Atormentada
Lana Del Rey reúne público juvenil e histérico que não condiz com o clima denso do seu repertório peculiar. Fotos: Luciano Oliveira.
O intrigante é o porquê de as coisas serem assim. O som praticado pela cantora não é nada pop, não sugere imbecilização coletiva, tampouco é oco como o da grande maioria das cantoras pop do mercado contemporâneo, cujos nomes dão asco só de lembrar. Ao contrário, suas músicas são, na maior parte do tempo, densas, sombrias e com letras que expõem mazelas do fundo de uma alma atormentada por angústias bem distantes da mediocridade pop de fácil consumo e subsequente descarte. Esteticamente, Lana Del Rey flerta com o pós punk de Siouxsie And The Banshees e por vezes fala como um Morrissey de saias de sua geração. Não por acaso “National Anthem”, a música que fecha o show, tem a grandiloquência decalcada de “Bitter Sweet Symphony”, do The Verve. Antes de fazer cara feia, é um dever reconhecer o óbvio.
Para apresentação, etérea e climática, a paradona Lana tem na banda um delicado quarteto de cordas feminino – todas loiras, para evitar a concorrência -, um baterista que passa a maior parte do tempo seguindo os climas criados pelo tecladista que comanda os arranjos, e um guitarrista cuja virtude maior é ser discreto. O resto é com a voz de Lana, espécie de contralto permissível a inflexões que ela sabe usar muito bem. Foi, naturalmente, bem preparada para isso, e, ao vivo, não deixa a peteca cair: na triste (já no título) “Summertime Sadness”, repete com firmeza o alcance mostrado na gravação do álbum, e isso na parte final da noite; e, em “Blue Jeans”, encontra na suavidade um interessante contraponto com ela própria. É uma pena que a cantoria maciça e de tom agudo da plateia interfira no show, mas como calar o fã que quer cantar junto com seu ídolo?A idolatria é, entretanto, o pior da apresentação. Já na terceira música, Lana desce no fosso que separa o palco do público e transforma o show em “noite de autógrafos”, privilegiando alguns em detrimento da maioria. No final, repete a dose enquanto a banda manda uma jam extra na já citada “National Anthem”. Mas aí, a título de encerramento em grande estilo, vale à pena. Quando volta dessas turnês no fosso, a cantora mostra emoção e lágrimas nos olhos; não soa falso. Assim como verdadeiro é o pedido para ir ao camarim – fazer sabe-se lá o que - bem no meio da sombria “Dark Paradise”, que é interrompida e reiniciada, na íntegra, três minutos depois. Na volta, a cantora diz que deixou os cigarros no backstage. Ou teria ido se aliviar? Preocupante é a histeria do público, quando idolatra mais (e exageradamente) o artista do que a arte que ele produz.
Lana Del Rey, à sua maneira, contribui para este cenário. Arranca suspiro quando levanta um pouco a saia de cós alto para mostrar mais as pernas; se esfrega, de costas, no pedestal do microfone; e agarra-se com o guitarrista para dar uma acalorada ajuda ao solo do pobre sujeito. Talvez nem ela saiba que o bom nisso tudo, o que fica de verdade, são as músicas e a tensa e por vezes dramática interpretação que cede a elas. O clímax da apresentação é mesmo em “Ride”, quando o vídeo de mais de 10 minutos da música é mesclado com as partes ao vivo, em que pese o telão ter uma definição inferior de lembrar os tempos do “reticulado”. A música por si só é quase uma peça progressiva moderna, salpicada por efeitos eletrônicos do bem que não subtraem o mais importante – de novo – a interpretação dramática calcada em certeiras inflexões vocais. Em “Video Games”, Lana diz que muitos brasileiros gostaram da música antes de ela virar hit, desafiando outra vez o decibelímetro da casa.O repertório, embora seja basicamente o mesmo dos shows de Belo Horizonte (veja aqui) e do Planeta Terra (e aqui), parece ter a ordem das músicas escolhidas na hora. A rigor, tanto faz: o público delira de qualquer jeito a cada título escolhido. No frigir dos ovos a impressão que fica é que é necessário que Lana Del Rey não deixe sua carreira se esvair pela idolatria estéril e que o público se apegue mais à música do que ao seu entorno. Como aconteceu, aliás, na abertura, com o brasileiro Silva. Correndo o risco de ser vaiado pela massa histérica, ele conseguiu arrancar aplausos, mostrando um repertório peculiar que, de certo modo, se parece com o de Lana Del Rey. Ou seja, nem tudo está realmente perdido.
Set list completo:1- Cola
2- Body Electric
3- Blue Jeans
4- Born to Die
5- Dark Paradise
6- Young and Beautiful
7- Carmen
8- Without You/Knockin’ on Heaven’s Door
9- Ride
10- Summertime Sadness
11- Off To The Races
12- Video Games
13- National Anthem
Tags desse texto: Lana Del Rey, Planeta Terra
Lana Del Rey é rock???? :O
Talvez a histeria juvenil esteja relacionada com a decepção que tiveram com Bieber. Estou torcendo para que eu tenha razão! :D