Del Rey reúne público juvenil e histérico que não condiz com o clima denso do seu repertório peculiar. Fotos: Luciano Oliveira.

Lana Del Rey canta para uma multidão enlouquecida no encerramento da turnê pelo Brasil, no Rio

Lana Del Rey canta para uma multidão enlouquecida no encerramento da turnê pelo Brasil, no Rio

Um domingão ensolarado daqueles e o clima na gigantesca fila de espera para o show de Lana Del Rey, ontem, no Rio, era de piquenique com a família. Diferentemente do show do Planeta Terra, em que menores de 16 anos não podiam entrar nem acompanhados, no Citibank Hall a garotada teve autorização e se fez presente com toda a histeria característica de quem provavelmente estava indo ao primeiro show em todos os tempos. Em cerca de uma hora e meia, Lana canta, interage, distribui bitocas, se sente mal, se emociona. E parece que gosta de tudo isso.

O intrigante é o porquê de as coisas serem assim. O som praticado pela cantora não é nada pop, não sugere imbecilização coletiva, tampouco é oco como o da grande maioria das cantoras pop do mercado contemporâneo, cujos nomes dão asco só de lembrar. Ao contrário, suas músicas são, na maior parte do tempo, densas, sombrias e com letras que expõem mazelas do fundo de uma alma atormentada por angústias bem distantes da mediocridade pop de fácil consumo e subsequente descarte. Esteticamente, Lana Del Rey flerta com o pós punk de Siouxsie And The Banshees e por vezes fala como um Morrissey de saias de sua geração. Não por acaso “National Anthem”, a música que fecha o show, tem a grandiloquência decalcada de “Bitter Sweet Symphony”, do The Verve. Antes de fazer cara feia, é um dever reconhecer o óbvio.

Entre o guitarrista e o tecladista de apoio, a cantora se agacha e se aproxima ainda mais da plateia

Entre o guitarrista e o tecladista de apoio, a cantora se agacha e se aproxima ainda mais da plateia

Para apresentação, etérea e climática, a paradona Lana tem na banda um delicado quarteto de cordas feminino – todas loiras, para evitar a concorrência -, um baterista que passa a maior parte do tempo seguindo os climas criados pelo tecladista que comanda os arranjos, e um guitarrista cuja virtude maior é ser discreto. O resto é com a voz de Lana, espécie de contralto permissível a inflexões que ela sabe usar muito bem. Foi, naturalmente, bem preparada para isso, e, ao vivo, não deixa a peteca cair: na triste (já no título) “Summertime Sadness”, repete com firmeza o alcance mostrado na gravação do álbum, e isso na parte final da noite; e, em “Blue Jeans”, encontra na suavidade um interessante contraponto com ela própria. É uma pena que a cantoria maciça e de tom agudo da plateia interfira no show, mas como calar o fã que quer cantar junto com seu ídolo?

A idolatria é, entretanto, o pior da apresentação. Já na terceira música, Lana desce no fosso que separa o palco do público e transforma o show em “noite de autógrafos”, privilegiando alguns em detrimento da maioria. No final, repete a dose enquanto a banda manda uma jam extra na já citada “National Anthem”. Mas aí, a título de encerramento em grande estilo, vale à pena. Quando volta dessas turnês no fosso, a cantora mostra emoção e lágrimas nos olhos; não soa falso. Assim como verdadeiro é o pedido para ir ao camarim – fazer sabe-se lá o que - bem no meio da sombria “Dark Paradise”, que é interrompida e reiniciada, na íntegra, três minutos depois. Na volta, a cantora diz que deixou os cigarros no backstage. Ou teria ido se aliviar? Preocupante é a histeria do público, quando idolatra mais (e exageradamente) o artista do que a arte que ele produz.

Lana Del Rey caminha e levanta a saia de cós alto, contribuindo para a histeria generalizada do povão

Lana Del Rey caminha e levanta a saia de cós alto, contribuindo para a histeria generalizada do povão

Lana Del Rey, à sua maneira, contribui para este cenário. Arranca suspiro quando levanta um pouco a saia de cós alto para mostrar mais as pernas; se esfrega, de costas, no pedestal do microfone; e agarra-se com o guitarrista para dar uma acalorada ajuda ao solo do pobre sujeito. Talvez nem ela saiba que o bom nisso tudo, o que fica de verdade, são as músicas e a tensa e por vezes dramática interpretação que cede a elas. O clímax da apresentação é mesmo em “Ride”, quando o vídeo de mais de 10 minutos da música é mesclado com as partes ao vivo, em que pese o telão ter uma definição inferior de lembrar os tempos do “reticulado”. A música por si só é quase uma peça progressiva moderna, salpicada por efeitos eletrônicos do bem que não subtraem o mais importante – de novo – a interpretação dramática calcada em certeiras inflexões vocais. Em “Video Games”, Lana diz que muitos brasileiros gostaram da música antes de ela virar hit, desafiando outra vez o decibelímetro da casa.

O repertório, embora seja basicamente o mesmo dos shows de Belo Horizonte (veja aqui) e do Planeta Terra (e aqui), parece ter a ordem das músicas escolhidas na hora. A rigor, tanto faz: o público delira de qualquer jeito a cada título escolhido. No frigir dos ovos a impressão que fica é que é necessário que Lana Del Rey não deixe sua carreira se esvair pela idolatria estéril e que o público se apegue mais à música do que ao seu entorno. Como aconteceu, aliás, na abertura, com o brasileiro Silva. Correndo o risco de ser vaiado pela massa histérica, ele conseguiu arrancar aplausos, mostrando um repertório peculiar que, de certo modo, se parece com o de Lana Del Rey. Ou seja, nem tudo está realmente perdido.

As belas loiras do delicado quarteto de cordas não competem com a 'chefa' Lana Del Rey, à direita

As belas loiras do delicado quarteto de cordas não competem com a 'chefa' Lana Del Rey, à direita

Set list completo:

1- Cola
2- Body Electric
3- Blue Jeans
4- Born to Die
5- Dark Paradise
6- Young and Beautiful
7- Carmen
8- Without You/Knockin’ on Heaven’s Door
9- Ride
10- Summertime Sadness
11- Off To The Races
12- Video Games
13- National Anthem

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Comentários enviados

Existem 2 comentários nesse texto.
  1. Lucia em novembro 11, 2013 às 18:36
    #1

    Lana Del Rey é rock???? :O

  2. Rachel em novembro 12, 2013 às 8:32
    #2

    Talvez a histeria juvenil esteja relacionada com a decepção que tiveram com Bieber. Estou torcendo para que eu tenha razão! :D

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