O Rock Como Ele é

Trégua

Nessas horas, ainda que a batida marcante de Stewart Copeland não lhe saísse da cabeça, se contentava em curtir a fossa descomunal descrita por Vinícius, se apoiando num lapso que poderia comprometer sua trajetória fiel ao rock’n’roll.

Achava que a cada vez que ela respirasse, a cada passo que ela desse, ele estaria ali a acompanhar. Não era de hoje que se interessava pelo Police, mas jamais havia pensado, após todos esses anos, que uma dos maiores hits da banda inglesa iria virar a trilha sonora do término de um relacionamento tão fugaz. Não que ele tivesse se transformado num psicopata a seguir a moça que o destratara sem a menor polidez, mas vivia a fantasia de que isso realmente acontecesse. Se havia, em todos os tempos, na literatura, a paixão platônica por alguém com o qual nunca se falou, poderia acontecer essa espécie de antissentimento, pensava. Prolongava, assim, aquilo que não queria que tivesse acabado tão depressa.

Tinha no trio brigão um de seus combos preferidos. Costumava se esquivar de perguntas que revelassem suas preferências musicais, pois achava que, em meio à amplitude do universo do rock, realmente não tinha uma única banda para chamar de “a melhor”. Pensava, contudo, no Police, toda vez em que tal indagação lhe era feita, de modo que, lá no íntimo, ao barbear o rosto como fazia todas as manhãs, poderia admitir a resposta. Havia outros motivos que não os musicais. Fora uma banda pioneira em sua vida, e que embalou os primeiros romances de sua juventude. Não só ela, mas, sobretudo, aquela que, embora tivesse chegado ao topo do mundo, nem sempre tinha o respeito de seus amigos.

Não concordava que uma pequena deveria lhe pertencer. Achava bobagem, machismo até, pensar assim, mas o fato é que, nesse tipo de relação, o sentimento era justamente esse, embora, em tempos politicamente corretos, não fosse mais possível a admissão. O raciocínio o fazia gostar ainda mais da letra assinada por Sting, que àquela altura parecia ter sido feita sob medida para ele. Havia sido uma ligação das boas, intensa nas horas que tinha que ser, e que não o asfixiava o tempo todo, como era comum no universo feminino. Por mais que estivesse de quatro pela amada, precisava de tempo livre para compensar com as outras coisas que considerava importantes em sua vida. Chegara a defender a tese minúscula de que não existira som se não houvesse o silêncio, citada justamente por aquele que – dizem – introduziu o estilo de tocar guitarra de Andy Summers no Brasil.

Achava o disco Synchronicity tão atraente a ponto de se interessar pelo universo do filósofo alemão Carl Young, que inspirara Sting a compor uma de suas obras mais relevantes. Mas foi achar as respostas às mesmas perguntas elaboradas pelo baixista justamente na sua vida pessoal. Ou, por outras, nem as encontrou. Apenas acreditava viver ele próprio os impasses descritos pelo compositor, num delicioso processo de transferência, mesmo em situações onde sofrer era a única opção, ainda que, no fundo, achasse tal atitude revestida de certo masoquismo. Nessas horas, ainda que a batida marcante de Stewart Copeland não lhe saísse da cabeça, se contentava em curtir a fossa descomunal descrita por Vinícius, se apoiando num lapso que poderia comprometer sua trajetória fiel ao rock’n’roll. Mas se até Sting podia, por que não ele?

Já não sabia mais quantas promessas ela havia quebrado, quando fez sinal para que uma nova dose lhe fosse servida. Não precisaria disso, já que o velho amigo sempre o atendia no momento correto, mas via no gesto uma atitude de interação com o mundo, num período em que andava fora do ar. Cada gole a mais o fazia lembrar o processo de multifuncionalidade imposto pelo mundo moderno, ao mesmo tempo em que o movimento no point rock da cidade aumentara consideravelmente, a ponto de ele sentir o cheiro de flores no ar. Tanto que decidiu socializar o comportamento vigia proposto pelo hit em outras direções, convertendo o drama da perda no prazer da sedução. A cada vez que elas respirassem, a cada passo que elas dessem, ele estaria ali para conquistá-las.

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