O Rock Como Ele é

Congelador

Nessas horas, lembrava sempre da música “The Thin Line Between Love And Hate”, do Pretenders. O grupo era da geração do Ramones e, assim como o Luxúria, tinha uma mulher como vocalista

Subiu a primeira pro congelador. Volta e meia, ao entrar no Facebook para saber o que estava se passando, dava de cara com essa frase. Não era afeito ao convívio virtual, mas a pressão dos amigos foi tanta, que, de uns tempos para cá, passou a fazer parte da afamada rede social. Gostava, assim como o amigo, de uma gelada de vez em quando, de modo que via com simpatia a recorrente citação. Amigo o modo de dizer. Mal conhecia o sujeito, como acontece em grande parte dos círculos de amizades virtuais. Também não compreendia o porquê do verbo empregado, se, para ele, começar a beber tinha mais a ver com descer do congelador, do que com subir para ele. Deveria ser uma nova gíria que – antiquado – ainda não havia descoberto.

Estava com o coração envenenado. Aprendera a expressão ouvindo uma música do Ramones no rádio, nos tempos em que a rádios convencionais – não as virtuais desses tempos – tocavam música boa. Na verdade, não entendera bem o que aquele vocalista varapau de tez esverdeada queria dizer. Não que não entendesse o idioma. Ao contrário, anos de estudo e as exigências do mercado moldaram um profissional que circulava bem em várias línguas do mundo globalizado. O que não compreendia era o que seria, na prática, um coração envenenado. Isso até ter um sentimento que não conhecia, e, na falta de uma denominação qualquer, acreditou na sincronicidade do rock’n’roll e adotou essa. Só queria ir embora daquele mundo.

Já tinha aprendido com o Luxúria que ódio era o veneno que se tomava querendo a morte de outrem, mas não tinha simpatia pela dura atitude. Evitava, inclusive, o verbo odiar. Se mal sabia conjugar o amar, não poderia gostar mesmo do seu antônimo mais famoso, separado por tênue linha. Nessas horas, lembrava sempre da música “The Thin Line Between Love And Hate”, do Pretenders. O grupo era mais ou menos da geração do Ramones e, assim como o Luxúria, tinha uma mulher como vocalista. Era essa a tal sincronicidade a qual se referia: pensava numa coisa relacionada ao rock e emendava com outra e mais outra e outra mais. A cadeia cognitiva parecia não ter fim e só havia uma coisa a fazer. Subir a primeira pro congelador.

Andava pelas ruas tentando esquecer o passado. Não que tivesse vergonha. Era, na verdade, apegado a fatos que, de certa forma, teriam influenciado diretamente para ser quem é hoje. Ficava sempre pensando que se isso ou aquilo não tivesse acontecido, ele não teria, hoje, esse ou aquele comportamento. Era uma viagem inútil da qual não conseguia jamais escapar. E sempre chegava a conclusão de que tinha um coração envenenado, de modo a não responder jamais, de modo correto, a impulsos daquelas que se aproximavam dele. Era como se um distúrbio genético fizesse o pobre órgão escolher sempre equivocadamente por qual pequena se apaixonar desmedidamente e por qual nutrir cruel indiferença.

Estava, sim, com o coração envenenado. Era a única explicação para tantos insucessos no campo amoroso. Já havia tentando de tudo para entender o histórico de relações fracassadas: análise, astrologia, quiromancia. E foi encontrar justamente no rock a aconchego mais convincente. Tinham sido três os casamentos que não deram certo, um número incontável de namoradas que se mostraram inúteis, ida e vindas de relacionamentos infrutíferos. Tudo culpa do envenenado coração, maculado desde o berço daquele pobre homem que se lamentava qual um bezerro desmamado atrás da fonte de alimentação perdida. Por isso entendia o movimento recorrente do amigo do Facebook. Desceu a primeira do congelador.

Tags desse texto:

Comentários enviados

Apenas 1 comentários nesse texto.
  1. Gabriel em fevereiro 19, 2012 às 15:31
    #1

    Amo até agora a banda Luxúria.

Deixe o seu comentário

Seu email não será divulgado