O Homem Baile

O espírito

Em show com quase três horas de duração e muitas facetas, Bruce Springsteen surpreende e toca a íntegra do álbum “Born In The USA” no Rock In Rio. Fotos: Léo Corrêa.

Bruce Springsteen toca a guitarra surrada na parte de baixo do palco: quanto mais perto, melhor

Bruce Springsteen toca a guitarra surrada na parte de baixo do palco: quanto mais perto, melhor

Se começar o show tocando música de Raul Seixas, como aconteceu em São Paulo, não era mais novidade e havia limite de horário, Bruce Springsteen teve que tirar outro coelho da cartola na noite deste sábado (21/9), no Rock In Rio. Ousado, depois de cinco músicas, anunciou em bom português que ele e os 16 asseclas da E Street Band iriam tocar a íntegra de “Born In The USA”, seu sétimo e mais bem sucedido álbum. E isso numa cidade onde ele nunca tinha se apresentado e depois de ficar 25 anos sem vir ao Brasil, exceção feita ao tal show de quarta. Sem querer, mas querendo, Bruce Springsteen escrevia mais uma bela página da história do rock, e bem diante dos nossos olhos.

O curioso é que Bruce encontrou pela frente o menor público de todo o festival, mas, em contrapartida, o mais interessado e ciente do que estava por presenciar. Quem ficou ali no início da madrugada sabia muito bem o porquê. Tal qual um pastor gospel do rock americano, Bruce Springsteen quer saber se o público está sentido a vibe rock da apresentação, já na quarta música, “Spirit In The Night”, falando em um português lido do monitor de led. O show começa com incomum interatividade real, com o músico indo até o meio do povão através do fosso, para subir na grade e se fazer “um a mais na multidão”. Em “Dancing In The Dark”, Bruce escolhe a dedo alguns fãs que vão ao palco dançar e cantar com ele, convertendo o nefasto encontro pago que hoje artistas promovem numa inesperada e aleatória realização de fã.

Interatividade, sim, mas só que real: Bruce passeando no meio do fosso que divide a plateia

Interatividade, sim, mas só que real: Bruce passeando no meio do fosso que divide a plateia

O reconhecimento por parte do público é imediato. Enquanto em muitos shows da maratona dessas duas semanas vimos artistas puxando palmas e coros diversos, aqui é a plateia que toma a iniciativa de cantar um caloroso “Olê, olê, olê, olê… Brucê, Brucê!”, na mesma “Dancing In The Dark”. Ou seja, é música e o rock quem comanda, sem blábláblá. Reparem que Bruce é um tipo de trabalhador da indústria americana, um sujeito bronco com as mangas arregaçadas que mergulha a cara num coxo de água para se refrescar e escarra ao vivo para todo o mundo ver. Mas tem carisma e um coração de ouro que se apóia na força das canções para se comunicar com a multidão. Não precisa muito para isso quando se é o cara e se sabe disso. Dá para perceber?

Em tese, o show faz parte da turnê do álbum mais recente, “Wrecking Ball”, lançado no ano passado, mas só duas músicas dele caem no repertório que totaliza 26 números em duas horas e quarenta de show: “Shackled and Drawn” e “Death to My Hometown”, que se encaixam no set como se fossem clássicos nascidos há 10 mil anos atrás sob as bênçãos de Raul. Na primeira, o clima rock religioso volta ao show com a excelência vocal de Michelle Moore e o verso que contém o título cantado em tom de oração. Termina com toda a banda dançando salientemente na beirada do palco. Na segunda, ainda no iniciozinho da noite, a E Street Band assume uma instrumentação folk sem cair na tentação ralé do indie de quermesse. Seria Bruce Springsteen o propulsor da nefasta tendência?

Paisagem geral do Palco Mundo com Bruce Springsteen e a E Street Banda se divertindo com o público

Paisagem geral do Palco Mundo com Bruce Springsteen e a E Street Banda se divertindo com o público

Há quem reclame que, ao tocar a íntegra de um único disco, sem nunca ter vindo ao Rio, Bruce esteja privando a plateia de ouvir outros hits de sua careira, como “Because The Night”, por exemplo, mas o show mostra que “Born In The USA” não é um disco de um sucesso só. Além da faixa-título, no mínimo a trinca “I’m Goin’ Down”, “Glory Days” e “Dancing in the Dark” cumpre perfeitamente a missão de satisfazer o público. Outros destaques são “Waitin’ on a Sunny Day”, quando Bruce “descobre” um garotinho para cantar um trecho no microfone em plena grade; “Land of Hope and Dreams”, que traz versos do clássico “People Get Ready”; e “Twist And Shout”, sim, a dos Beatles, que encerra o show como havia começado, com a recriação de um clássico do rock. No meio da música, a tradicional salva de fogos de encerramento do festival é acionada antes da hora, o que só deixa Bruce mais animado, mandando os músicos para a beirada do palco para também ver o espetáculo.

As performances individuais dos integrantes da E Street Band são avassaladoras, com um realce especial para o solo linguodental do guitarrista Nils Lofgren em “Cover Me”; o onipresente Jake Clemons, que ocupa o posto deixado pelo tio no saxofone; o figuraça Steven Van Zandt, braço direito de Bruce; e o rodado batera Max Weinberg, que manda um solo já em “Born In The USA”. Mas é na força do coletivo e no comando carismático de Bruce Springsteen que reside a magia do espetáculo. Para participar, não é preciso ser um iniciado, conhecer todos os discos e a história de quem está no palco. Basta chegar, receber e se deixar envolver pelo espírito vivo do rock. Sabe aquilo tudo que sempre te disseram sobre um show de Bruce Springsteen? É aquilo tudo mesmo e muito mais. Só que você só vai entender quando for a um. Então não demore.

Povão: Bruce Springsteen montado na grade

Povão: Bruce Springsteen montado na grade

Set list completo:

1- Sociedade Alternativa
2- Badlands
3- Death to My Hometown
4- Spirit in the Night
5- Hungry Heart
6- Born in the U.S.A.
7- Cover Me
8- Darlington County
9- Working on the Highway
10- Downbound Train
11- I’m on Fire
12- No Surrender
13- Bobby Jean
14- I’m Goin’ Down
15- Glory Days
16- Dancing in the Dark
17- My Hometown
18- Shackled and Drawn
19- Waitin’ on a Sunny Day
20- The Rising
21- Land of Hope and Dreams
22- Thunder Road
23- Born to Run
24- Tenth Avenue Freeze-Out
25- Twist and Shout
Bis
26- This Hard Land

Tags desse texto: ,

Comentários enviados

Existem 4 comentários nesse texto.
  1. Márcio Mello em setembro 22, 2013 às 17:27
    #1

    O show estava fantástico e a tua resenha está muito boa. O disco “Born In The USA” é o meu preferido do Bruce, então foi incrível vê-lo ser executado na íntegra. Só uma correção: o Jake Clemons é sobrinho do Clarence, não filho.

  2. Marcos Bragatto em setembro 23, 2013 às 10:08
    #2

    Corrigido. Obrigado.

  3. Cris em setembro 23, 2013 às 12:30
    #3

    Virei fão do Bruce no final do ano passado. Conheci o trabalho dele e tirei o ranço que tinha da época do “Born in USA” (sim, naquela época não sabia nada sobre ele e achava super chato aquele cara cantando “born in USA”). O que me fez querer conhecer o trabalho do Bruce foi a fantástica “Wrecking Ball”. De cara, virei fã. Me aprofundei então no trabalho dele e amei todos os demais álbuns. O “Born in USA” para mim continuou sendo o mais fraco. Infelizmente, a surpresa que ele anunciou, para mim não foi tão boa. Claro que foi um show magnífico, mas para mim, poderia ter sido muito melhor. Poxa, como não tocar “Wrecking ball”? O nome da tour! Achei que iria ouvir “Out in the Street”, “Darkness on the Edge of Town”, “Wrecking Ball” (óbvio), “Atlantic City”, “Promised Land” e tantas outras. Poxa, queimar uma hora de show com um álbum. Bom, de qualquer forma, valeu.

  4. André em setembro 24, 2013 às 8:09
    #4

    Perfeita!
    Resenha de quem viu o mesmo show que nós.
    O Medina acertou em cheio, por isso o cara faz e tem a grana que tem.
    Menor público para o melhor show.
    Os privilegiados!
    Vimos a história escrita na nossa frente.
    Pena não ter visto o Queen em 1985.
    Que venha 2015!
    E que nos traga Eric Clapton e Joe Bonamassa.
    Já fizeram a história do RIR, a Rainha e o Chefe, falta somente Deus e seu apóstolo!
    The Queen em 1985!
    The Boss em 2013!
    God em 2015!

Deixe o seu comentário

Seu email não será divulgado