Rock é Rock Mesmo

Plantão médico

Eternidade dos heróis do rock não lhes tira a efemeridade da vida; como é difícil conviver com as cruéis limitações impostas pelo tempo

Meus amigos, a maré não está pra peixe. Digo isso não como força de expressão ou usando aquele artifício barato para inicia esta coluna – que, diga-se tem estado bem atrasadinha. É que o bicho está pegando mesmo. Lembro de um grande editor com o qual trabalhei que, inspirado naquele papo (cada vez mais) velho da morte do CD, escreveu um editorial inteirinho tendo como mote a morte. Poderia ser algo de mau gosto, não fosse o texto fluente e descontraído por si só. Mas, vamos e venhamos, o tema não é realmente dos mais auspiciosos, ao menos se você não é o Zé do Caixão. Eu, ao menos, não sou.

Disse isso, mas não vou fugir da raia, não. E devo dizer que nem sei se o assunto é morte, que me atingiu de forma pessoal recentemente. Sinceramente espero que não seja. Ocorre que, redigindo notícias para esse site no qual sou senhorio e inquilino, tenho me deparado com informações que dependem de certo conhecimento médico, já em português, quiçá em inglês. Comentava isso com a amiga Chris Fuscaldo numa carona que peguei entre a Barra e Laranjeiras, tudo para escutar trechos das músicas dos Beatles remasterizadas antes e fazer uma materinha. Como sempre, aliás.

Não sei se os amigos acompanharam as últimas dessa espécie de plantão médico do rock, que se assim continuar, pode até virar seção, já pensou? Pois nos últimos tempos, o bom e velho David Coverdale teve que encerrar um show do Whitesnake mais cedo por conta de uma séria lesão nas cordas vocais. O não mais moço Steven Tyler, do Aerosmith, caiu do palco, levou vários pontos na cabeça e machucou a clavícula. O guitarrista Zakk Wylde, do Black Label Society e recém dispensado por Ozzy Osbourne, cancelou uma turnê inteira ao apresentar coágulos sanguíneos pelo corpo. Jon Anderson foi temporariamente substituído no Yes para se recuperar de problemas pulmonares.

Graças aos Deuses do rock todos passam bem, mas esse rol de boletins médicos me fez ver que, via de regra, todos esses caras, de uma forma ou de outra, morrerão antes de mim. Ou, por outra, terei que vê-los indo embora para sempre, um a um, e ainda noticiarei, em algum lugar, a partida deles. Refiro-me não só a esses parcos exemplos, mas a todos que aprendi a admirar olhando de baixo, lá em cima do palco. Embora não seja eu mais garoto, a grande parte deles é bem mais velha que eu, e se nada acontecer fora das regras da vida, os verei partir. Confesso que não estou preparado para isso.

Nunca vi, nos ídolos do rock, a feição humana. Para mim, todos sempre foram e sempre serão super heróis do rock, e, portanto, eternos. Nunca me passou a possibilidade humana do fim para esses ícones, e é fato que eles para sempre serão vivos no mundo do rock. Mesmo aqueles que já se foram. Vejam o Keith Moon. Via outro dia um DVD do Who e lá estava ele, palhação como sempre e tocando como nunca. É como se estivesse vivo. E, no mundo do rock, está. É legitimamente imortal. Digo isso não só como opinião e constatação dos fatos, ainda que de forma lúdica, mas, sobretudo, como uma legítima profissão de fé.

Acontece que a fragilidade humana é algo absolutamente atroz. O super herói vive para sempre; o homem não. Vejam o caso do Kiss. Seguramente eles não pensaram nisso quando bolaram aquelas roupas extravagantes, mas hoje, por trás delas, eles são os mesmos de sempre, literalmente. Pode-se cogitar, inclusive, se o mascarado lá atrás, na bateria, é mesmo o integrante que diz ser. Em 1999, no show de São Paulo, havia quem duvidasse que fosse mesmo Peter Criss lá nas baquetas, dada a vitalidade ao espancar os tambores. Quando não estiverem mais entre nós, possivelmente quem obtiver por lei o legado poderá colocar outros quatro sujeitos com aquelas roupas e sair por aí com as letras garrafais cheias de luzes às costas.

Sim, meus amigos, ninguém é insubstituível. Vejam que até o Queen conseguiu um alguém a altura para o lugar de Freddie Mercury, e ficou muito bom, mesmo sem o artifício indumentário do Kiss. Mas o mundo do rock é bem mais legal sem a finitude dos mortais. Tanto que eternizamos nossos ídolos e o rock continua. Nada disso, contudo, substitui a dor da perda de um Kurt Cobain ou de John Lennon, ainda mais com o componente trágico que a trajetória deles reservou. Elvis não morreu e Hendrix está vivo, mas confesso que não tenho estrutura para ver todos os meus heróis, um a um, sucumbirem a efemeridade da vida. Que esse momento não chegue nunca. Rock para sempre.

Até a próxima, e long live rock’n’roll!!!

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