No Mundo do Rock

No tapa

Líder do Ultraje a Rigor explica toda a confusão envolvendo as equipes do grupo e de Peter Gabriel, que se atracaram fisicamente nos bastidores do SWU. Fotos Divulgação: Rogério Von Kruger (1) e Marcos Hermes (2 e 3).

Roger abre os braços durante o show que a equipe de Peter Gabriel não queria que acontecesse

Roger abre os braços durante o show que a equipe de Peter Gabriel não queria que acontecesse

Os fotógrafos entraram atabalhoadamente apressados na sala de imprensa do SWU dizendo que tinham excelentes fotos de dois roadies saindo no tapa, em pleno palco do festival. As primeiras informações davam conta de que as equipes do Ultraje a Rigor e de Chris Cornell haviam se atracado fisicamente, e foi assim que tudo virou notícia, de imediato, na internet, em sites e redes sociais. Só depois do show é que a treta (briga, no paulistanês falado lá em Paulínia) foi identificada como sendo Ultraje versus Peter Gabriel, pelo próprio Roger Moreira, líder do grupo brasileiro, ao deixar o palco. Na pressa, ninguém (incluindo este Rock em Geral) apurou direito e Cornell acabou pagando o pato.

Identificada a falha, a coisa se estendeu com direito a cutucadas no twitter. Era Roger espinafrando Peter Gabriel de um lado e o público querendo saber o que tinha acontecido de outro. Teve até gente famosa tomando as dores, de parte a parte, e fãs do Ultraje xingando Chris Cornell em seu show acústico. No dia seguinte, a informação oficial era espalhada na mesma sala de imprensa: Peter Gabriel havia ligado pessoalmente para Roger, para pedir desculpas e estava tudo resolvido. Mas o que, de fato, teria acontecido nos bastidores do sugestivo palco com o nome de “Consciência”?

Trocentos shows, muita chuva e lama depois, fomos saber do Roger todos os detalhes do difícil relacionamento entre as equipes de artistas nacionais e estrangeiros, na mesma semana em que um infeliz – para dizer o mínimo - Perry Farrell veio ao País e desandou a falar besteira (veja aqui). O chefão do Ultraje conta tudo, tintim por tintim, em todos os detalhes. E ainda sobrou uma ou outra perguntinha sobre música também. Confira:

Rock em Geral: Como foi aquela confusão no SWU?

Roger Rocha Moreira: Foram três episódios separados, que, enfim, acabaram ficando conhecido por causa do roadie que entrou no palco. Se o cara não tivesse entrado, provavelmente ninguém nem teria sabido o que aconteceu. Nós chegamos lá para tocar, tava chovendo horizontalmente, no palco, com muito vento, e o pessoal do SWU falou: “Não dá para entrar”. Nós estávamos lá na hora que era para entrar. Mas estava voando as coisas todas, o aquário da nossa bateria, as partituras do palco do Peter Gabriel, que tomava todo o espaço, e não dava para entrar aquela hora. Aí decidiram que a Tedeschi Trucks Band, que tocaria depois da gente, ia inverter o horário, porque no outro palco o vento estava na direção contrária. Quando chegou a hora, eu entrei, seguido da banda, mas eles foram barrados pelo mesmo cara grisalho que no fim do show desligou nossos amplificadores no meio da música. A ideia dele era que a gente não entrasse.

REG: Ele achou que tinham cancelado o show do Ultraje…

Roger: Eu entrei, cumprimentei o público e tal, fui começar a tocar e vi que tava tudo desligado, virei para o amplificador e vi que não tinha ninguém no palco. Aí eu voltei para ver o que estava acontecendo e tinha uns caras esbravejando, o tal de Gary Trew, que é o stage manager do Peter Gabriel.

REG: O tal grisalho que desligou tudo?

Roger: Não, esse é outro cara, eu não sei o que ele é, mas não deve ser roadie, porque ele é muito velho para isso, devia ser um engenheiro de som ou o chefe dos roadies. A hierarquia deles é um pouco maior que a nossa. O cara tava falando que não ia ter o show. Eu falei: “O que tá havendo?” E ele falou que atrasou e baixou a bola, dizendo que tinha que cortar o show em meia hora. Eu disse: “De jeito nenhum, nosso show é de uma hora já cortado. É de uma hora e meia e foi cortado porque é um festival, e eu não vou tocar meia hora”. O público já tinha me visto entrar e sair e tava gritando: “Ultraje! Ultraje!”. Eu falei: “Olha, o público tá gritando meu nome, você pode achar que não, mas aqui a gente é conhecido, vamos entrar porque o público tá esperando, nós temos um compromisso com ele”. Ele disse: “Ah, se vocês entrarem o Peter Gabriel não entra!”

REG: Nesse momento não tinha ninguém do festival para resolver o conflito?

Roger: Tinha também o cara do SWU, foi ele que me explicou, em português, porque era com ele que o cara estava falando. Ele disse: “Eu tô aqui num fogo cruzado, ainda bem que você veio.” Quando ele disse que se a gente não diminuísse o show, o Peter Gabriel não entraria, eu falei: “Foda-se o Peter Gabriel, eu tenho um contrato igual ao seu. Choveu, não fui “eu que chovi”, a chuva atrasou para todo mundo e eu vou entrar, não tem conversa.” Ele disse que então tinha que ser meia hora, e aí chegou o empresário do Peter Gabriel, que se chama Dave, não sei o sobrenome, e falou: “Vamos conversar, vocês têm que fazer umas concessões.” E eu disse: “Mas só nós?”. Ele pediu para tirarmos 15 minutos, e eu aceitei. Eu pensei: “vou fazer o show normal, evitando perder tempo entre as músicas, e fiz o show que me disseram que deu uns 45 minutos mesmo. Quando todos entraram para tocar, eles perceberam que tava tudo desligado, depois de os nossos roadies terem ajeitado tudo. Eles perceberam quando começaram a tocar, no meio da música e tiveram que ajeitar. Terminou a primeira música e entrou esse roadie dele, um cara grandão. Ele ficou bravo porque o Trovão, meu irmão e produtor, passou no meio do palco deles, lá atrás.

REG: Tinha essa separação de palcos, visivelmente?

Roger: O palco do Peter Gabriel ficava escondido por um… eu acho que era uma cortina de led que não tava funcionado. Era uma “tapadeira” que fez sobrar uma tripinha ridícula ali na frente. Mas a gente tá costumado, é assim mesmo. Eu até entendo que o público vá para ver as atrações internacionais, que não tem tanta chance de ver. Mas enfim, o meu irmão passou ali, até porque não tinha outro lugar para passar para ir para o outro lado do palco, e o cara veio falando inglês com ele. O meu irmão, para evitar briga, disse que não fala inglês, que não sabia o que ele tava dizendo, e o cara o empurrou. E meu irmão, que é forte e tal, saiu enchendo a cara dele de soco. Deu um socaço que ficou famoso na internet e continuou socando até ele voltar para fora do palco. E aí, sim, eu comecei a falar mal. Porra, a gente já vem aqui pra tocar em festival, a gente tá acostumado, mas você não quer que saia nada errado. Aí tem que discutir com o cara antes de entrar no palco, entra o outro no meio do show, como se a gente fosse o cu da mãe Joana… Então eu saí falando. Por uma confusão, que eu falei que o nosso roadie é parecido com o Chris Cornell, o pessoal achou que era briga com o pessoal dele.

REG: No começo foi o Chris Cornell quem pagou o pato…

A banda animada antes do show começar

A banda animada antes do show começar

Roger: No começo, apesar de estar sendo ultrajado (risos), eu tava sendo ético e não tava falando o nome de ninguém. Mesmo porque - eu cheguei até a discutir com o cara lá - eu disse que se Peter Gabriel estivesse ali, eu duvido que ele iria concordar com aquilo, porque nós somos artistas, bem ou mal somos colegas. Só porque o cara é Deus não pode esperar meia hora como todo mundo? Eu tava argumentando ali atrás e cheio de razão. Durante o show eu fiz várias piadas com os caras, e, no fim, a gente acabou o show e o pessoal pediu mais um, que é meio de praxe. Nós voltamos para tocar e os caras entraram desligando a aparelhagem toda, aí veio uma equipe inteira. Foi uma coisa completamente antiética. É o comportamento que muitos têm quando vêm para cá, talvez porque já vêm “cagando regra” lá de cima e o pessoal aqui aceita tudo. Ou é questão de caráter.

REG: Mas não tinha ninguém do festival para tomar a frente?

Roger: Na hora que eu entrei na briga os caras deixaram por minha conta. Mas os caras do Lynyrd Skynyrd, por exemplo, estavam lá atrás, numa super boa, sem encher o saco. É questão de caráter. E esse Perry Farrel, agora veio falando um monte de asneiras… É uma questão de ignorância e desprezo total.

REG: Eles se acham os americanos e nós o resto do mundo.

Roger: É, passou do México para baixo, para eles é America Latina. O cara vem aqui ganhar dinheiro, tem fã aqui, não custa ele dar uma passada no Google e ver o que falar (risos). Mas acabou sendo bom, de certa forma, porque começou a criar essa consciência de que não pode ser assim. Nós já temos uma tradição, começada, inclusive, por causa da nossa geração, dos anos 80, de ter festivais aqui desde 85.

REG: Parecia que essa questão de diferenças de condições entre bandas de fora e brasileiras tinha acabado…

Roger: Não parecia, não. No Rock In Rio número um e também no Hollywood Rock, em 87, que nós participamos, normalmente a gente tinha até metade da força de som, metade do palco… luz não tinha porque era de dia, o que eu não acho de todo mal, não acho totalmente injusto. É que tem muitas bandas, sei lá, de um hit, americana e daí todo mundo trata como se fosse “o foda”. O cara toca, é vaiado, o show é chato, aí entra sei lá, o Barão e faz o show. Tem bandas aqui que tem nível para segurar uma plateia desse tamanho. Mas claro que vai ter sempre uma atração importada que, independente do valor intrínseco das atrações, é uma raridade. Não é toda hora que vem um Pink Floyd, vamos dizer. É normal que eles fechem, mas não é normal que venha todo mundo aqui tratando a gente como se fosse uma criançada brincando e pronto: “Agora acabou, sai todo mundo que eu vou tocar”. É preciso que parta da gente a criação dessa consciência.

REG: Depois da briga no palco a coisa continuou na internet…

Roger: No dia seguinte, mostraram o vídeo para o Peter Gabriel e ele me ligou pessoalmente, pedindo desculpas e tal. Ele tinha visto só o final do show, quando interromperam a música. E fiz questão de dizer para ele: “Olha, valeu, obrigado, sou seu fã, mas não é só isso, o cara que entrou no meio do palco quis dar porrada, teve o stage manager que queria que a gente não começasse o show, são pessoas que tão falando em seu nome. Você é um ativista mundial, pega mal pra cacete.” Ah, vamos salvar as criancinhas na África e chutar o artista brasileiro? Ele lamentou e disse que não tava sabendo. Não dá para saber depois se ele tava sabendo ou não. Aí passou umas horas e ligou esse próprio Gary, pedindo desculpas. Não sei se ele tomou uma “chupada” lá ou se é uma questão de marketing, mas ele também ligou para pedir desculpa. Mas eu falei tanto para o Peter Gabriel quanto para esse Gary que eu queria uma nota oficial, para a imprensa. Eles postaram, mas foi meio assim “Ah, desculpa, mas é que o Ultraje se atrasou e todo mundo tinha combinado de diminuir 15 minutos, mas o Ultraje não quis diminuir”. Isso não é verdade, ninguém jamais falou comigo de que todo mundo tinha combinado de diminuir 15 minutos. E eu falei direto para o Peter Gabriel: “Olha, nosso show tinha uma hora, o cara queria cortar para meia hora e você tocou duas horas”.

REG: Essa nota foi publicada onde?

Roger: No site deles, em inglês. Eu não gostei. Como eles pediram que eu fizesse uma nota, eu fiz e mandei para eles, mas eles não publicaram. Eu falei que tava tudo certo, era bacana pedir desculpas… Eu não falei: “Ah, obrigado por falar comigo, Deuses do Olimpo”. Vão se fuder, vocês erraram e pediram desculpas, legal, eu tô fazendo minha parte também. Só que não foi esse negócio de 15 minutos, não, e isso eles não publicaram. E agora veio esse Perry Farrell. O cara escolheu completamente errado tudo, o timing, a ocasião, o local, e falou que a jornalista distorceu. Tentou corrigir, piorou. Ou seja, tá mais que provado que é assim que acontece. A culpa não é só dos caras, a culpa é nossa, é patrocinador que caga e anda para as atrações nacionais. Mais uma vez eu reitero que, sim, eu concordo, os festivais acontecem por causa das atrações internacionais. Mas tem uma aí, tipo a Kesha, que eu nunca ouvi falar. Não tem necessidade da Kesha ser headliner. Tá, o Guns N’Roses vai fechar. Nós, em Brasília, uma vez, ficamos com o compromisso sem querer de fechar, depois da atração internacional, que era o Live, porque eles tinham no contrato deles que tinham que entrar até às 11h. O festival atrasou, eles entraram às 11h e nós ficamos com o foguete de fechar o festival. Foi super legal, não foi todo mundo embora, que era o que a gente pensou que pudesse acontecer.

REG: O Live é o tipo de banda que não é grande…

Roger: Mas era a atração lá. Eles tocaram, o público esperou, nós tocamos e foi super bom. Fica até difícil, porque não é só o show, o palco deles é uma atração, eles têm um som todo esquematizado. Tudo bem, a gente chega, é só nós quatro, mas a gente não fica a dever com o gosto do público, é uma carreira de 30 anos, o público conhece. Não temos toda aquela tecnologia porque no fundo não temos é todo aquele dinheiro. Mas em termos de segurar uma plateia temos experiência para fazer isso.

REG: E a conclusão dessa historia toda?

Roger: A conclusão é que acabou sendo bom para nós. Íamos entrar, fazer o nosso show, o pessoal ia gostar, mas não teria essa repercussão. Nós saímos em todos os órgãos, na Globo, na Veja, no Estado, na Folha. No máximo ia ter um “ah, legal, foi bom o show do Ultraje”. E foi relacionado a uma coisa que a gente, no fundo, sempre fez. Não é a primeira encrenca em que eu me meto (risos), porque é negócio de fazer valer o seu direito mesmo. E saber a hora de fazer as coisas. A gente tava com a faca e o queijo na mão, o cara provou por a + b que tava errado e que a gente tava certo, na frente do público. Foi muito bom.

REG: Agora vamos lançar um disco, né?

Roger: Vamos ver… Até lançar disco é uma coisa que eu sempre fiz de uma maneira bem consciente. Até fiz uma música dizendo que eu não tenho nada pra dizer, não vou lançar um disco só por lançar, só para pegar a deixa. Não estamos precisando de marketing, principalmente agora com o programa diário na TV, que tá fazendo muito sucesso (o grupo é atração fixa do programa “Agora é Tarde”, da TV Bandeirantes).

REG: Mas você não estava lançando músicas aos poucos para formar um disco?

Roger: A gente tá lançando conforme a gente grava. Eu tinha inicialmente essas que estavam sobrando e lancei. Mas a gente tem pouco tempo de juntar os quatro e gravar. Fora eu, que só tenho o Ultraje e esse programa, os outros têm outras bandas, outras ocupações. Não é igual ter 18 anos, morar com os pais e vamos amanhã? Vamos! Mas a gente vai continuar, sempre que tiver oportunidade de lançar música.

E ainda tem gente que acha que show de banda nacional em festival não atrai bom público...

E ainda tem gente que acha que show de banda nacional em festival não atrai bom público...

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Comentários enviados

Existem 7 comentários nesse texto.
  1. Bruno Gusmão de Campos em novembro 25, 2011 às 19:42
    #1

    O ultraje deu show, como não poderia deixar de ser, e mostrou para o Peter Gabriel e para a organização do SWU que banda nacional faz, sim, a diferença!
    @TazX_Design

  2. João Vitor em novembro 25, 2011 às 20:12
    #2

    O Roger está certo, as bandas gringas tem que ao menos respeitar as bandas brasileiras @meiatrestres

  3. PANAMA em novembro 25, 2011 às 20:17
    #3

    Eu peguei a chuva horizontal às 16 horas, esperando Ultraje a Rigor no SWU, sim, era um dilúvio! E, sim, era uma tripinha ridícula de palco que tanto Ultraje quanto o Chris Cornel tiveram que usar.

  4. cristiano em novembro 25, 2011 às 20:22
    #4

    É impressionante, o povo vem ao nosso país e quer se passar! Enquanto todo mundo ficar pagando pau para gringo, vão sempre querer nos menosprezar. O roadie do Ultraje fz bem em socar a cara do maluco, é para eles saberem que aqui é Brasil e não vem com a palhaçada da terra do carnaval e samba, que tudo é batucada e ignorante, no submundo rock’n'roll o bicho pega!

  5. Jonas Macabeus em novembro 28, 2011 às 14:49
    #5

    O entrevistador deu para o Roger o que ele queria, pisar em gringo e não assumir o próprio erro, ridículo. Ninguém aqui dá a mínima para o Ultraje, tiveram que armar o programa do Ratinho para serem lembrados, banda pequena é isso mesmo.

  6. Makson Côra em novembro 28, 2011 às 23:43
    #6

    Segundo o Jonas, “ninguém dá a mínima para o Ultraje”. Eu acho que a galera que tá ali na frente do Roger na foto e mais uma galera rockeira no Brasil dá ouvido total à banda, sim. Talvez o Ultraje seja o expoente máximo do rock nacional oitentista. Por outro lado, quem é Peter Gabriel mesmo? Um cara que era da banda que tinha o Phil Collins, para mim não é nada além disso!

  7. Daniel K em novembro 30, 2011 às 9:00
    #7

    Falar que o Ultraje é banda pequena e que ninguém dá mínima pra eles é no mínimo falta de conhecimento de música! O Ultraje é umas das maiores bandas nacionais e que faz um puta show, sem dever nada a nenhum gringo. Aliás, a maioria das bandas nacionais não deve nada a ninguém, pelo contrário, são até melhores. Ou alguém duvida que shows como Plebe Rude e Velhas Virgens vão ser muito melhores que 90% das porcarias que vão tocar no Lollapalooza?

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