Há os que apontam o novo disco do Cachorro Grande, “Cinema”, como um genérico do grupo; outros vislumbram experimentações e mudanças; mas não há os que não se encantem com um bom show de rock como os gaúchos fazem. Já com cinco discos nas costas, o grupo soube escolher muito bem o repertório, ontem, no Circo Voador, no Rio. Parece simples, mas nem sempre se consegue concatenar um set list de modo a não decepcionar os fãs das antigas e a introduzir as músicas do novo disco que ainda não bombaram o bastante em canais de mídia como a MTV, onde o grupo é habitué. Ao todo, foram cinco, a começar pela estranha “O Tempo Parou”, que deu ares de introdução para uma noite memorável de puro rock, bem tocado e exacerbante.

O público, apenas razoável, provou que já conhece “Dance Agora” e começou por ela a se divertir a valer. Em “Hey, Amigo”, eram todos íntimos entre si, deixa perfeita para o sotaque gaúcho encalacrado de Beto Bruno dizer “boa noite galera do Rio!”. “Que Loucura!”, música que há muitos anos era a escolhida para uma jam session tomar conta do palco, ganhou uma versão curta, no primeiro bloco, e chegou a causar vertigens em quem esperava as viagens de Marcelo Gross. A apreensão só se desfez na parte final do set, curiosamente em “Bom Brasileiro” (turbinada na segunda parte pelos versos “Queimava fumo o tempo inteiro / Conhecia o Rio de Janeiro), e na dobradinha “Dia Perfeito”/“Vai T. Q. Dá”, essa sim com direito a uma excepcional viagem instrumental e a várias citações “incidentais” do arquivo rock’n’roll de Beto Bruno.

Porque com o Cachorro grande é assim. Se um dos integrantes começa num acorde, o outro responde, um terceiro sugere o andamento e tudo se transforma numa barulheira dos diabos. Não por acaso cada um cuida muito bem de seu instrumento. Se Marcelo Gross é o destaque óbvio com guitarras solantes a cada pequeno trecho de música, o baterista Gabriel Azambuja e seu kit enxuto não ficam atrás com incríveis variações e uma pegada pesadíssima, seguida milimetricamente pelo baixista Rodolfo Krieger. Até o pianista Pedro Pelotas, antes discreto, agora se assanha com efeitos da fase psicodélica do Pink Floyd, e a voz de Beto Bruno, de timbre próprio, é a cara da cachorrada.

Em “A Alegria Voltou”, se Azambuja assume os vocais, o canhoto Beto Bruno se encarrega de uma segunda guitarra e faz par perfeito com Marcelo Gross, resultando num crescente final excelente. A configuração continua em “Ninguém Mais Lembra de Você”, outra das novas, engatando o auge da noite – em que pese o volume do bom som do Circo Voador, a essa altura explodindo os ouvidos mais sensíveis. Não por acaso os gritos de “mais um” ecoaram alto depois dos clássicos “Lunático” e “Sexperienced”. O bis veio com o hit que primeiro colocou o Cachorro Grande no mainstream. “Você Não Sabe o Que Perdeu” encerrou uma noite de rock soberba em clima de festa, num aprova de que, se o negócio é palco, podem soltar os cachorros.

Na abertura, Nervoso trouxe seus Calmantes nada tranquilos. Agora com dois guitarristas, o grupo se revela mais agressivo, incluindo também a postura do vocalista, mais solta sem a guitarra dependurada como no passado, só com um teclado de apoio. Em generosos 60 minutos, deu para apresentar músicas novas (do disco que leva o nome do grupo) como “Kit-Homem” e a ótima “Candidato a Amigo”, e ainda relembrar “hits” como “Bom Veneno”, sempre sinistra com Nervoso, e “Já Desmachei Minha Relação”. E ainda rolou uma cover “lado b” do Rei Roberto Carlos e uma ou duas músicas inéditas, num bom aquecimento para o show principal.

Set list completo Cachorro Grande:

1- O Tempo Parou
2- Dance Agora
3- Hey, Amigo
4- Conflitos Existenciais
5- Que Loucura!
6- Desentoa
7- Deixa Fudê
8- Roda-Gigante
9- As Próximas Horas Serão Muito boas
10- Amanhã
11- A Alegria Voltou
12- Ninguém Mais Lembra de Você
13- Bom Brasileiro
14- Dia Perfeito
15-Vai T. Q. Dá
16- Sinceramente
17- Lunático
18- Sexperienced
Bis
19- Você Não Sabe o Que Perdeu

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