Uma luz
Tudo acabava, menos as idas e vindas em relacionamentos com desfechos invariavelmente infelizes. Convenhamos que nem Morrissey, à frente dos Smiths, poderia ser mais dramático.
Saiu do cinema com lágrimas nos olhos. Não chegava a ser exatamente uma novidade naqueles dias difíceis em que nada parecia se encaixar em sua vida. Depois de se tornar um sujeito demasiadamente duro por ter passado por uma infância difícil, começara a amolecer o coração na meia idade; não era, definitivamente, mais o mesmo. Mas o filme abusou. Tratava de relacionamento e de juventude e tinha uma trilha sonora cheia de rocks que mexiam com ele. Tudo que lhe despertava o interesse, ao menos no que dizia respeito à juventude e ao rock. Não, relacionamentos, definitivamente, não era com ele. Mas, sim, eles aconteciam, sempre na muito bem estampada dicotomia expectativa versus realidade.
Poderia se sentir identificado com o personagem vivido por Joseph Gordon-Levitt, mas, na verdade vivia a refletir o fracasso generalizado num compêndio de relacionamentos que colecionava. Sem saber o porquê, estava a revisitar um por um, como John Cusack no papel de Rob Gordon em “Alta Fidelidade”. Havia uma luz que nunca ia embora naqueles pensamentos, e não era só porque, tal qual o rapaz, ele curtisse bastante a banda que um dia se autoproclamou a salvadora do pop. Mas quem iria salvá-lo? Seguramente não seriam as lágrimas, inquilinas indesejáveis, porém, de certo modo, necessárias naquele momento. Escritor bem sucedido, vivia já há certo tempo incapacitado de dar sequência à sua carreira.
Recebia razoável quantia, a cada três meses, pelos direitos autorais de livros que havia publicado, fosse de autoria própria, como ghost writer ou como tradutor, de modo que se dava ao luxo de passar mais de ano sem fazer nada e ainda assim manter o padrão de vida de alto classemediano. Não que gostasse disso. Nos seus piores pensamentos se via velho, incapaz de produzir e sem ter onde cair vivo. Seu apartamento, reformado para parecer um loft britânico, seria facilmente interditado se fiscalizado pela agência sanitária, dada às precárias condições nas quais sua vida se metera. Seu temor principal era sofrer um ataque cardíaco, ser resgatado por uma ambulância e ter revelada para o mundo a bagunça em que mantinha seu lar, doce lar.
A verdade é que tinha vivido inúmeras experiências iguais àquelas mostradas na comédia dramática que assim rotulara ao ter assistido. Os diretores tinham conseguido captar exatamente as coisas como elas são, do mesmo modo que ele fizera em seus escritos de maior sucesso. Achava que morrer ao lado de quem mais gostava seria um prazer e um privilégio dele próprio, mas o que via ao longo dos seus quase cinquenta verões, não só o mostrado paisagisticamente no filme, era a passagem cruel de todos os seus casos amorosos. Tudo acabava – o que era bom -, menos suas idas e vindas em relacionamentos com desfechos invariavelmente infelizes. Convenhamos que nem Morrissey, à frente dos Smiths, poderia ser mais dramático.
Caminhando para a casa, pensou em, assim como o casal dos 500 dias, passar numa loja de discos para checar – quem sabe comprar – a bem sacada trilha sonora. Mas logo se lembrou de que, nesses tempos, era mais fácil fazer o download clandestino. Caminhava e pensava tanto em dar fim em tudo, mesmo que não tivesse alguém ao lado para ter o prazer de morre junto, quando, súbito, lembrou que, de modo otimista, os diretores tomaram o cuidado de converter o dia 501, dos 500 do título, no primeiro dia de uma nova jornada. E era isso que ele precisava. Um recomeço, do zero, em tudo que fazia parte de sua vida. Não podia ser nem depois, nem no dia seguinte; deveria ser ali, naquele momento. Havia – de fato - uma luz que nunca ia embora.
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Dramático, pesado e lindo. Cara, que texto. Uma palavra: FODA.
Essa tal “luz” ae parece que também faz parte dos meus dias…