Fazendo História

Volta ao básico

Quinta vinda ao Brasil deve ser do bom e velho Kiss, mas há espaço para novidades. Parte da matéria de capa da Billboard Brasil 36, de novembro de 2012. Fotos: Divulgação Billboard.

kissbillboardcapaOs shows que o Kiss faz no Brasil este mês devem ser bem diferentes daqueles da turnê de abril de 2009 (veja como foi no Rio). Nesses três anos e meio, o grupo saiu da monotonia e lançou dois álbuns de músicas inéditas, apostando na capacidade de compor boas músicas e no vigor da nova formação. Presença certa no repertório é o single “Hell or Hallelujah”, que antecipou “Monster”, lançado em outubro. A música abriu cada um dos 45 shows da turnê americana, que o grupo fez junto com o Mötley Crüe, mas virou recheio nas recentes datas americanas e mexicanas. “Ainda vamos pensar nisso”, diz o baixista Gene Simmons, por telefone, direto de sua casa, em Los Angeles. “Mas adianto que uma das minhas favoritas é ‘Wall of Sound’. ‘All For The Love of Rock & Roll’ vai ser o single na Europa”, completa. A música, identificada com o southern rock e cantada pelo baterista Eric Singer, é a mais leve em um disco que não tem uma balada sequer (o que aponta que, sim, no Kiss, algumas coisas mudam).

“Monster” segue a linha de “Sonic Boom”, lançado em 2009, só que é melhor. O disco é uma coletânea de canções de alto pode explosivo, em que a fórmula riff-introdução-ponte-refrão funciona com frequência rara na produção roqueira atual. Quer dizer, fórmula, não. “Se você der uma olhada nas bandas clássicas de todos os tempos - Beatles, Stones, Jimi Hendrix -, há sempre um refrão do qual você se lembra”, explica Simmons. “O rock progressivo é interessante, mas não consigo cantar na minha cabeça quando ando na rua, não memorizo a melodia. É como dizemos em inglês: ‘não encha o saco, vá direto ao refrão’”, acredita o baixista.

Antes de “Sonic Boom”, o Kiss ficou uns 11 anos apoiado em projetos que reviam a sua obra. O guitarrista Paul Stanley chegou a dizer que não valia à pena gravar músicas novas, uma vez que os fãs só queriam ouvir as antigas. Só que o próprio Stanley lançou o bom álbum solo “Live to Win”, em 2006, repleto de músicas chicletes. Foi a deixa para ver que dava para o Kiss se re-inserir no mercado lançando material inédito. Mas será que os fãs querem ouvir as novas? “É o que parece, acho que vamos colocar o disco no topo das paradas. E temos tantas ideias que poderíamos estar em estúdio agora, gravando um novo álbum”, acredita Gene Simmons. Na verdade, “Monster” foi gravado há cerca de 10 meses e só chegou às lojas depois de fechado um -ótimo - acordo com a gravadora.

Simmons, no entanto, não admite a obsessão da banda por finalmente abocanhar uma posição no topo da parada americana, feito incrivelmente ainda inédito na carreira do Kiss - “Sonic Boom” bateu na trave, com um auspicioso segundo lugar, e “Monster” estreou em terceiro. “Não significa nada, só representa o que você vendeu em uma semana. Estamos por aí há quase 40 anos. Tem muitas bandas que chegaram ao topo e nem sequer existem hoje”, desdenha. Ou seja, quer, sim, comprar.

Outro fato motivador para a volta ao mercado dos álbuns com músicas inéditas é a consolidação da nova formação, que expulsou antigos fantasmas do passado. “Agora temos o Tommy (Thayer, guitarrista) e o Eric sem drogas, sem álcool. Eles são o sangue fresco que fez o Kiss se sentir vivo de novo”, reconhece o baixista. “Nós (ele e Paul Stanley) termos a mágica, com Tommy e Eric, de fazer grandes discos por muito tempo”, gaba-se, nada modesto. De passagem, ele dá uma cutucada nos integrantes da formação original, que andou se reunindo para projetos revivalistas. “Eu nunca fiquei chapado ou bêbado em minha vida. Paul bebe às vezes, mas não usa drogas. Tommy e Eric não usam nada. Ace (Frehley, guitarrista) e Peter (Criss, baterista, ambos da formação original) é que tinham muitos problemas com isso”, registra o prontuário médico do Dr. Simmons.

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Mas que a tal química existe, existe. Tanto que cada um dos integrantes canta em ao menos uma das músicas do álbum, resgatando a tradição do Kiss. E a composição do álbum foi definitivamente um processo coletivo. “Qualquer um que tivesse uma ideia para uma música, os outros na banda, Paul, Tommy, Eric, eu, qualquer um podia mudar, mesmo que fosse músicas minha ou do Paul”, diz Gene Simmons, ressalvando a hierarquia do quarteto. “Se todos concordam o que deve ser a alma do disco, todos ouvem as coisas do mesmo jeito. Quando algo funciona, o sorriso de um para os outros define que funcionou. A gente sabe quando ouve”, explica o baixista. Um exemplo é a música “Back to the Stone Age”, talvez a com mais “cara de Kiss” do novo álbum, que saiu no estúdio, do nada. “Estávamos prontos para gravar outra música e o Eric começou a falar sobre o MC5. Eu disse: ‘O MC5 nunca teve sucesso, as músicas deles nunca foram desenvolvidas’. E o Eric falou: ‘A energia era boa’. Então começamos a buscar essa energia, e todos começamos a fazer acordes e compusemos e gravamos essa música no mesmo dia”, conta Simmons. “Uma semana depois apareci com a letra, de outra música chamada ‘Back to the Stone Age’, coloquei nessa música e ficou bom”, completa.

A produção de “Monster” voltou a ficar por conta do experiente Greg Collins (U2, System of a Down), espécie de faz tudo em um estúdio, que já havia produzido “Sonic Boom”. Com um ajudinha, é claro, de Paul Stanley, que assume as rédeas quando o Gene Simmons homem de negócios e canastrão de reality shows não está disponível. “Eles estavam no estúdio todo santo dia. Paul e eu produzimos alguns discos do Kiss nos anos 80 e 90, mas há muita coisa rolando na minha vida agora, muitos negócios e eu não tenho como ir ao estúdio todos os dias durante três meses”, reconhece o baixista. De longe, entretanto, consentia a busca e uma sonoridade “das antigas” que incluiu a utilização de equipamentos analógicos. Simmons volta a usar uma de suas parábolas para explicar. “Na minha adolescência, o Rolling Stones era um dos meus grupos favoritos. Eles ainda estão aí, mas os discos que fizeram depois não eram tão bons quanto os antigos. Não queremos que esse novo capítulo do livro Kiss seja chato”, diz ele, soprando a corneta em cima de outro monstro sagrado do rock: “Eu adoro o Paul McCartney, mas os discos mais recentes eu não compro. Só que é o mesmo cara que compôs ‘Yesterday’, ‘Michelle’ e todas grandes músicas de todos os tempos”.

A volta ao básico também veio de uma ressaca dos tempos em que o Kiss ficou envolvido em projetos que só remexiam no passado da banda, modificando os arranjos originas com os quais as músicas foram gravadas. Nesse sentido, a sequência “Sonic Boom”/”Monster” é uma espécie de basta no procedimento. “Tentamos muitas coisas diferentes, teclados, orquestras sinfônicas, e não é nada disso”, revê Gene Simmons. “O lugar no qual nos sentimos em casa é duas guitarras, baixo e bateria”, completa. É o que explica também a tal ausência de baladas. “Quando começamos a gravar, ninguém tinha uma, então quisemos ser mais autênticos e honestos. Pensamos assim: se iniciarmos um show com “Hell or Halellujah” e tocarmos todas as músicas do disco, será um grande show de rock, porque todas têm esse feeling de ao vivo. É assim que você identifica que foi honesto”, resume. Com esse pique, a turnê de dois anos que começa pela América do Sul promete manter o Kiss como uma das melhores bandas ao vivo em todos os tempos. E com munição renovada, caso Mr. Simmons dê um espacinho para “Monster” - até o fim de outubro, só mesmo “Hell Or Hallelujah” tinha emplacado no set list.kissbillboard

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