O espírito
Em show com quase três horas de duração e muitas facetas, Bruce Springsteen surpreende e toca a íntegra do álbum “Born In The USA” no Rock In Rio. Fotos: Léo Corrêa.
O curioso é que Bruce encontrou pela frente o menor público de todo o festival, mas, em contrapartida, o mais interessado e ciente do que estava por presenciar. Quem ficou ali no início da madrugada sabia muito bem o porquê. Tal qual um pastor gospel do rock americano, Bruce Springsteen quer saber se o público está sentido a vibe rock da apresentação, já na quarta música, “Spirit In The Night”, falando em um português lido do monitor de led. O show começa com incomum interatividade real, com o músico indo até o meio do povão através do fosso, para subir na grade e se fazer “um a mais na multidão”. Em “Dancing In The Dark”, Bruce escolhe a dedo alguns fãs que vão ao palco dançar e cantar com ele, convertendo o nefasto encontro pago que hoje artistas promovem numa inesperada e aleatória realização de fã.
O reconhecimento por parte do público é imediato. Enquanto em muitos shows da maratona dessas duas semanas vimos artistas puxando palmas e coros diversos, aqui é a plateia que toma a iniciativa de cantar um caloroso “Olê, olê, olê, olê… Brucê, Brucê!”, na mesma “Dancing In The Dark”. Ou seja, é música e o rock quem comanda, sem blábláblá. Reparem que Bruce é um tipo de trabalhador da indústria americana, um sujeito bronco com as mangas arregaçadas que mergulha a cara num coxo de água para se refrescar e escarra ao vivo para todo o mundo ver. Mas tem carisma e um coração de ouro que se apóia na força das canções para se comunicar com a multidão. Não precisa muito para isso quando se é o cara e se sabe disso. Dá para perceber?Em tese, o show faz parte da turnê do álbum mais recente, “Wrecking Ball”, lançado no ano passado, mas só duas músicas dele caem no repertório que totaliza 26 números em duas horas e quarenta de show: “Shackled and Drawn” e “Death to My Hometown”, que se encaixam no set como se fossem clássicos nascidos há 10 mil anos atrás sob as bênçãos de Raul. Na primeira, o clima rock religioso volta ao show com a excelência vocal de Michelle Moore e o verso que contém o título cantado em tom de oração. Termina com toda a banda dançando salientemente na beirada do palco. Na segunda, ainda no iniciozinho da noite, a E Street Band assume uma instrumentação folk sem cair na tentação ralé do indie de quermesse. Seria Bruce Springsteen o propulsor da nefasta tendência?
Há quem reclame que, ao tocar a íntegra de um único disco, sem nunca ter vindo ao Rio, Bruce esteja privando a plateia de ouvir outros hits de sua careira, como “Because The Night”, por exemplo, mas o show mostra que “Born In The USA” não é um disco de um sucesso só. Além da faixa-título, no mínimo a trinca “I’m Goin’ Down”, “Glory Days” e “Dancing in the Dark” cumpre perfeitamente a missão de satisfazer o público. Outros destaques são “Waitin’ on a Sunny Day”, quando Bruce “descobre” um garotinho para cantar um trecho no microfone em plena grade; “Land of Hope and Dreams”, que traz versos do clássico “People Get Ready”; e “Twist And Shout”, sim, a dos Beatles, que encerra o show como havia começado, com a recriação de um clássico do rock. No meio da música, a tradicional salva de fogos de encerramento do festival é acionada antes da hora, o que só deixa Bruce mais animado, mandando os músicos para a beirada do palco para também ver o espetáculo.As performances individuais dos integrantes da E Street Band são avassaladoras, com um realce especial para o solo linguodental do guitarrista Nils Lofgren em “Cover Me”; o onipresente Jake Clemons, que ocupa o posto deixado pelo tio no saxofone; o figuraça Steven Van Zandt, braço direito de Bruce; e o rodado batera Max Weinberg, que manda um solo já em “Born In The USA”. Mas é na força do coletivo e no comando carismático de Bruce Springsteen que reside a magia do espetáculo. Para participar, não é preciso ser um iniciado, conhecer todos os discos e a história de quem está no palco. Basta chegar, receber e se deixar envolver pelo espírito vivo do rock. Sabe aquilo tudo que sempre te disseram sobre um show de Bruce Springsteen? É aquilo tudo mesmo e muito mais. Só que você só vai entender quando for a um. Então não demore.
Set list completo:1- Sociedade Alternativa
2- Badlands
3- Death to My Hometown
4- Spirit in the Night
5- Hungry Heart
6- Born in the U.S.A.
7- Cover Me
8- Darlington County
9- Working on the Highway
10- Downbound Train
11- I’m on Fire
12- No Surrender
13- Bobby Jean
14- I’m Goin’ Down
15- Glory Days
16- Dancing in the Dark
17- My Hometown
18- Shackled and Drawn
19- Waitin’ on a Sunny Day
20- The Rising
21- Land of Hope and Dreams
22- Thunder Road
23- Born to Run
24- Tenth Avenue Freeze-Out
25- Twist and Shout
Bis
26- This Hard Land
Tags desse texto: Bruce Springsteen, Rock In Rio
O show estava fantástico e a tua resenha está muito boa. O disco “Born In The USA” é o meu preferido do Bruce, então foi incrível vê-lo ser executado na íntegra. Só uma correção: o Jake Clemons é sobrinho do Clarence, não filho.
Corrigido. Obrigado.
Virei fão do Bruce no final do ano passado. Conheci o trabalho dele e tirei o ranço que tinha da época do “Born in USA” (sim, naquela época não sabia nada sobre ele e achava super chato aquele cara cantando “born in USA”). O que me fez querer conhecer o trabalho do Bruce foi a fantástica “Wrecking Ball”. De cara, virei fã. Me aprofundei então no trabalho dele e amei todos os demais álbuns. O “Born in USA” para mim continuou sendo o mais fraco. Infelizmente, a surpresa que ele anunciou, para mim não foi tão boa. Claro que foi um show magnífico, mas para mim, poderia ter sido muito melhor. Poxa, como não tocar “Wrecking ball”? O nome da tour! Achei que iria ouvir “Out in the Street”, “Darkness on the Edge of Town”, “Wrecking Ball” (óbvio), “Atlantic City”, “Promised Land” e tantas outras. Poxa, queimar uma hora de show com um álbum. Bom, de qualquer forma, valeu.
Perfeita!
Resenha de quem viu o mesmo show que nós.
O Medina acertou em cheio, por isso o cara faz e tem a grana que tem.
Menor público para o melhor show.
Os privilegiados!
Vimos a história escrita na nossa frente.
Pena não ter visto o Queen em 1985.
Que venha 2015!
E que nos traga Eric Clapton e Joe Bonamassa.
Já fizeram a história do RIR, a Rainha e o Chefe, falta somente Deus e seu apóstolo!
The Queen em 1985!
The Boss em 2013!
God em 2015!