O Rock Como Ele é

O troco

Viu, no gênero que consagrou Elvis, a respostas para as suas inquietudes juvenis. Descobriu tudo ouvindo a Rádio Fluminense, que revolucionou a música brasileira na década de 80.

Tinha ciúmes do rock. Não podia ver o amado envolvido com as atividades de um legítimo fã de rock que se sentia, no mínimo, incomodada. Às vezes, iam juntos aos shows, e lá as desavenças eram batata. Bastava o rapaz começar a vibrar com uma ou outra música que ela, por instinto, o agarrava, demonstrando certa carência. Por vezes, ainda à beira da cama, depois de tórridas relações, se ele simplesmente ligasse o som, dava início a um bate-boca de grandes proporções. Achava que o namorado deveria ficar ali, abraçado a ela, sem que o tal do rock a ameaçasse.

Desde cedo se encantou pelo rock’n’roll. Levava uma vida ordinária, de casa para o trabalho, do trabalho para casa. Crescido no seio da classe trabalhadora suburbana, conseguiu à duras penas o diploma de contabilidade e fez carreira num banco popularesco de salários ruins. Viu, no gênero que consagrou Elvis, as respostas para todas as suas inquietudes juvenis. Descobriu tudo ouvindo a Rádio Fluminense, que revolucionou a música brasileira na década de 80. Nos 94,9 ouviu gente da idade dele dizendo tudo o que ele precisava falar e se entregou ao rock.

Não acreditava na máxima segundo a qual mulheres eram carentes e precisavam ser o centro do universo. Achava que a atenção de quem julgava amar era o mínimo que podia esperar numa relação. Não dava para acreditar que, em vez de iniciar uma rodada de sexo matinal ou se levantar para lhe trazer o bucólico café na cama, o sujeito fosse direto para a vitrola colocar um disco do Black Sabbath para rodar. Não que ela não gostasse de rock – era, também, fã -, mas cada coisa deveria ter o seu lugar, pensava. E o dela, claro, não poderia jamais se confundir com outro interesse do cônjuge de ocasião.

Não conseguia entender o sentimento da moça. Gostava dela e oferecia todo o amor e carinho que achava dispor. Mas tinha – e sabia disso – a vida pautada pelo rock. Sempre fora assim, primeiro por impulso, depois por opção. E queria continuar dessa forma, fosse ou não com a Fulana. Costumava deixar isso bem claro, fazendo pressão para que a moça parasse de lhe apoquentar. Admitia que ela sentisse ciúmes, achava até que era uma prova de amor às avessas, mas achava inacreditável que o personagem das cenas vexaminosas fosse justamente o adorado e impalpável rock’n’roll.

Tanto a moça fez que, no show de uma de suas bandas preferidas, que vinha pela primeira vez ao Brasil, ele a impediu de lhe acompanhar. Queria curtir a emoção única sem aqueles patéticos entraves emocionais. Ao mesmo tempo, preservaria a já desgastada relação. Súbito, entre uma música e outra, com os olhos banhados por lágrimas, avistou, não muito longe, a amada nos braços de outro. Entre uma rajada e outra de luz lançada sobre a platéia, percebeu que ela o fitava com um brilho no olhar que jamais tinha visto. Tudo que ela queria era ser mais amada que o rock.

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