O Homem Baile

Recomeço

Com Agridoce, Pitty se despe do rock pesado que a consagrou e mostra composições marcadas pela delicadeza dos arranjos; segundo show no Rio, nesta sexta, tem ingressos esgotados. Foto: Caroline Bittencourt /Divulgação.

agridoceCerca de 280 pessoas – pouco mais da metade da casa - compareceram ao show do Agridoce, ontem, no tradicionalíssimo Teatro Rival, no Rio, considerado pela própria Pitty como a estreia do duo na cidade. A apresentação foi marcada pelo tom intimista do repertório e pela delicadeza dos arranjos bolados para as músicas. Além de Pitty e Martin, participam do show o percussionista Luciano Malásia (revelado no Ultraman) e Loco Sosa (efeitos e programações).

Em cerca de 70 minutos, o grupo mandou 13 composições próprias e três versões: uma para “La Javanaise”, de Serge Gainsbourg, que encerra a noite; outra para “Please, Please, Please, Let Me Get What I Want”, dos Smiths; e uma terceira de Lirinha, “Lágrimas Pretas”, gravada originalmente no projeto 3 Na Massa. Da banda Pitty, como se anunciava, nenhuma música. Para o show desta sexta, todos os ingressos estão esgotados.

O show tem um “quê” de recomeço, como se a trajetória de um dos artistas mais relevantes do rock nacional dos últimos dez anos não existisse. Pitty e Martin conversam com o público e se auto-divulgam como se fossem iniciantes tocando no circuito underground, embora o público, fiel, já conheça praticamente todas as músicas e saiba várias letras de cor e salteado. Se parece não ter espantado os fãs, o distanciamento do rock pesado noventista que marca a trajetória da cantora até então, e a aproximação ao indie rock/folk/mpb lhe garante um olhar generoso da crônica musical que jamais teve. Em vez do carimbo de roqueira conservadora e popular, aos olhos da crítica Pitty passa a ser vista como artista inovadora e/ou em busca de renovação. Nada mal.

Com um repertório despido de distorções e outros efeitos, as músicas se revestem de detalhes – barulhinhos – nem sempre fáceis de serem reproduzidos ao vivo. Daí a quantidade de instrumentos pouco usuais como escaleta, xilofone, etc – e nem vamos falar da percussão e feitos - assumidos por Pitty. Em “Ao Porto”, que encerra a primeira parte, o flerte com o “indie quermesse” de Arcade Fire e afins, garantido pela batida marcial de tarol, é flagrante. “130 Anos”, candidata a hit, tem o mesmo clima, quando o teclado é deixado de lado para dar lugar à escaleta. O xilofone entra na boa “Embrace The Devil”, na qual Pitty volta a usar artifício das frases feitas, do tipo “quem não tem teto de vidro que atire a primeira pedra” ou “o homem é o lobo do homem”.

Mas o que conta, num show cru como esse, são as canções, e Pitty acerta a mão em várias delas. O exemplo mais bem acabado é “Dançando”, hit nato que gruda na cabeça logo na primeira audição e que já faz parte do imaginário inconsciente dos fãs. A já citada “130 Anos” é outra que se segue o mesmo caminho e a intensidade de “Say”, quando Martin se arisca num efeito “slide guitar” até econômico, também cai muito bem. Curiosamente, o melhor momento da noite acontece em “Lágrimas Pretas”. A música, de autoria de Lirinha (Cordel do Fogo Encantado) e que faz parte do projeto 3 Na Massa, ganha um versão densa, pesada e com sutis mudanças de andamento de arrepiar. Supera de longe o sotaque dub/reggae da versão registrada no CD.

O começo até certo ponto nervoso da dupla vai sendo superado com conversas com a plateia, mas o diálogo nem sempre flui, à custa da falta de educação do público – ou de parte dele. Pitty e Martin “se cobram” mutuamente durante a noite, em busca de uma perfeição técnica que não é indispensável, o que faz, inclusive, a cantora pedir para começar de novo em uma das músicas. A cada música, projeções são lançadas ao fundo, com imagens das gravações, feitas numa espécie de “retiro artístico”, numa casa em São Paulo, ou até ao vivo. Isso tudo dá ao show ares de espetáculo fechado, que, ao mesmo tempo, coloca em xeque a possibilidade de transformação de projeto paralelo em trabalho principal. Uma pulga que, ao que parece, vai habitar a parte de trás da orelha da Pitty por um bom tempo.

Set list completo

1- Upside Down
2- B. Day
3- Romeu
4- Epílogos e Finais
5- Dançando
6- 20 Passos
7- 130 Anos
8- Embrace The Devil
9- Lágrimas Pretas
10- Alvorada
11- Please, Please, Please, Let Me Get What I Want
12- Rainy
13- Say
14- O Porto
Bis
15- Ne Parle Pas
16- La Javanaise

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Comentários enviados

Existem 3 comentários nesse texto.
  1. Bruno em maio 26, 2012 às 9:59
    #1

    Triste/feliz. É como a maioria dos fãs da Pitty se sentem com esse projeto. Eu já assisti uma apresentação do Agridoce, e com toda certeza, sinto muita falta do rock Chip Novo/Anacrônico/Chiaroscuro. Mas prefiro acreditar que esse projeto realmente seja apenas uma vontade que apareceu enquanto a banda esteja em recesso, e que após o término dessa turnê, um bom disco rock faça a Pitty mostrar que é uma verdadeira mulher de fases, e que consegue fazer de uma, duas artistas de gêneros diferentes, sem perder qualidade (assim espero).

  2. Gabriel em maio 27, 2012 às 17:10
    #2

    Eu, particularmente, não gosto desse projeto, apesar de achar ele muito inteligente, diferente e inovador. Enquanto Pitty e Martin estiverem nessa vibe, eu vou respeitar. Já tem uns 5 meses que não escuto Pitty, tô ouvindo outras bandas e nesse tempo achei bandas foda pra caralho. Acho que até nós, como fãs, estavámos precisando de um tempo mesmo. Enfim, espero que quando a banda voltar venha com um puta de um disco, embora eu não seja mas tão fã quanto era antes disso tudo.

  3. Letícia Manhães em maio 27, 2012 às 22:08
    #3

    Esse projeto é sensacional! As pessoas se preocupam demais com a vida dos outros! Deixem-os curtir o Agridoce! Quando quiserem voltar com a banda Pitty, que voltem! Ninguém vai conseguir obrigar ninguém, então relaxem! Concordo com a falta de educação de algumas pessoas… mas, o que fazer quanto a isso? Cada um sabe de si, mas falta bom senso e semancol!

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