Fazendo História

No primeiro show no Brasil, Radiohead toca íntegra do último disco em espetáculo visual caprichado

Cobertura do show do Radiohead dentro do festival Just a Fest, dia 20 de março de 2009, no Rio. Publicado originalmente no UOL Música. Foto: Publius Vergilius/UOL.

radioheadriouolA espera acabou. Depois de tantas promessas em torno da vinda do Radiohead ao Brasil, os cerca de 24 mil fãs que compareceram essa noite à Praça da Apoteose, no Rio, puderam ver o show seguramente mais aguardado dos últimos tempos.

Em pouco mais de duas horas o grupo tocou, como tem feito nessa turnê, 25 músicas, com ênfase no último disco, “In Rainbows”, que teve todas as suas dez faixas incluídas no repertório. O Radiohead foi a principal atração do Festival Just a Fest, que teve ainda as apresentações de Kraftwerk e do Los Hermanos, se reunindo especialmente para a ocasião.

Antes de o show começar, os telões exibiam pedidos da banda para que o público não praticasse “moshing”, não usasse câmeras ou flashes, e que luzes estroboscópicas seriam usadas. O palco era todo cortado por objetos cilíndricos que iam do piso ao teto, em seu contorno, e no centro eram interrompidos a cerca de três metros de distância do piso, onde os músicos tocavam logo abaixo.

Esses objetos recebiam projeção de luzes de variadas cores e formatos que os faziam parecer lâmpadas fluorescentes gigantes. Luzes lançavam um feixe na horizontal que saturava o ambiente nas cores mais diversas, resultando num efeito extraordinário. Câmeras de segurança espalhadas pelo palco registravam as performances individuais de cada integrante, que eram lançadas ao vivo num grande telão no fundo do palco, e em dois menores, nos lados.

O show do Radiohead é do tipo em que o público, ao ouvir a primeira nota da música a ser tocada, já entoa suspiros de satisfação. Foi assim com a percussiva “15 Step”, que abriu a noite, e com “There There”, na qual a dupla de guitarristas Ed O’Brien e Jonny Greenwood assumiram os tambores no início.

Dentre todos na banda, Jonny é o mais inquieto, assumindo por vezes um dos teclados, extraindo ruídos de sua pedaleira e até tocando xilofone na bela “No Surprises”, um dos melhores momentos da noite. Tudo isso com certa discrição, enquanto Thom Yorke se encarrega de ser o centro das atenções.

O líder do grupo foi outro que se revezou entre guitarra e teclado, mas também cantou sem tocar instrumento algum, quando aproveitou para mostrar mais seu lado performer. Ao vivo, mostrou uma motivação que parece lhe faltar nas gravações feitas em estúdio, sempre arrastadas e chorosas. É o que aconteceu em “The Gloaming”, no qual os efeitos de luz simulam uma chuva fina, e em “Idioteque”, quando entrou num transe convulsivo.

Yorke, embora fale pouco –quase sempre para agradecer– também interage com o público. Em “Karma Police”, uma das grandes surpresas no repertório, ele garantiu um segundo final cantando à capela, enquanto foi acompanhado pelas palmas da platéia. Mesmo debaixo de efeitos de sustentação, mostrou boa capacidade vocal. Na singela “Faust Arp”, o público não se conteve e aplaudiu no meio da música.

O repertório também foi dividido de modo que realçasse duas dicotomias típicas da carreira do Radiohead, e que têm pautado o indie/pop rock mundo afora. Uma é a alternância entre passagens mais calmas, no início das músicas, e outras mais urgentes, quando elas embalam. Acontece, por exemplo, em “Nude”, cuja dramaticidade é reforçada pela luz, e em “How To Disapear”, no encerramento do set.

O outro paradoxo bem resolvido é a convivência entre temas mais eletrônicos em harmonia com outros mais organicamente voltados para o rock. A já citada “Idioteque” e “National Anthem” se transformaram em batidões pesados, mas que se identificam, ainda assim, com rocks dos bons como “Just”, já no primeiro bis, e em “Videotape”, cuja ferocidade a distanciou da versão de estúdio.

Já no segundo bis, duas cenas inusitadas chamaram atenção. Em “You and Whose Army”, Thom Yorke tocou um teclado posicionado no centro do palco e encarou uma das mini-câmeras, colocando em close, no telão, seu famoso olho esbugalhado. No caso do Radiohead, os telões também são arte, de modo que os integrantes do grupo só aparecem em posições pouco convencionais: não servem para mostrar detalhes para quem está mais longe.

No início de “Reckoner”, O’Brien não se conteve e soltou, em bom português, um “bom pra caralho”. A essa altura o público já esperava, para fechar, “Creep”, que melhor emblematiza o início de carreira do grupo, ao passo que se contentava com a maior ausência da noite: “Fake Plastic Trees”.

O Radiohead assegurou ao público brasileiro um espetáculo identificado com sua trajetória. Ou seja: moderno, mas sem ser moderninho.

Veja as músicas que o Radiohead tocou no Rio de Janeiro:

“15 Step”
“Airbag”
“There There”
“All I Need”
“Karma Police”
“Nude”
“Weird Fishes/Arpeggi”
“The National Anthem”
“The Gloaming”
“Faust Arp”
“No Surprises”
“Jigsaw Falling Into Place”
“Idiotheque”
“I Might Be Wrong”
“Street Spirit (Fade Out)”
“Bodysnatchers”
“How To Disappear Completely”

Bis 1
“Videotape”
“Paranoid Android”
“House of Cards”
“Just”
“Everything In Its Right Place”

Bis 2
“You and Whose Army?”
“Reckoner”
“Creep”

Impacto visual do Kraftwerk aquece platéia

O show apresentado pelo Kraftwerk não chega a ser novidade no Brasil, onde o grupo já esteve em duas outras oportunidades. Mas essa foi a primeira vez para uma platéia tão grande e num local aberto. O fato de quase toda a lotação da noite ter chegado cedo, graças ao fenômeno Los Hermanos, contribuiu para que os alemães tivessem sucesso na empreitada de suavizar a ansiedade pelo show do Radiohead.

Se o Kraftwerk fazia música eletrônica antes de ela própria existir, as projeções sempre foram ferramentas indissociáveis do grupo. “The Man-Machine”, a música de abertura, é a prova. Sem os versos da letra ampliados no telão, o efeito não seria tão devastador. Ela traz um dos temas preferidos do quarteto: a mecanização. Junto com o transporte e o “futuro retrô”, como o homem imaginava que seria o futuro há muitos anos, forma o tripé que sustenta a música que já foi a vanguarda mundial da eletrônica.

A dobradinha “Numbers”/”Computer World” ajudou a sintetizar a temática cubista do grupo, onde até os tempos da guerra fria vêm à tona. Em “Tour de France”, “Trans-Europe Express” (nome de uma empresa ferroviária européia) e “Autobahn”, variações sobre o mesmo tema são mostrados no telão, com destaque para esta última. Em “Robots”, os quatro integrantes foram substituídos no palco por bonecos, deixando a dúvida se é realmente necessária a presença deles para que tudo se desenvolva.

O retorno se deu com a nova indumentária, para completar a hora exata da apresentação, com “Aero Dynamik” e “Music Non Stop”, que fez sucesso já nos anos 80, com direito ao clipe reformado sendo exibido nos telões. Um desfecho bem previsível, mas que, quase como música de fundo, foi de boa serventia para o público.

Veja as músicas que o Kraftwerk tocou no Rio de Janeiro:

“The Man-Machine”
“Planet Of Visions”
“Numbers”
“Computer World”
“Tour de France”
“Autobahn”
“Model”
“Computer Love”
“Les Mannequins”
“Radioactivity”
“Trans Europa Express”
“Robots”
“Aero Dynamik”
“Music Non Stop”

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