O Homem Baile

Sintonia fina

Apresentação desconstruída e rica em detalhes do Radiohead encanta plateia afinada no Rio. Fotos: Nem Queiroz.

O vocalista do Radiohead, Thom Yorke, ataca com uma de suas armas e lança o olhar m

O vocalista do Radiohead, Thom Yorke, ataca com uma de suas armas e lança o olhar maligno...

Já parecia que seria o final de uma noite para se anotar no caderninho quando três guitarras são valorizadas na beirada de palco, de uma maneira diferente. No centro, um vocalista desengonçado que faz disso seu principal approach, e, um de cada lado, dois guitarristas essencialmente inquietos, sobretudo o de menos estatura, que não se cansa de – ao menos tentar – se reinventar. O público, contemplativo e, por assim dizer, sensitivo na maior parte do tempo, desanda a bater palmas no ritmo da música, em um pula-pula bonito de se ver. É Thom Yorke, o tal cantor, Ed O’Brien e Jonny Greenwood, os tais guitarristas, enlouquecendo o enternecido público do Radiohead com “Bodysnachers”, que parece moderna mais de uma década depois, em uma Arena Olímpica cheia pra dedéu, no Rio, na noite desta sexta (20/4). E nem era “Creep”.

E ainda tinha muita coisa para acontecer, em uma apresentação sólida e rica em detalhes, e que, no afã de não se tornar repetitiva, tem um repertório que se modifica noite após noite, embora mantenha uma estrutura guia de umas 14, 16 músicas. A passagem de som de cada show, segundo consta, tem a banda inteira tocando oito, 10 números que servem de ensaio e nem sempre entram todos na mesma noite. Assim, a grande novidade é “True Love Waits”, em versão acústica-solo-sem graça de Yorke, no início do segundo bis, mas também realçam as inclusões da bela “No Surprises”, reconhecida de pronto pelo público, com Greenwood se virando no xilofone; “Lucky”, uma das que Yorke toca guitarra, e uma da poucas em que surge um solo de guitarra, digamos, convencional; e a pesada “Lotus Flower”, turbinada por uma tecladeira retrô jorrando pelo ladrão de tanto efeito. E registre-se, como ausências (nada do “Pablo Honey” e uma só do “The Bends”, os dois primeiros álbuns): “Fake Plastic Trees” e – ninguém é perfeito - “Creep”.

O guitarrista Jonny Greenwood, sempre em busca de renovação com a parafernália técnica do Radiohead

O guitarrista Jonny Greenwood, sempre em busca de renovação com a parafernália técnica do Radiohead

A paisagem do palco também ajuda a entender uma banda absolutamente incomum. Sem laterais, o fundo estampa um telão de baixa definição em formato de elipse irregular – como um ovo gigante deitado – onde as imagens dos músicos são recortadas e coladas, para serem exibidas misturadas. Cada música tem um tom de cor só, pastel, sem realce; ou tudo verde ou tudo azul, amarelo, vermelho. No alto, na frente, um globo espelhado daqueles das pistas de dança espraia luz sobre o público entre uma música e outra, para que mudanças de leiaute causadas pela intensa troca de instrumentos aconteçam. O que prejudica a dinâmica de um show, que - a bem da verdade - é tão desconstruído que nem dinâmica se torna importante. Na parte de trás, um segundo baterista (Clive Deamer, e tem sido assim já há uns sete anos) se junta a Philip Selway, e no meio deles o baixista Colin Greenwood se converte em regente dos dois. Na frente, entre microfones, pedais, guitarras, teclados e uma parafernália do cão, brilha o trio mais inventivo do Radiohead, aquele citado no início do texto. Mesmo sem “Creep”.

Sobretudo Yorke, cuja esquisitice que lhe é peculiar tem se transformado em atrativo de frontman que possivelmente ele próprio não sabia que tinha. E dá-lhe dancinha bombando nas redes. Em “Identikit”, umas das seis que predominam do disco mais recente, “A Moon Shaped Pool”, de 2016, ele se acaba antes de a música ganhar uma mudança de andamento de fazer inveja ao rock progressivo, uma eterna fonte jamais admitida no meio indie. Faz da pandeirola sua amiga íntima em “I Might Be Wrong”, e, honra seja feita, segue com a voz em dia, realçando falsetes difíceis de alcançar com o passar do tempo, caso de, por exemplo, a já citada “Lotus Flower” e a boa “Everything in Its Right Place”. Se as duas baterias muitas vezes não valem por uma, ou se três guitarras juntas pouco aumentam a intensidade possível sobre um palco, tudo isso serve para – repita-se – reforçar o apelo desconstrutivista de uma banda que, se superestimada em várias instâncias, segue marcando presença no imaginário da música globalizada, muito além do sonho indie do aplauso enxuto, ensimesmado.

Frontman inesperado, Thom Yorke, muito mais à vontade no palco, aqui concentrado em tocar maracas

Frontman inesperado, Thom Yorke, muito mais à vontade no palco, aqui concentrado em tocar maracas

Visualmente menos impactante que a turnê de 2009, a primeira a passar pelo Brasil, o show também mostra uma banda mais segura, em que pese o local fechado que confere certo intimismo. Na época, a Praça da Apoteose teve o reforço do público do Los Hermanos (relembre); 24 mil versus 12 mil ontem, numa conta grosseira. Que, se contidos, se divertem pra valer em números como “Paranoid Android”, recebida com uma devoção quase bíblica no segundo bis; “Street Spirit (Fade Out)”, de tom sombrio e mesmo assim querida por todos, que entrou em cima da hora, no lugar de “Optimistic”; e na pulsante “Weird Fishes/Arpeggi”. Sem falar – e já falando – no ótimo desfecho com a bela “Karma Police”, que se impõe por si só e deixa como herança a cantoria reforçada no verso final, (“I lost myself”) repetido desde então para todo o sempre por um público que bem merecia uma recompensazinha a mais. Mas, pensando bem, em um cenário desses, quem precisa de “Creep”?

Na abertura – o evento se chama Soundhearts Festival, a propósito – o Junun, projeto que reúne músicos israelitas e indianos, com o plus do guitarrista Jonny Greenwood, marcou presença em uma versão reduzida, com muita percussão e um trompetista que se destaca na turma. A apresentação, curta e essencialmente percussiva, bem que animou o público, mas que parecia show de outro festival, o ótimo MIMO, ah, parecia. Depois, todo mundo, a julgar pela (falta de) reação, sofreu com a terrível apresentação do Flying Lotus. Trata-se de Steven Ellison, rapper e DJ que atua em uma mesa ensanduichada por dois telões, cujas projeções, em tese em 3D, causam mais impacto do que o baticum que mal dá para chamar de música. Um castigo cruel para quem chegou mais cedo a fim de alcançar um bom posicionamento para o show do Radiohead na Arena.

Vista do palco aberto do Radiohead, com o telão gigante em forma de elipse irregular no fundo

Vista do palco aberto do Radiohead, com o telão gigante em forma de elipse irregular no fundo

Set list completo Radiohead:

1- Daydreaming
2- Ful Stop
3- 15 Step
4- Myxomatosis
5- Lucky
6- Nude
7- Pyramid Song
8- Everything in Its Right Place
9- Let Down
10- Bloom
11- Reckoner
12- Identikit
13- I Might Be Wrong
14- No Surprises
15- Weird Fishes/Arpeggi
16- Feral
17- Bodysnatchers
Bis
18- Street Spirit (Fade Out)
19- All I Need
20- Desert Island Disk
21- Lotus Flower
22- The National Anthem
23- Idioteque
Bis
24- True Love Waits
25- Present Tense
26- Paranoid Android
27- Karma Police

Abertura: Jonny Greenwood, ao lado dos integrantes do Junun, no qual o trompetista se destaca

Abertura: Jonny Greenwood, ao lado dos integrantes do Junun, no qual o trompetista se destaca

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