O Homem Baile

O rei do improviso

Em show marcado por virtuose e bom humor, Buddy Guy desconstrói e ‘explica’ o blues e suas ramificações; mal educado, público atrapalha. Fotos: Luciano Oliveira.

'Wait a minute': o fanfarrão Buddy Guy conversa com o público enquanto dá aula de blues rock

'Wait a minute': o fanfarrão Buddy Guy conversa com o público enquanto dá aula de blues rock

Era para ser um show de blues clássico, se não fosse Buddy Guy um autêntico fanfarrão. Uma das lendas vivas do gênero, com inacreditáveis 76 anos, o guitarrista deixa de lado os clichês do blues para fazer do show um espetáculo de improviso, contextualização histórica, humor raro, quase sarcástico e – claro – boa música. A apresentação aconteceu ontem, no Vivo Rio, para uma plateia acomodada no esquema “churrascaria de granfino”, mas nem isso estragou a noite, repleta de citações, virtuose e escracho por parte de Buddy Guy e seu bordão “wait a minute” - algo como “alto lá”. Sim, um show de blues repleto de improvisos e bordões.

Um dos duelos com o bom guitarrista Rick Hall

Um dos duelos com o bom guitarrista Rick Hall

Você pode não se dar conta, mas Buddy Guy é referência/influência para todo e qualquer guitarrista de blues e blues rock. Eric Clapton, Keith Richards, Jimi Hendrix… todos beberam na fonte do bluesman e são homenageados no show, não com versões, digamos, corretas de música deles, mas com uma desconstrução de cada uma feita a base da guitarra blues original. Em “Sunshine Of You Love”, do Cream, banda que impulsionou a carreira solo de Clapton, Buddy Guy mostra a força de um riff pescado do blues de raiz, num dos melhores momentos da noite. Em “Voodo Chile”, de Hendrix, não se faz de rogado, toca com os dentes e até com a bunda, num must da antítese reverência/irreverência que marca a apresentação. Dos Stones, “Miss You” é citada e a plateia faz o corinho “u-uh” eternizado por Mick Jagger e Cia.

Buddy Guy também não deixa de lado suas referências e contemporâneos. Usa uma baqueta para solar em “Boom Boom”, de John Lee Hooker; se derrete ao dizer que “I Just Want Make Love To You”, de Willie Dixon, serve para “demonstrar todo o amor” que sente pelo Rio; e tem as palmas do público marcando o som em “Down Don Bother Me”, de Albert King. Em “74 Years Young”, ele desce para fazer um longo solo no meio do povo, retirando os fãs de seus lugares. Pena que o público, mal educado, em vez de mostrar reverência à aura viva do blues, opta por lhe espocar flashes e luzes na cara. O guitarrista encarou a multidão mesmo assim, sem parar de tocar no passeio, mas com muita dificuldade, sempre usando o bordão “wait a minute” para tentar acalmar o alvoroço.

Todo o feeling da lenda viva do blues

Todo o feeling da lenda viva do blues

Musicalmente, o show é um espetáculo de virtuose e bom gosto. Ao ser anunciado pelo tecladista Marty Sammon, Buddy Guy já entra no palco solando pra valer, com “Nodody Understand Me But My Guitar”, cujo título resume tudo. É com Sammon que o guitarrista trava os maiores duelos da noite, já na primeira música e durante várias outras, em performances que podem até ser ensaiadas nos bastidores, mas têm um “quê” de improviso extraordinário. O guitarrista Rick Hall, em trajes de jogador beisebol, é também participativo e tem seu momento de glória numa versão arrasa quarteirão de “Hoochie Coochie Man”, de Muddy Waters, logo no início da noite, solando de lado a outro do palco. Não é para qualquer um deixar Buddy Guy como guitarrista base.

Curiosamente, Buddy Guy viaja por todo esse repertório, repleto de improvisações, com uma única guitarra, velha e surrada, exceto por “Skin Deep”, já no final do show, quando usa um modelo vermelho, de corpo alongado. E pensar que Noel Gallagher, por exemplo, no mesmo local (veja como foi), praticamente usou um modelo em cada música. Depois de cerca de uma hora e meia, com farta distribuição de palhetas, que quase causou confusão com seguranças na beirada do palco, Buddy Guy se despede enquanto a banda continua tocando. E aí, na hora em que o público deveria entrar gritando por um bis, a luzes se acendem e a cortina é fechada. Pelo visto já estavam todos satisfeitos com seus videozinhos amadores.

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