Uma jovem senhora de 38 anos, com quatro filhos, duas meninas e dois meninos, feliz da vida sobre um palco se enrola em serpentinas e despeja uma garrafa d’água na cabeça. Era esse o retrato de Dolores O’Riordan no enceramento do primeiro show que o Cranberries fez no Brasil, ontem à noite, no Citibank Hall, no Rio. Antes, em cerca de uma hora e quarenta, o grupo tocou 22 músicas e até alterou o repertório para incluir uma canção que era pedida desde a entrada da banda. Era ou não era para todo mundo ficar feliz?

O baixista Mike Hogan e Dolores O'Riordan

A abertura até que foi suave, com a tímida “How”, praxe do repertório que a banda vem tocando desde que se reuniu, no ano passado. “Ficamos sete anos separados porque agora temos famílias, filhos e gostamos de curtir a vida”, disse a vocalista logo no primeiro intervalo. “Desculpem-nos por demorarmos tanto tempo para vir pra cá, essa cidade é linda, preciso vir aqui de férias”, completou, ganhando o público de imediato, antes de o grupo mandar “Animal Instinct” e “Linger” (que por aqui virou “Se a Gente Entender”, na voz de Angélica), as duas primeiras a levantar a platéia.

O’Riordan é franzina, por vezes se mexe pouco no palco, mas tem uma performance surpreendente, além de conseguir variar as tonalidades de sua privilegiada voz exatamente como faz nos discos, ou indo até mais longe, em alguns casos. Em “Waltizing Back”, já na metade final do show, ela aproveita a marcação tribal da música, cortesia do batera Fergal Lawler, para dar um show de vocalizações, numa de suas melhores interpretações da noite. Essa é uma das músicas em que o grupo estende o final com uma evolução instrumental de encher os olhos. Outras são “I Can’t Be With You”, cantada em uníssono pela platéia, e “Ridiculous Thoughts”, com Dolores se excedendo de novo.

Uma das expressões da voz de ouro

Mas o que o público mais queria ver era a banda tocando “Promises”, que teve o nome gritado à exaustão desde o início, tanto na fila do gargarejo como mais atrás, já fora do cercadinho vip. Dolores percebeu e a música foi incluída no bis, para delírio dos fãs, substituindo “Lunatic”, da carreira solo da vocalista. Bem que o público poderia ter usado o mesmo expediente para pedir “Just My Imagination”, a ótima “Stars” e “Hollywood”, mas não se pode ter todas as músicas num único show. Esperta, Dolores aproveitou a audiência de cerca de quatro mil pessoas para tascar três músicas de sua incipiente carreira solo, no que foi recebida com frieza, mas sem objeções. Além dos discretos Noel Hogan (guitarra) e Mike Hogan (baixo), o Cranberries tem Denny DeMarchi como músico de apoio, que, escondido no fundo do palco, insere teclados nas músicas, toca guitarra e violão e ainda faz vocais de apoio para Dolores.

Em “Daffodil Lament” o recurso dá certo e o grupo se vê com três guitarras mandando uma versão ainda mais tensa e ofegante da música, num outro grande momento do set. Seduzida pelo público, em “Ode To My Family”, dedicada às mulheres, Dolores O’Riordan desce no fosso à frente do palco e só consegue voltar, sã e salva, pela entrada lateral. A mais pesada e movimentada foi mesmo “Salvation”, cujo refrão monocórdico foi repetido com muita pressão no palco. No fim das contas a recíproca empatia entre público e banda garantiu uma noite memorável, aguardada há muito tempo pelos fãs, que saíram satisfeitos e felizes, assim como a mãe de família enrolada em serpentinas.

Set list completo:

1- How
2- Animal Instinct
3- Linger
4- Ordinary Day
5- Wanted
6- You & Me
7- Dreaming My Dreams
8- When You’re Gone
9- Daffodil Lament
10- I Can’t Be With You
11- Pretty
12- Ode To My Family
13- Free To Decide
14- Waltzing Back
15- Switch Off The Moment
16- Salvation
17- Ridiculous Thoughts
18- Zombie
Bis
19- Empty
20- The Journey
21- Promises
22- Dreams

O Cranberries volta a se apresentar hoje, em São Paulo, no Credicard Hall; domingo, em Belo Horizonte, no Chevrolet Hall; e na quarta, em Porto Alegre, no Pepsi On Stage. Mais detalhes aqui.

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