Rock é Rock Mesmo

Festival mostra renovação no heavy metal brasileiro

Silence Means Death, de Vitória, vence a disputada final do concurso que escolheu a representante brasileira para o maior festival do gênero no mundo

Meus amigos, às vezes o passado bate à sua porta. Vejam vocês que, no último domingo, voltei a Campo Grande, o distante bairro da zona oeste do Rio, depois de quase 20 anos. Ou teria sido mais? Não importa. Duas décadas é coisa pra dedéu. E, acreditem, o que me levou de volta à saudosa Big Field foi, de novo, o rock. Como aconteceu na década de 80. Se a memória não me falha, naqueles idos estive pela última vez por lá no Teatro Artur Azevedo. Mas pode ter sido o clube Luso Brasileiro também. Não importa.

O que conta é que tive a honra de ser um dos jurados da finalíssima nacional do Metal Battle Brasil, que escolheu uma banda para participar da competição promovida pelo maior festival de heavy metal do mundo, o Wacken Open Air, na Alemanha. Já falei do assunto aqui há pouco tempo, quando participei da eliminatória do Rio de Janeiro, mas domingo foi – repito – a final nacional, que reuniu bandas de 11 cidades brasileiras, de 10 estados diferentes. Ou seja, quase metade desse Brasilzão participou fazendo seletivas e classificando suas respectivas bandas. Venceu, com muito mérito, a novata Silence Means Death, de Vitória, no Espírito Santo.

Disse novata, mas não chego a ter certeza. O fato é que, nesse ano, não havia banda conhecidas ou tarimbadas entre as concorrentes. Das 11, eu próprio só conhecia a Dark Tower, aqui do Rio, com a qual só fui ter contato na eliminatória que aconteceu há pouco tempo. Mas posso dizer que dentre as 11, à exceção de uma abaixo da crítica, e outra, na verdade uma banda cover com músicas próprias, todas representaram muito suas cidades e respectivos estados. São bandas que vieram respaldadas por eliminatórias locais e passaram pelo crivo de jurados de cada cidade, por isso, via de regra, fizeram boas representações.

Coincidência ou não, as 11 bandas revelaram um bom panorama do novo metal brasileiro contemplando uma extensa gama de subgêneros do metal. Tinha thrash, death, death melódico, hard rock, industrial, gothic metal, metal melódico, cruzamento metal/punk, black metal e o escambau. Se fosse para pinçar exatamente uma banda representando cada uma dessas correntes do metal, o resultado não teria sido tão diverso. Para aqueles que julgavam o heavy metal brasileiro liquidado, essa final do Metal Battle Brasil foi suficiente para se ter muita confiança no que ainda está por vir.

Falei tanto das bandas e não fiz, ainda, o mais importante, que é citar o nome das fulanas. De Campinas, a ótima Slippery faz um hard rock surpreendente, pegajoso e com bons riffs. O grupo têm o visual compatível com o gênero e foi, dentre todos, talvez o mais entrosado e bem ensaiado. O Disrupted Inc., de Porto Alegre, investe no death metal afeito a misturas com vocais rasgados, afinados ou mesmo agudos. Lembra muito a ótima banda sueca Scar Symmetry. Favorito por ser do Rio, o Dark Tower dessa vez teve concorrentes à altura, e, dado o equilíbrio entre os participantes, acabou ficando de fora.

O Zebulom, de Rio Branco, a capital do Acre, mostrou que é ainda muito inexperiente e precisa ensaiar mais. O death/black metal do grupo tem como destaque um excelente vocalista, mas é só. De Caruaru, interior de Pernambuco, o Alkymenia entrou no palco com uma cabeça de bode nas mãos (semelhante à do logo do Wacken, aliás) e aponta para um metal extremo de primeira linha, mas ainda carece de ser um tanto mais criativo. Embora tenha um vocalista meio desajeitado, com pinta de surfista, o Roadsider, de Fortaleza, manda um thrashão dos bons, com pitadas do nu-metal, mas também um pouco “mais do mesmo”.

O Semblant, de Curitiba, foi o único a ter uma mulher na formação, investindo justamente mo gothic metal com vocais femininos. A banda estava com o som um tanto embolado no palco, mas ainda assim mostrou bom potencial. E o Enforcer, de Criciúma, Santa Catarina, foi a única a fazer o bom e velho metal melódico, com um bom vocalista e bom instrumental. Mas – de novo – pouca criatividade. De São Paulo, capital, o Der Wahnsinn é praticamente uma banda cover de Rammstein, com certa experiência de palco, mas que, se continuar assim, fará sucesso somente em festas do tipo DDK e afins. E de Belo Horizonte, a grande decepção: o Dinnamarque, grupo que fez - acreditem – o segundo show na final nacional do festival e cujo instrumento principal – acreditem de novo – é um ventilador(!).

Grande vencedor, o Silence Means Death, de início, parecia o Motörhead, só que um pouco mais evoluído em termos de som. O vocalista, de biotipo até impróprio para um frontman, se supera agitando sem parar. Com o passar dos parcos 20 minutos a que cada banda teve direito para se apresentar, via-se muito mais no som deles. Estava ali uma espécie de síntese de várias correntes do metal, só que tudo misturado, alto e muito bem tocado. As músicas têm certa tensão e foge da repetição de subgêneros manjados, embora se valha deles em cada uma, de forma sutil. Digo isso e já esclareço que: não, meu voto para o vencedor não foi para eles. Mais um motivo para se dar os parabéns ao Silence Means Death.

Ocorre que, meus amigos, nem tudo são flores. Sei que a Revista Rodie Crew, que promove o evento, é comandada por gente séria e com credibilidade mostrada há anos no mercado. Mas o evento precisa melhorar – e muito. Com todo respeito à produção e aos moradores da região, uma final nacional de um evento que vai classificar uma banda para o maior festival do gênero no mundo, que acontece na Alemanha, não pode passar despercebida e acontecer nos cafundós do Rio de Janeiro. Um evento dessa magnitude tem que ser realizado obrigatoriamente em São Paulo ou no Rio, num local bem localizado, de fácil acesso ao público e à imprensa, e ser divulgado aos quatro ventos. Todos têm que saber que isso acontece no Brasil.

De outro lado, não se pode montar um júri com meia dúzia de gatos pingados em cima da hora para escolher entre 11 concorrentes qual o melhor. É preciso um corpo de jurados com 15, 20 pessoas, todas especializadas e com serviços prestados ao meio ao logo dos anos. Críticos, músicos, produtores, todos devem ter seus nomes divulgados publicamente com antecedência, assim como os critérios a serem observados, para que tudo fique bem claro e com a credibilidade que um evento dessa magnitude – repito – tem que ter. Os critérios devem ser muito bem definidos com antecedência e repassados aos jurados. E os resultados, divulgados amplamente na imprensa, internet e afins. Sei que isso é só o começo, que é difícil trabalhar com esse tipo de música no Brasil e blá blá blá. Mas não custa nada irmos melhorando as coisas a cada ano, né?

Até a próxima, e long live rock’n’roll!!!

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