O Homem Baile

Impecável

Plebe Rude aproveita a grife do álbum “O Concreto Já Rachou” para rever carreira em apresentação brilhante no Circo Voador. Fotos: Luciano Oliveira.

Clemente e Phillippe Seabra empunham guitarras em uma noite das mais inspiradas da Plebe Rude

Clemente e Phillippe Seabra empunham guitarras em uma noite das mais inspiradas da Plebe Rude

Não é exagero afirmar que a Plebe Rude cometeu ontem sua melhor apresentação desde que Clemente estreou, no mesmo Circo Voador, em 2004. Ou, por outra, desde a gravação do álbum ao vivo “Enquanto a Trégua Não Vem”, nos estúdios da EMI, há 13 anos. Ou, ainda, show melhor que o de ontem a caixola só vai encontrar, depois de muito vasculhar, lá pelos idos dos anos 80, quando o grupo fazia a insuperável dobradinha com o Cólera, sob a mesma lona. Aflorados, os fantasmas do rock que vivem entranhados no Circo Voador se acabavam junto com público e banda, numa noite daquelas que só mesmo o Circo pode proporcionar.

O Comendador solta uma de suas boas tiradas

O Comendador solta uma de suas boas tiradas

Não era preciso, no entanto, ter a idade avançada ou uma memória generosa para aproveitar as quase duas horas distribuídas em 22 músicas, fora as citações. Foi um show de rock daqueles que não requer qualquer conhecimento prévio de quem está sobre o palco. Não foi, decerto, um show para iniciados. Um turista casual que caísse de pára-quedas no Circo Voador na noite desta sexta ergueria o punho cerrado ou cairia na roda de pogo como uma reação dos instintos mais primais ao verdadeiro festival de rock, punk rock e pós punk que se abatia sob a lona. Coisa que só o rock faz brotar de dentro do ser humano.

Mas a Plebe, ainda por cima, tem, sim, um punhado de hits que eram conhecidos logo de cara por todos, e ainda se faz valer do repertório do Inocentes de Clemente e de outras bandas contemporâneas, incluindo até uma lembrança ao mítico Celso Blues Boy, morto este mês (leia aqui), e ao Coquetel Molotov, a primeira banda punk carioca, dentro do blockbuster “Até Quando Esperar”, já no final da noite. Não eram só os hits – como se isso fosse pouco –, entretanto, os destaques. O show da Plebe, como um todo, está redondinho. Não só pela entrosada linha de frente Philippe Seabra/Clemente; há iluminador e operador de som próprios e áudios inseridos entre as músicas que compõem muito bem. Em “Minha Renda”, por exemplo, é Chacrinha quem anuncia o grupo, numa ironia ao conceito de sucesso dos nos 80, que, segundo a letra da música, deve ser conseguido a qualquer custo.

Clemente deixa a guitarra e faz a voz do Ameba

Clemente deixa a guitarra e faz a voz do Ameba

Já que o baixista Andre X está temporariamente no exterior, o único remanescente da formação clássica da Plebe no palco é Seabra, que não se fez de rogado a chama para si a responsabilidade. Não que não fosse assim noutras oportunidades, mais o garboso vocalista/guitarrista, talvez tocado pela recente paternidade, estava em uma noite especial. No lugar das calças rasgadas no joelho e os lenços no pescoço de outras eras, usa uma camisa social, mas, inadvertidamente, desce para cantar no meio do povão em “Proteção”, causando furor. “Caso vocês não tenham percebido, essa é a Plebe Rude, não esse monte de mpb chata que tem aqui em volta”, disse Seabra, numa referência á atual cena musical da Lapa, antes de “Censura”, a terceira da noite, mostrando o cartão de visitas. Outras tiradas viriam, até uma prestação de contas do bom momento da Plebe, incluindo o título de “Comendador” oferecido à Philippe Seabra e à André X pelo Senado Federal. Agora tem que aturar.

O público demorou um pouco a (re) descobrir o mosh, mas as rodas de pogo típicas do punk eram abertas desde cedo. Especialmente na versão de “Medo”, dó Cólera, que começou bem lenta e terminou seguindo a vocação para o esporro. Foi outro momento de emoção com a lembrança de Redson, herói do punk nacional, que faleceu no ano passado. Em muitas músicas, aliás, a Plebe tem usado o artifício do crescimento instrumental intenso no final, proporcionando encerramentos de arrebatar. Foi assim em “Brasília”, na qual Philippe Seabra lembrou da estreia no Rio, no Teatro Ipanema; na inesperada “Mentiras Por Enquanto”, ou em “Códigos”, que realça a guitarra pós punk típica da Plebe. Supresa foi o público cantar músicas do disco mais recente, “R ao Contrário”, de 2006, ou mesmo na meiúca da bela “Esse Ano”.

Clemente agita o público das arquibancadas

Clemente agita o público das arquibancadas

A esperada íntegra do mini álbum “O Concreto da Rachou”, de 1985, uma das melhores estreias de um artista brasileiro em todos os tempos, acabou nem sentida pelo público. Primeiro porque cada faixa foi tocada “salteada” no meio das outras, e depois, seis das sete músicas do álbum sempre são executas nos shows da Plebe. Bastou incluir a intrincada “Seu Jogo”, cuja versão – diga-se – nem foi das melhores, com Philippe Seabra com a voz detonada, tentando fazer as vezes de Ameba, insubstituível por definição. Clemente, outro patrimônio do punk rock nacional, não só ocupa o lugar dele, como acrescenta muito em presença de palco, mantendo o duelo de vozes que só a Plebe tem. Completaram a formação o baixista Fred e o baterista Marcelo Capucci.

Revista a trajetória, a boa notícia foi dada por Seabra, que avisou que Andre X, antes de se pirulitar para o estrangeiro, deixou gravadas todas as passagens de baixo do novo álbum da Plebe Rude. Já faz tempo que não pode mais ficar parado. Antes do final da noite, no segundo bis, outra surpresa: em vez da uma música do The Clash, referência notória do grupo, “Holidays In The Sun”, dos Sex Pistols. Um desfecho em grande estilo para uma apresentação impecável, digna dos grandes tempos da Plebe Rude.

Em bom número, o público abre uma das imensas rodas de pogo, marca de uma noite de almanaque

Em bom número, o público abre uma das imensas rodas de pogo, marca de uma noite de almanaque

Set list completo
1- Plebiscito
2- O Que Se Faz
3- Censura
4- Brasília
5- Discórdia
6- Minha Renda
7- Esse Ano
8- Dançando no Vazio
9- Luzes
10-Medo
11- Mentiras Por Enquanto
12- Bravo Mundo Novo
13- A Ida
14- Johnny Vai a Guerra / Nunca Fomos Tão Brasileiros
15- Códigos
16- Sexo e Karatê
17- Proteção / Selvagem / Pátria Amada / Geração Coca-Cola / Ódio às TVs
Bis
18- Voto em Branco
19- Pânico em SP
20-Seu Jogo
21- Até quando Esperar / Aumenta Que Isso Aí é Rock’n'roll
Bis
22- Holidays In The Sun

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Comentários enviados

Apenas 1 comentários nesse texto.
  1. neto em setembro 14, 2012 às 20:22
    #1

    Sou de Brasilia, tenho 47 anos e vi tudo isso, nascendo e projetando-se no cenário nacional. A Plebe é uma das poucas bandas que mantém fielmente a filosofia de trabalho. E por isso, é de longe, a melhor banda de rock nacional em atividade.

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