No Mundo do Rock

Paralamas se redescobre junto com o Brasil

Em novo álbum, gravado em Salvador, grupo se reassume como trio ao mesmo tempo em que busca as referências que sempre marcaram sua trajetória. Fotos: Maurício Valladares e Bernardo Mortimer/Divulgação site oficial (no estúdio).

João Barone, Herbert Vianna e Bi Ribeiro: os Paralamas se reencontram a si próprios

João Barone, Herbert Vianna e Bi Ribeiro: os Paralamas se reencontram a si próprios

Depois da turnê comemorativa de 25 anos de estrada, ao lado dos Titãs, os três Paralamas precisavam fazer do disco seguinte algo diferente. Superada a fase de insegurança quanto à capacidade de compor de Herbert, que escapou milagrosamente do acidente com o ultraleve em 2001, era hora de o grupo volta a se renovar. Juntando um punhado de músicas novas o trio se mandou para Salvador, onde gravou, nos estúdios do parceiro Carlinhos Brown, o novo álbum, com um bom repertório e em alto astral.

Embora “Brasil Afora” venha embalado com uma latente “brasilidad”, mostra um Paralamas se redescobrindo dentro de suas misturas habituais, mas sem soar repetitivo, com boa parte das músicas assinadas pelo trio, e, em pleno século 21, gravada ao vivo. Há rocks tocados só pelos três que lembram o início de carreira, mas também referências ao reggae, mbp e até uma participação de Zé Ramalho, numa suspeita mistureba que só o Paralamas conseguiria fazer com o peculiar bom gosto que permeia sua obra ao longo desses anos. Não à toa tem gente chamando “Brasil Afora” de “novo ‘Selvagem’”, numa referência ao álbum de 1986 que assegurou de vez o sucesso na carreira da banda.

Num bate papo rápido feito por e-mail com o baterista João Barone, fomos descobrir os detalhes desse disco e de como a banda está se comportando num mundo pós CD – o disco foi disponibilizado para download antes. Barone reafirma o som do grupo como “rock brasileiro”, espera que “Brasil Afora” supere uma tal “síndrome dos dez minutos”, e fala de sua faceta de documentarista de guerra, prestes a lançar o segundo DVD, baseado no tema. Confira:

Rock em Geral: O título e a capa desse disco dão a idéia de uma “brasilidad” que não predomina em todas as faixas…

João Barone: O Brasil é tudo, é rock, baião, maracatu, samba, funk, Villa-Lobos. E nós somos uma banda de rock, quer dizer, achamos que sim. Tudo cabe no Brasil.

REG: A escolha do estúdio em Salvador contribuiu pra isso?

Barone: Apenas fomos gravar no estúdio do (Carlinhos) Brown, que acontece de ser na linda Bahia de São Salvador. A posição do GPS não importa, mas sim o astral. Chegamos lá com todo o repertório pronto, não fomos atrás de nenhum ritmo exótico ou da última batida afro.

REG: É verdade que vocês gravaram tudo ao vivo, com todos tocando juntos?

Barone: Sim, as bases, baixo e bateria, e algumas guitarras que gravamos lá valeram. Apenas complementamos as guitarras, sopros e teclados aqui no estúdio do Liminha, e gravamos as vozes valendo também no Rio.

REG: Esse disco tem um sotaque mais alegre. É esse tema - a alegria brasileira ­- o principal no disco?

Barone: Achamos que as canções falam de muitas coisas. Veja “Brasil Afora”, por exemplo, pinta um quadro impressionista do Brasil. “Mormaço” é possivelmente uma das coisas mais belas que o Herbert já escreveu, fugindo do clichê de música de amor ou de protesto.

REG: Há muitas músicas assinadas por vocês três, o que não é algo comum na carreira do Paralamas. Como isso se deu?

Barone: Dessa vez nós nos entrosamos mais, nos envolvemos mais no processo de formato e composição, complementando as letras do Herbert. Sentimos essa necessidade e aconteceu de forma natural. Aconteceu uma aproximação maior nossa.

REG: As músicas compostas por vocês são as “mais rock” do CD. Se deixar vocês sozinhos, o Paralamas volta a ser uma banda de rock, com menos referências a outros gêneros?

Barone: Bem, não achamos que outro rótulo caia melhor para os Paralamas do que estar na prateleira ou no playlist de um i-Pod como “rock brasileiro”, com tudo o que isso significa.

REG: Não existia a idéia de um projeto trio, no qual vocês tocariam sem a participação de mais ninguém?

Barone: Tem momentos em nossos shows em que estamos só nós três, quando cabe isso. Muitas músicas nossas dependem dos sopros e dos teclados para funcionarem como canção. Não vemos problema nenhum nisso. Fizemos uns shows num “bar de bacanas” em São Paulo só de trio. Foi legal, quando der na telha, a gente faz mais.

Simplicidade: em estúdio, o trio ensaia para a turnê do álbum "Brasil Afora"

Simplicidade: em estúdio, o trio ensaia para a turnê do álbum "Brasil Afora"

REG: Há no CD músicas de outros parceiros, como Arnaldo Antunes e Liminha, Carlinhos Brown e Michael Sullivan. Como decidiram incluí-los nesse repertório?

Barone: Foi tudo caindo no lugar. Depois de anos, reencontramos o Brown, demos linha para as canções que ele nos trouxe. Demos mais linha para o Liminha, que achou uma composição dele e do Arnaldo que tinha tudo a ver com a gente. Nós incorporamos as coisas que a gente toca dos outros, tomamos como nossa.

REG: O Herbert tem composto como antigamente ou você acha que ele se sente prejudicado por conta do acidente?

Barone: Olha, isso é um mero detalhe. Ele tem suas limitações de memória, mas isso não é empecilho para ele continuar compondo. Nós ajudamos na prática, mas no conceito, ele está muito bem, obrigado.

REG: E o Zé Ramalho como convidado especial, como rolou isso? E o Maurício Valladares?

Barone: Fizemos um show da série “Loucos Por Música” (evento em que pacientes psiquiátricos participam) aqui no Rio, eu gravei várias baterias no penúltimo CD do Zé. Então achamos que ele ia render bem num dueto com o Herbert em “Mormaço”, e foi muito legal contar com ele, o cara é uma entidade. Quanto ao Maurício, estávamos devendo para ele gravar com a gente, já que inúmeras vezes ele subia no palco e dava umas canjas no baixo do Bi.

REG: Tem também muito reggae no disco. Vocês ainda acreditam numa certa conexão ancestral entre a música brasileira de jamaicana?

Barone: Sim, fizemos isso explicitamente desde nosso primeiro trabalho. Numa fase, largamos a mão um pouco do reggae e agora voltamos com mais paixão.

REG: O disco ficou bem curto, sobraram muitas músicas…

Barone: Uma coisa nos deixou com essa intenção. Os álbuns das bandas dos anos 60 não tinham tantas faixas nem demoravam muito. Hoje tem a síndrome dos dez minutos, se alguém não engancha em um assunto na web, em frente a TV ou escutando seu i-Pod por mais de dez minutos, é sinal que o assunto não interessa. Espero que escutem nosso novo álbum por mais de dez minutos!

REG: Em tempos de download o Paralamas ainda vende uma boa quantidade de CDs. A que você atribui isso?

Barone: Tem gente que não entende que a música está se transformando em algo não-sólido, por mais plástico e metal que usem para fabricar um Mac, um lap, um i-phone ou mp3 player. Estamos começando a aparecer nesse mundinho novo, nós que viemos do vinil e sobrevivemos com o CD.

REG: Vocês fizeram a abertura do show do Police, grupo foi uma grande referência. Ficaram chateados pelo fato deles terem contratado um grupo de chorinho para tocar nos bastidores, durante o show de vocês?

Barone: Por que haveríamos de ficar? O Sting (baixista e vocalista) foi falar com a gente no nosso camarim, eu fui lá pedir a benção do (Stewart) Copeland (baterista). Abrimos um show internacional, coisa que não fazíamos há tempos, e acho que não faremos nunca mais. Quem viu, viu. Eram 70 mil pessoas no Maracanã, não vamos fazer isso de novo jamais.

REG: Você lançou recentemente o livro “A Minha Segunda Guerra”, e já havia lançado um DVD sobre o tema. Conta como você passou a se interessar sobre esse assunto e aproveite pra fazer o seu comercial do livro:

Em algumas partes desse disco o grupo gravou "só" como trio

Em algumas partes desse disco o grupo gravou "só" como trio

Barone: Bem, acho que vai ficar melhor entendido para quem ler o livro! Eu explico tudinho nele, como comecei meu interesse no assunto e como fiz minha viagem para a Normandia em 2004, levando meu jipe e tudo. Acabo de chegar da jornada filmando meu novo documentário, foi na Itália. Levei meu jipe de novo, desta vez para percorrer os lugares onde o Brasil lutou na Segunda Guerra. Vai se chamar “O Caminho dos Heróis”, deve ficar pronto até o fim do ano. Mas no livro eu sintetizei numa frase meu interesse pelo assunto: “quem gosta mesmo de guerra só quer paz e amor”.

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