Rock é Rock Mesmo

O Rei do Pop, enfim, será enterrado

Michael Jackson está morto há pelo menos 18 anos, mas só agora tem o atestado da mídia para virar definitivamente um mito

Meus amigos, o que é a natureza. Vejam vocês que – como já disse – às vezes a imprensa descobre o Brasil. Outro dia, por exemplo, o pomposo Jornal Nacional percebeu que os usuários dos trens suburbanos do Rio são mal tratados nas estações. E a coisa rendeu para pra mais de quinze dias na imprensa escrita. Pois eu mesmo já fui um desses usuários e garanto que é assim há mais de vinte anos. Ou, por outra, até melhorou um pouco. Mas não era isso que eu queria dizer. O caso é que não é só o Brasil que a mídia descobre, mas o mundo. Outro dia, por exemplo, descobriram que Michael Jackson havia morrido.

Pois Michael Jackson já está morto há, pelo menos, uns 18 anos, quando lançou seu último esboço de trabalho artístico. E mais. Arrisco que Jackson começou a morrer no dia em que gravou o primeiro take de “Thriller”, que saiu 1982, o disco que mais vendeu em todos os tempos. Só que, tal qual um defunto ambulante, ele se recusava a ser enterrado. Vivia por aí sustentando vícios e uma obsessão sem limites em querer ser branco – justo ele, um dos maiores representantes da música negra americana em todos os tempos. Era adepto de insanidades como balançar um bebê numa janela, em frente aos jornalistas, ou ter filhos adotando procedimentos que até hoje não se sabe quem são os pais. Cometia crimes como o da pedofilia, um grande mal da sociedade globalizada, e ainda se valia de subornos milionários para se safar das acusações. Para ser considerado morto, entretanto, precisava do carimbo da mídia.

Disse isso tudo e já estaco. Porque antes de ser um morto vivo que se recusa ser enterrado, Michael Jackson tinha talento. Qualquer basbaque sabe disso, ainda mais se assistir aos milhões de vídeos que estão circulando na web desde o fatídico 25 de junho de 2009. Com dez anos ele já era o performer principal do Jackson Five, dançava imitando James Brown e começava a moldar o estilo que o consagraria em “Thriller” – um disco que, se vendeu tanto, ruim não é. Michael se juntou a muita gente boa para virar o Rei do Pop, aproveitando também, como poucos, a época de ouro do videoclipe e encher o cofre. Era, até então, um artista em estado pleno, gostassem ou não do tipo de música que fazia.

Eu, como sou a favor do rock, sempre o abominei. Como os leitores de longa data sabem, sou do tempo em que surgiam grandes heróis no rock, e Madonna e Michael Jackson sempre foram os terríveis vilões. Mas não sou tolo a ponto de não enxergar a trajetória de um postar de dimensões planetárias antes mesmo de o mundo ser verdadeiramente globalizado. Sim, o sucesso mundial de Michael Jackson antecede à globalização. Não sei se hoje, contudo, as duas coisas seriam compatíveis. Só que ele sucumbiu a si próprio e ao sucesso de proporções gigantescas e se transformou naquela figura bizarra: um negro que virou branco de plástico, como se fosse uma boneca Suzy, da Estrela.

Era assim, meus amigos, inclusive, que a nata da crônica musical, no Brasil e no mundo, o tratava. Como uma coisa bizarra, “freak”, um morto vivo ambulante que se esquecera de deitar no caixão. Só, que, sabemos todos, a morte apazigua os ânimos, e, depois de morto, Michael Jackson vira unanimidade. Aqueles que o reconheciam como uma figura grotesca agora passam o dia na TV lhe dando as glórias de uma vida de talentos, de um – como diriam os cafajestes dos programas dominicais – “exemplo de vida”. Alguns, ainda maquiando o enrubescer dos rostos, apontam a fase Jackson Five como a preferida, em que Michael Jackson era “roots”. Para o bem de si próprios, passam verniz na imagem eminentemente artística e ignoram o conjunto da obra.

Eu, entretanto, não os condeno. Os que pertencem à crônica musical são, também, humanos como aqueles negros do Harlem, que, ao saber da morte juramentada de Michael, têm vontade de ouvir suas músicas. E é assim no mundo todo, dos olhos rasgados do chinês que chora na calçada ao Morro Dona Marta, aqui perto de casa, onde o defunto tentou ressuscitar certa vez. Mesmo o Maluco da Praça quer tirar uma casquinha do i-Pod do classemediano mais próximo, onde, há uma semana, o repertório de Michael Jackson e adjacências toca sem parar. Se Roberto Marinho, depois de morto, ganhou a benesse da unanimidade por que não o Rei do Pop?

Ademais, de agora em diante, Michael Jackson passa de defunto ambulante a mito. Não que antes já não o fosse, porque mito não nasce nem morre, simplesmente é. Só que agora é ainda mais mito do que antes. Morto e enterrado, não poderá cometer as insanidades que vinham se tornando cada vez mais frequentes. No além, até onde se sabe, não há registros de consumo ou gastos de bens materiais. Não poderá, também, rasgar dinheiro com fazia, a ponto de converter dívidas implacáveis e viver liquidado. Só com as receitas dos direitos autorais (e sem Michael para torrá-las) os herdeiros rapidamente saldam as dívidas para poder sustentar o mito. E, naturalmente, faturar com ele, fazendo a roda do capitalismo girar em torno do consumismo americano e mundial.

O mito, agora, sem a autodestruição de Michael, poderá ser laureado, floreado e descrito à guisa do mercado pop e para satisfazer à procura dos fãs. Agora mesmo, nesse exato momento, livros estão sendo escritos, edições especiais de revistas semanais finalizadas, revistas de música em edições especiais sendo concluídas, encartes de coletâneas sendo produzidos e CDs sendo prensados a torto e a direito. É preciso construir, reconstruir e manter o mito. Afinal estamos diante do Rei do Pop. E podem anotar que no mundo globalizado que ora se estabelece não teremos outro jamais.

Até a próxima, e long live rock’n’roll!!!

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Comentários enviados

Apenas 1 comentários nesse texto.
  1. Sandra em julho 6, 2009 às 12:41
    #1

    A Suzy até que era bonitinha. MJ estava mais para Bratz!

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