O Rock Como Ele é

Copa

Era fã de Pixies, Sonic Youth e de outros indies convertidos em classic rock. Isso o fez confiar, desconfiando, mais rápido do que, em geral, costumava acontecer.

Mulher, para ele, era como Copa do Mundo. Só de quatro em quatro anos. Mas, também, tinha quer ser todos os dias, três jogos por dia, fora os infindáveis programas de comentários e entrevistas pós jogo exibidos nos canais por assinatura. Achou um exagero quando um amigo fez o comentário jocoso sobre a dificuldade que tinha para manter relacionamentos. Mas, ao mesmo tempo – e o amigo não sabia – é que o paralelo tinha a ver – e ele gostava disso – no quesito intensidade. Custava a se entregar a uma pequena, mas, ao fazê-lo, se grudava por inteiro, só que por pouco tempo. E isso só acontecia – de fato – com periodicidade bissexta.

Não era o futebol sua grande paixão, mas não se pode dizer que cultivasse desdém pelo esporte bretão. Gostava mesmo era do rock, e via, de alguma forma, uma discreta - e ao mesmo tempo marcante - interseção entre as duas coisas. Depois de anos analisando um lado e outro, vinha concluindo que, por serem duas paixões sedutoras para a juventude, a bola e a guitarra eram as primeiras a pegar o adolescente de supetão, numa disputa pau a pau com os hormônios despejados nas veias, em direção às meninas. Essas, porém, levavam nítida vantagem porque - via de regra - consolidavam o corpo de mulher antes de o interesse masculino marcar ponto.

Não sabia se, no caso dele, funcionava assim. Mulher - de certo - era problema. Havia antecedido toda a balbúrdia homossexual que tinha deixado o mundo pior que antes, de modo que essa afirmativa apontava para uma questão emocional, jamais de masculinidade. Tinha - isso sim - dificuldade em converter uma pequena que o chamava a atenção, em sua amada, e, mesmo quando conseguia, via a relação com um inevitável prazo de validade. Era batata. Passava um mês e começavam os problemas que redundariam rapidamente no fim do relacionamento. Era tudo tão rápido que, quando ele começava a pensar no assunto, o que era bom tinha acabado. Havia – de novo - durado pouco.

Decidiu, então, aproveitar. Súbito, prescindiu do olhar que apontava para o futuro e optou por organizar as coisas no próprio quintal. Estava saindo com uma garota que conhecera da numa adega em Copacabana. Era fã de Pixies, Sonic Youth e de outros indies convertidos em classic rock, o que o fez confiar, desconfiando, mais rápido do que, em geral, costumava acontecer. Decidiu hospedá-la em casa e iniciar na fase de grupos, para, depois de passar no saldo de gols, triunfar no mata-mata, sem dó. A estratégia deu certo. Era uma alegria sem fim. Nada mais importava naqueles dias em que ele chegava atrasado ao trabalho e procurava sair mais cedo só para usufruir da intensidade – palavra mágica – que o contagiara.

Ocorre que, antes de a final chegar, veio a desclassificação. Se entregou tanto - e vinha trabalhando tantas horas no escritório de contabilidade - que não percebeu que havia uma anunciada Copa do Mundo prestes a começar. Programou a gravação dos jogos do primeiro dia no velho videocassete e foi assistir, à noite, tudo em sequência. Para tanto, cancelou o encontro com a amada. No dia seguinte, um sábado, obedeceu ao apelo de Bono Vox, segundo o qual nada mais importava, e se conectou com a programação dos canais esportivos. Seguiu assim até chegar às quartas de final, hora em que a seleção havia sido – injustamente, diga-se - eliminada. Quando olhou para os lados, percebeu que estava solitariamente só. E à espera dos próximos quatro anos.

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