O Rock Como Ele é

O bater da porta

Achava que algo tinha a ver com a “All Along The Watchtower”. A música, regravada por todo mundo, era de Bob Dylan, mas a versão que mais lhe apetecia era a de Hendrix, o primeiro a sacar nela um poderoso riff a ser enfatizado.

Quando a porta bateu com força no meio da noite achou que o mundo fosse acabar. Detestava quando isso acontecia. Em plena madrugada, já quase de manhã e ele acordado à força, mais cedo que a hora programada no despertador antes de deitar. Não gostava de deixar as portas dos cômodos fechadas, nem quando a meteorologia previa mudanças bruscas. Havia mandado pintá-las de preto, e certa vez, quando acordou deambulando no meio da noite, pensou que a da cozinha estivesse aberta e bateu forte com a cara na madeira dura. Não queria voltar a passar por um episódio dessa natureza.

O susto do despertar do nada não era, entretanto, o pior. Ocorre que passava a noite toda num sono tranquilo, mas, se acordasse antes da hora, costumava conviver, durante o tempo complementar - o mínimo que fosse – com terríveis pesadelos. Tinha todos os sonhos cabeludos relatados nos almanaques de noites mal dormidas, caso exista um. De modo que, nessas horas, o melhor a fazer era levantar e buscar alguma coisa para fazer. Ler um livro, ver TV, buscar apego nas redes sociais dos tempos pós internet… o que fosse. Só não podia ceder e cair na tentação de tirar o último cochilo e passar um mau bocado com implacáveis sensações do subconsciente.

Não se lembrava se os sonhos tinham cores, pergunta recorrente da analista de competência duvidosa. Mas sabia, sim, que havia trilhas sonoras, as mais estapafúrdias. Lembrou de um habitual no qual sofria uma queda livre de um edifício tão alto que nunca chegava ao fim. Tinha solos de Jimi Hendrix, tocados ao vivo, pelo próprio guitarrista, como pano de fundo. Era como se o negão estivesse ecoando um acorde atrás do outro através da janela de cada andar que via ao despencar. Em todas as vezes que isso acontecia, antes de se espatifar no chão acordava com o coração querendo sair pela boca.

Achava que algo tinha a ver com a “All Along The Watchtower”. A música, regravada por todo mundo, era de Bob Dylan, mas a versão que mais lhe apetecia era a de Hendrix, o primeiro a sacar nela um poderoso riff a ser enfatizado. Quando pensava nisso, já estava frente a frente com o velho monitor e encontrava amigos virtuais em ocupações diversas. Muitos, insones, reclamavam. Outros se deliciavam baixando tudo o que encontravam nos sites de compartilhamento de arquivos. Ele procurava desesperadamente por um soninho vulgar, mas temia baixar, por engano, como às vezes acontece no universo dos downloads ilegais, um pesadelo daqueles.

No meio da busca se deparou com um site esquisito, porém convidativo. Oferecia todo o tipo de downloads, mas não eram músicas, filmes, séries, discos. O que via no catálogo de ícones era uma série de mulheres. Curiosamente todas tinham os mesmos nomes de suas ex, e, por incrível que pareça, as mesmas características. Esperto, clicou na que achava que tinha magoado menos e começou a baixar. Mas um bug inexplicável iniciou o download de todas de uma vez só, concentrando só a fase final de cada relacionamento. Começou a sentir uma dor terrível na cabeça. Decidiu levantar e fechar a maldita porta da cozinha.

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