O Rock Como Ele é

Toda vez

Nessas ocasiões se lembrava da canção do Engenheiros do Hawaii. O trio gaúcho teve a cara de pau de fazer, num mesmo disco, duas músicas com a mesma melodia e com letras diferentes.

Toda vez que tocava o telefone pensava que era ela. Por vezes achava até que a força do pensamento poderia converter uma ligação partida de determinado local na do número da pessoa com a qual convivera nos últimos tempos. Na verdade nem recebia tantas ligações assim, a não ser quando tinha folga da redação em dia de semana. Aí, sim, era tudo o que era sorte de moças querendo vender desde assinaturas de periódicos de conteúdo político tendencioso até oferecendo mirabolantes cartões de crédito cuja aprovação, depois de verificado os dados bancários dele, jamais acontecia. Não se usava mais telefone fixo nos dias de hoje, pensava. Então, quando ouvia o trim estalar sempre achava que era ela.

Toda vez que alguém entrava no MSN pensava que era ela. No início, era por esta inevitável janelinha virtual que eles acabavam se entendendo. Por vezes escreviam ali coisas impublicáveis, mesmo na intimidade dos casais. As conversas digitadas na ferramenta virtual que conquistou o mundo eram as mais sem controle social de que se tinha notícia. Pensava tanto nisso que até deixou de usar o programa, para não ser perturbado pelo alarme sonoro acompanhado do ereto quadrinho que subia, cujo retratinho nunca mais foi o daquela que um dia amou. Passou a detestar até a ferramenta que lhe havia facilitado a vida profissional dos últimos tempos. Nos dias de hoje todo mundo é moderno como um relógio antigo.

Toda vez quer era notificado no Facebook pensava que era ela que tinha feito um comentário ou simplesmente “curtido” o que ele havia postado. Nessas ocasiões se lembrava da canção do Engenheiros do Hawaii. O trio gaúcho teve a cara de pau de fazer, num mesmo disco, duas músicas com a mesma melodia e com letras diferentes. Achava um desperdício o clássico instantâneo “O Papa é Pop” ter virado “Perfeita Simetria” sem a menor falta de cerimônia. Mas o grupo era dado a conceitos fechados que irritava a crônica além Dutra, nos anos 80, resultando em embates homéricos que o ajudaram a escolher o que fazer para ganhar dinheiro na vida. Não chegou a dar certo – diga-se -, mas isso são outros quinhentos.

Toda vez que tocava o interfone pensava que era ela. Morava sozinho e não era o tipo de sujeito que recebia muitas visitas. Ou, por outra, se as recebia era com horário previamente combinado. Era assim também com a amada. Mesmo conhecendo os horários da chegada dela, se sentia surpreendido pelo toque eletrônico do intercomunicador e ao ouvir a voz da moça. Por isso sempre lhe negou cópias das chaves. Ademais, era mais seguro, no caso de qualquer emergência, embora gerasse lamentações por parte da pequena. Desde que ela partira para os braços de outrem ele se embrenhava na dolorosa tarefa de enumerar as coisas que magoava a amada, sem nunca descobrir o verdadeiro motivo do abandono que julgava sofrer.

Toda vez que tinha scrap novo no orkut pensava que era dela. Parece mentira, mas a rede social que estava de moral baixo com a juventude era ainda usa por ele – e por tantos quetais – para muitas coisas. É verdade que ele preferia a versão roots da engenhoca, ainda em inglês, mas nunca deixou de usar as comunidades de grande densidade demográfica que ali se estabeleceram para colher informações imprecisas. Fora os casos de idas e vindas de relacionamentos que, muitas vezes, se resolviam a partir de um cínico recado deixado no scrapbook. Nunca com ele. Mas vivia assim, atento a tudo do jeito que o mundo moderno determina. Ainda assim, não conseguia resolver uma das questões mais antigas da humanidade: o fim de uma relação.

Tags desse texto:

Comentários enviados

Sem comentários nesse texto.

Deixe o seu comentário

Seu email não será divulgado