O Homem Baile

Sombrio

Em espetáculo insano de rock progressivo, Flaming Lips deixa passado ‘indie fofo’ para trás no Lollapalooza. Foto: Liliane Callegari/Scream & Yell.

flaminglipsÉ oficial. O líder do Flaming Lips, Wayne Coyne, pirou. Quando as luzes do Palco Cidade Jardim, o principal do Lollapalooza, se acendem, lá está ele sobre uma pequena plataforma acarinhando um bebê no colo, do qual brotam um chumaço de tripas, cabos e conduítes que forma um complexa instalação de grande apelo visual. As luzes se acendem, piscam, brilham, enquanto Coyne, impávido, permanece brincando de estátua, cantando um repertório desconhecido, calcado no rock psicodélico, progressivo e soturno, fincado lá na década de 1970. A cena, sombria, parece fazer parte de uma apresentação temática do qual o público não consegue tomar conhecimento, a não ser por pura intuição sensorial e mais nada. Esqueçam os bichinhos de pelúcia que pulavam no palco. A coisa agora ficou séria.

Coyne é coadjuvado, sobretudo, por Steven Drozd, que faz nervosamente as vezes de guitarrista, tecladista e criador de efeitos em aparelhinhos malignos que resultam numa sonzeria dos diabos. Com um look à Nick Manson nos anos 70, Drozd realça a ponte com o progressivo da época, só que de uma forma por demais sombria. Curiosamente, os demais integrantes permanecem sentados durante todo o show, que teve cerca de hora e meia de duração. Wayne Coyne, por sua vez, parece ter recém descoberto uma espécie de instinto maternal tardio, numa relação tensa com o bebê, explicitada pela música - diga-se - muitíssimo bem acoplada ao efeito visual e ao insano conjunto da obra. É, de longe, a apresentação mais inesperada e inventiva dos últimos tempos. O que não quer dizer que isso seja bom.

A reação do público, afora os gritos de The Killers salpicados aqui e acolá, é de incredulidade. Obviamente, o show não engrena, não tem hit, não dá brecha para se acompanhar uma música sequer. Coyne parece de um Marilyn Manson menos “from hell”, mas igualmente insano. Não parece mal humorado, mas completamente paranóico. Chega a confessar para a plateia o temor de que um dos aviões que cruzam o céu do Jockey Club atinja o palco em cheio, a ponto de tocar no assunto várias vezes e até alterar a letra de uma das músicas. O instrumental é pesado e barulhento, com passagens interessantes soltas no meio das músicas, verdadeiras alquimias sonoras em sintonia com vídeos igualmente explosivos no telão. Segundo consta, o grupo começou a apresentar esse indigesto repertório há pouquíssimo tempo.

Depois de passar quase todo o tempo imóvel sobre a plataforma, Wayne Coyne se joga ao chão no final do set, num simbolismo de que a morte chegou. Antes, já havia lançado o bebê de ponta cabeça ao chão, no desenvolvimento despirocante do show, como se tudo - repita-se - tivesse a ver com uma elaborada engrenagem artística. É possível entrar no clima, à custa da força instrumental e da loucura generalizada que o show produz. O difícil é permanecer no transe, já que, musicalmente, o show alterna momentos de euforia/satisfação e tristeza/depressão. Como deve ser a loucura de Coyne, Drozd e asseclas, aliás. Seguramente um show para ser revisto e assimilado aos poucos. Ou para ser duramente ignorado.

Tags desse texto: ,

Comentários enviados

Sem comentários nesse texto.

Deixe o seu comentário

Seu email não será divulgado