Havia acordado tarde sem querer naquela terça sem graça, e sabia que o dia seria fogo na roupa. Não era a intenção dele, em princípio, mas, na noite anterior, foi parar na chamada “segunda sem lei”. Nas noites do primeiro dia útil da semana, principalmente durante as férias, adolescentes e a juventude em geral resolveram se reunir no Baixo Gávea para bebericar, paquerar e otras cositas más até o dia quase clarear. Era perfeito pra ele, caso não tivesse que acordar cedo para trabalhar todas as terças, todos os dias. E aquela gente toda, não trabalhava? Era o que aquele homem de meia idade se perguntava ao tomar o 180 em frente ao número 336 da Rua das Laranjeiras, a caminho do centro da cidade.

Como estava atrasado, mal pode se recompor. Foi apenas uma chuveirada rápida na qual bebeu um pouco de água para hidratar a boca ressacada com gosto de véspera. Pensou em comer algo apressadamente, ou mesmo no caminho, mas o temor de passar mal durante o percurso o travou. Ao mesmo tempo, a cabeça doída tentava organizar a conexão entre os impulsos dos terminais nervosos do cérebro, a ponto de poder fazê-lo funcionar adequadamente. Imaginava que o combalido órgão deveria esta no “modo de segurança” ou buscando uma reserva de energia, como Arnold Schwarzenegger fazia na série “O Exterminador do Futuro”. Lembrava do filme sempre que ouvia a música “You Could Be Mine”, do Guns N’Roses.

Aos poucos as coisas iam se encaixando. Estava de pé no 184 (ou seria 180?) já no contorno do Largo da Glória, rumo à Av. Beira Mar, quando percebeu que o banho rápido não havia lhe tirado o cheiro de perfume que decerto lhe teria sido transferido de uma pequena. Não era só a noite vadia, a cerveja gelada e os atrativos não citáveis que atraíam a juventude ao Baixo Gávea. Um amigo já bem definira que aquilo ali era um verdadeiro manancial de mulher. Talvez o aroma já envelhecido viesse da mesma calça que vestiu para ir ao trabalho – era a que estava ao alcance das mãos. Do bolso retirou o celular fajuto que o salário de auxiliar de contabilidade lhe permitia ter e viu o sinal de mensagem recebida.

Um recado carinhoso de quem havia curtido a noite era assinado por Lu. Lúcia, Luciana, Luiza, Luciene, Lucimar. Enumerava esses nomes ao descer no Paço Imperial, ali perto da Praça XV. Continuava lendo o recado na tentativa de se lembrar quando atendeu a chamada de seu colega de trabalho, avisando que deveria chegar logo ao serviço, de modo a acalmar o chefe ranzinza. Era dia de passar serviço para um novo estagiário, que, a essa altura, já devia estar lhe esperando. Nessas horas, lembrava de uma obscura banda chamada Urge, que tocava na Fluminense FM nos anos 80. Uma de suas músicas era uma versão canhestra de “I Shot The Sheriff”, de Bob Marley, regravada por Eric Clapton, que tinha virado “Matei o Chefe”.

Subiu apressado pelo elevador de serviço do velho prédio da Rua do Carmo e entrou pela porta dos fundos do escritório. Assim, pôde fazer um pit stop no banheiro para passar uma água no rosto, pentear o cabelo e até lançar umas borrifadas de um desodorante que sempre carregava naquela mochila ensebada de velho rocker. Consumiu ao menos meio litro de água gelada na copa, depois de escovar bem os dentes, na tentativa de tirar o bafo da madrugada. De passagem pelo corredor, tomou um pito do chefe, que, no meio do caminho foi mudando o tom da conversa para não causar má impressão à nova colega de trabalho, ansiosa por iniciar o estágio na firma. Esta é a Lu… Luci… Luci o que mesmo, minha filha? Luciléia, Dr. Onofre, Luciléia.

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