O Rock Como Ele é

Pesadelo

No orkut, scraps mal educados clamavam por uma atenção que ele, dormindo, não poderia ter dispensado nem à Lemmy Kilmister, que é Deus.

Não gostava de olhar para o retrovisor, mas às vezes as imagens do passado apareciam bem na sua frente. Não que não tivesse apreço pelos bons momentos da vida, muito ao contrário. Nem esses eram tão poucos assim. Mas sabia que, apegado à nostalgia, jamais conseguiria produzir novas situações que, no futuro, se juntasse a esse passado num conjunto de memórias perenes, principalmente na hora de prestar contas com o coração, em algum momento da vida. Tinha essa quase paranóia circulando pela cabeça o tempo todo, embora jamais assumisse isso, nem para si próprio, exceto em momentos de reflexões mais profundas. Sem solução plausível para o problema, foi dormir com tudo isso martelando a cabeça.

Conhecera aquela garota no facebook. Era uma das redes sociais na qual a entrada era mais recente, de modo que curtia bastante a novidade, ao mesmo tempo em que não sabia ao certo como proceder em determinadas situações. Não era do tipo que, ao pular de um desses brinquedos virtuais para outro, desprezava o anterior. Via vantagens e desvantagens em todos: orkut, myspace, msn. No começo não era assim. Cético, jamais se interessava por esse tipo de atividade. Com o tempo foi cedendo, cedendo, até usar o argumento padrão “não se pode ficar de fora” para contemporizar com seus amigos mais velhos, que condenam com veemência a prática.

Havia dormido mal. Ou, por outra, demorou a dormir. Tentou de tudo para pegar no sono, mas o processo foi tão lento que mesmo antes de apagar percebeu que teria menos horas de descanso do que o imaginado, considerando que cultivava o hábito de despertar bem cedo. Mas dormira mal, também. Foi uma daquelas noites em que pequenos pesadelos se intercalavam com momentos de lucidez e embaralhavam tudo na sua cabeça. Não sabia, nesses momentos, o que era sonho e o que era realidade. Nessas ocasiões acordava exausto e fisicamente acabado, com dores pelo corpo e a cabeça explodindo. Se arrependia de não ter bebido na véspera, já que até a ressaca de um porre fenomenal seria mais suave naquele momento.

Só quando levantou e se dirigiu ao velho computador é que percebeu que a máquina dormira ligada. Esquecera, na noite anterior, de proporcionar ao equipamento o repouso que a vida rotineiramente lhe negava, e assim achou, por um momento, que estava tudo quite entre os dois. Aproveitou, ainda absorto pela noite ruim, para ver o que se passara na vidinha básica do mundo virtual durante a madrugada. Percebeu que, no facebook, um papinho particular o tratava como uma pessoa de poucas qualidades relacionais. No msn, a pequena que conhecera o chamara diversas vezes e estava uma arara por não ter obtido resposta . No orkut, scraps mal educados clamavam por uma atenção que ele, dormindo, não poderia ter dispensado nem à Lemmy Kilmister, que é Deus. E no myspace a fúria tinha ares de trilha sonora.

Encarava com ironia o fato de o mundo virtual ter se voltado contra ele justamente após uma mal fadada noite de sono. Era como se todos os demônios virtuais – se é que existem – saltassem para fora da tela do computador, numa cena dantesca de arrepiar mesmo ele, fã do clássico “Evil Dead 2”, que Sam Raimi dirigiu muito antes de ganhar fama com “Homem-Aranha”. Tentou explicar a situação, mas foi em vão. Não só a pequena o destratara, furiosa, como todos os programas de relacionamento pareciam atacá-lo. Até o mouse de estimação e o teclado que mimava há mais de dez anos não respondiam aos seus toques. Quando acordou e viu o PC desligado, percebeu que o dia não havia clareado e resolveu dormir de novo.

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