O Rock Como Ele é

Solitude

Pessoas, estejam prontas – pensava -, enquanto cantarolava a versão instrumental de “People Get Ready”, que conhecera com a duplinha Rod Stewart/Jeff Beck.

No meio de toda aquela multidão, se sentiu sozinho. Ainda faltavam umas duas horas para o show começar, mas só pelo fato de ter chegado ao local que precisava a tempo, achou que deveria comemorar. Embora tivesse gastado mais dinheiro do que podia para garantir um lugar privilegiado, bem pertinho do palco, e os custos da viagem para a cidade onde o show iria acontecer não fossem módicos, ainda tinha como comprar uma cervejas e brindar o simples fato de estar ali. A questão, àquela altura, era com quem fazer o tintim imaginário com os copos descartáveis usados em eventos desse tipo. Foi aí que, no meio de tanta gente, se sentiu só.

Curiosamente, apesar da apreensão pela entrada da sua banda favorita, tinha na cabeça uma música de outro grupo. Uma, não, várias, de vários grupos. Menos daquele. Achava a traição de um fã como ele algo condenável, mas via pelo lado positivo. Assim, seria definitivamente surpreendido quando suas favoritas fossem tocadas. E eram muitas, embora tenha se esquivado de conferir o set list que estava circulando pela rede desde que a turnê fora anunciada no Brasil. Pessoas, estejam prontas – pensava -, enquanto cantarolava a versão instrumental de “People Get Ready”, que conhecera com a duplinha Rod Stewart/Jeff Beck.

Uma forma de quebrar aquela terrível sensação de não ter como nem com quem dividir era usar o aparelho de telefone celular. Ele ainda chamava assim aquela verdadeira geringonça que tinha milhares de funções mais importantes que a de completar uma ligação. Mas achou que não devia perder tempo com a cabeça baixa digitando com a lentidão que lhe é peculiar. Estava maravilhado com as luzes, as arquibancadas e cadeiras, lá no alto, enchendo de gente, muita gente. Por alguns instantes, se via integrado à massa. Ali, no meio daquelas milhares de pessoas, não seria possível ninguém caçoar do tipo de música que gostava. Estava entres os seus.

Mas logo voltava a se sentir sozinho. A senhora que lhe serviu garantiu que a latinha havia sido retirada lá do fundo da tina transbordando de gelo, o que o fez lamentar menos o caro preço que havia pago pelo copo quase cheio. Ainda mais numa cidade em que é hábito beber cerveja em altas temperaturas, mesmo no calorão subtropical. Brindou aos céus, como se fosse um jogador de futebol agradecendo após marcar mais um gol. Sua cabeça continuava numa espécie de programação randômica que agora incluía até as bandas nacionais que tocavam no pequeno bairro onde morava, lá na cidade de onde se despencou para o grande show.

Decidiu vagar por entre o povo que se apressava em sair do estádio. Todos sabiam o quanto era difícil a dispersão naquela grande metrópole e rumavam para a saída. Menos ele. Acha que podia, devagar, aproveitar cada segundo que ainda sobrava para completar uma noite fantástica. Iria passar a madrugada na rodoviária de qualquer jeito mesmo. Estava no chamado estado de graça. Havia, enfim, presenciado uma homérica apresentação de sua banda favorita e tinha semblante de bobo alegre. Não ligava para o vento frio da madrugada que se chocava com seu corpo banhado de suor. Era a tradução espontânea da felicidade e, ainda assim, se sentia sozinho.

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