O Rock Como Ele é

A procura

“Ainda é Cedo”, da Legião, “Tão Bem”, de Lulu Santos, e “Meu Erro”, dos Paralamas, eram faixas obrigatórias na coletânea especial que gravara como trilha sonora da busca pelo grande amor que ficara perdido no passado.

Não planejou, mas estava, de novo, frente a frente com o Google. Falando assim, parece até que usar o site de buscas mais badalado da internet era um duelo desafiador de um filme de Clint Eastwood. Para ele, naquele momento, talvez fosse. É que, de uns tempos para cá, decidira encontrar a pequena pela qual se derreteu há mais de vinte anos. De uns tempos pra cá modo de dizer. Na verdade ao menos nos últimos cinco anos ele entrara, de tempos em tempos, digitando o mesmo nome, olhando praticamente os mesmos sites, e nada. A coisa tinha evoluído para uma obsessão irresistível da qual pretendia se livrar o mais rápido possível.

Por isso procurava evitar o Google. Naquele domingo, como se vê, não conseguiu. Era só digitar a primeira letra que o nome da moça, já entre aspas, aparecia por extenso, numa doce mágica do mundo moderno. Acreditava que aquele seria o dia, como também fizera em outras datas em que nada, absolutamente nada, aconteceu. Às vezes, pensava que, lá no fundo, não queria encontrar quem tanto procurava, de modo a manter o hábito da busca. Pode parecer estranho, mas procurar alguém que um dia teve um grande significado para uma vida inteira poderia contribuir para um pouco de alento emocional e psicológico. Ademais, o prazer da busca poderia ser melhor que uma eventual decepção do reencontro, pensava.

Enquanto procurava, desenvolvia hábitos que o mantinham em sincronia com a busca em si. Quando o Google mostrava a primeira página, com os dez primeiros resultados, em 0,40 segundos, já não conseguia continuar sem levantar da cadeira do escritório e ir até a sala colocar um disco na vitrola. Tinha um computador avançado e repleto de músicas digitalizadas, baixadas ou copiadas de seu imenso acervo, de modo que com um clique teria fundo musical para mais de uma semana, sem interrupção. Mas só o som da vitrola o fazia bem naquele processo recheado de apreensão e ansiedade. “Ainda é Cedo”, da Legião, “Tão bem”, de Lulu Santos, e “Meu Erro”, dos Paralamas, eram faixas obrigatórias na coletânea especial que gravara como trilha sonora da busca pelo grande amor que ficara perdido no passado.

Ao atingir a décima página, com os resultados de 91 a 100, de mais de 70 mil, em 0,87 segundos, percebia a necessidade de refrescar a garganta. Não com água, claro. Fosse noite, fosse dia, de manhã ou de tarde, sob chuva ou com sol, partia para o refrigerador, sempre abastecido – afinal era um classemediano bem sucedido – e voltava de lá com uma gelada nas mãos. Era como se, por hipótese, estivesse a bebericar numa mesa de bar, e, ao avistar uma pequena, como incorrigível sedutor que sempre foi, partiria para o flerte. Pensava assim quando o Google não se cansava de rodar resultados sem parar, muitos - a maioria, na verdade – sobejamente conhecido por aquele incansável buscador.

Até que um dia, súbito, lá nos cafundós da internet, o nome da moça apareceu. Todo em negrito, chamava a atenção. Clica daqui, clica dali, começou a descobrir aquilo que jamais pensou que fosse encontrar. Primeiro o site, depois o endereço, o telefone, o mapa, tudo. Santa internet, diria o parceiro de Batman. Já era tarde, mas por coincidência rara, a pequena estaria trabalhando naquele número, bastava ligar e pronto. Na primeira vez bateu o telefone e se certificou que o local era aquele mesmo. Na segunda, pediu ao atendente que chamasse a moça, e, em seguida, desligou. Na terceira, reconheceu a voz rouca que tanto lhe fizera bem no passado, não resistiu, a deixou sem resposta até que a moça, brava, desistisse. Não aguentaria viver sem o prazer da busca e a incerteza do reencontro.

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