No Mundo do Rock

Madame Machado faz ska soar pop

Em primeiro disco, independente, grupo reúne ska, rock e temática carioca para ganhar os palcos; naipe de metais reforça leque de referências. Fotos: Divulgação.

Cuidado que vai bater: Madame Machado acelera rumo ao pop colante

Cuidado que vai bater: Madame Machado acelera rumo ao pop colante

Quando voltou da Califórnia, Bema era mais um fã de rock com uma certeza: ia montar uma banda de ska. Não era pra menos, lá no Oeste Americano tinha visto shows de gente como Reel Big Fish, Dance Hall Crashers, Mustard Plug, Buck-O-Nine e por aí vai. Grupos que não eram exatamente uma novidade na virada do século, mas quem se importa? Tocando nos finais de semana em Itaipava, no interior do Rio de Janeiro, ele e os amigos adotaram o nome de uma lendária cafetina - ou de um bairro da cidade, vai saber. Um show de estreia no celeiro Empório, e a assim nascia o Madame Machado, a incrível banda que toca ska.

Mas não é só ska, não. É aquela mistura do gênero ancestral do reggae com o rock adolescente que se proliferou na terra de Obama depois que o Green Day achou um jeito de fazer o punk parecer pop. Podem chamar de skacore, quem quiser, mas não deixem de salientar que o rock é a espinha dorsal da Madame Machado. Nas letras há uma explícita e saborosa carioquice juvenil. Tem a praia, a garotinha, o cinema, o surf, o bermudão… Mas também o ônibus lotado, o terno e a gravata, a praia poluída, notícia de jornal. Tá ruim, mas eles querem mostrar o paradoxo da grande cidade.

Com sete anos de estrada a formação se consolidou com o tal Bema (vocal e guitarra), Marakin (guitarra e vocal), Lage (baixo) e Dudu (bateria), além de indispensáveis participações de um afinado naipe de metais, com destaque para Willy Eskeleto, trompetista figuraça que toca fantasiado de acordo com o nome. Com tanto tempo de estrada, incluindo shows regulares gratuitos em plena praia de Ipanema, o primeiro disco, “Sem Pedir Pra Entrar!”, até parece uma coletânea de sucessos. Nessa entrevista feita por e-mail, Bema e Marakin contam tudo sobre o Madame Machado. Confira:

Rock em Geral: Qual é o background musical de vocês?

Bema: Escuto coisas muito variadas, me amarro em surf music das antigas, The Ventures, Dick Dale, Mummies e tal, e ska pra caramba, The Suicide Machines, Catch 22, RBF, punk e rock em geral.

Marakin: Comecei tocando muito novo, aos sete anos. Fiquei fascinado pelos “guitar heroes” da época (Satriani, Vai, Malmsteen, etc.), mas depois de algum tempo cansei, basicamente enchi o saco dessa “masturbação musical”. No começo dos anos 90 parti para o que eu estava ouvindo e vivendo naquele momento, puro skate – Suicidal Tendencies, Agent Orange, TSOL, entre outros. Algum tempo depois o Bema, meu camarada da Gávea, me chamou pra tocar no Madame. Nessa fase estava ouvindo um som mais pesado, mais punk, muito Bad Religion, Face to Face, Pennywise, Rage Against The Machine… Hoje em dia sou bem mais eclético e ouço de Michael Jackson ao B52’s, mas esse passado sempre me acompanha, ainda bem!

REG: No disco de estreia há a participação de outros sete músicos. Por que eles não fazem parte do Madame Machado?

Bema: Estávamos passando um momento complicado, mas a hora era aquela. Tava tudo certo pra gravar, o (Rodrigo, produtor) Vidal tava com tempo e aproveitamos mesmo assim. Essa galera que participou da gravação deu uma força mesmo, e como são músicos free lancer não continuaram na banda por falta de tempo.

REG: Percebe-se nas letras uma forte identificação com um “jeito carioca” de ser. Isso é intencional? Vocês não têm medo de não ter aceitação fora da cidade?

Bema: Nosso som tem muito a ver com o Rio. Tudo que a gente vive aqui. É alegre, praiano, romântico… Não acho que isso interfira na aceitação fora daqui. Afinal, quem não se amarra na Cidade Maravilhosa? Pelos shows que temos feito fora do Rio acho que o “jeito carioca” está funcionando bem.

Marakin: Apesar de o som ter muito a ver com o Rio, não acho que seja algum tipo de limitador, afinal sabemos que o Rio de Janeiro é lançador de tendências nacional. Sem contar que o Brasil é um país litorâneo e muito animado, compartilhando desse astral descontraído e “praiano” que temos.

REG: Há muitas músicas de fácil assimilação no disco, o que poderia tornar o Madame Machado um grupo de fácil execução no mainstream. Vocês já pensaram em atuar messe sentido?

Bema: Nós estamos atuando nesse sentido! Na verdade vivemos um dilema. Muitas bandas que passaram por grandes gravadoras voltaram a ser independentes. Acho que apesar de toda essa mudança no mercado, as gravadoras ainda têm muito a oferecer para o MM. Temos feito tudo com nossa estrutura que é independente e funciona. Quem sabe não conseguimos uma distribuição?

Marakin: Não vou nem entrar no mérito “gravadora/não gravadora”, mas desde o início nosso som foi feito para ser ouvido pelo maior número de pessoas possível. É um som pop por natureza, apesar de diferente. Como levamos tudo muito a sério sabemos do longo e árduo caminho a seguir para se chegar até as massas, estamos dispostos e muito para que todos possam ter acesso ao nosso som.

REG: Quais vocês acham que são as mais “pop”, do tipo pra tocar em rádio/MTV/Malhação, etc?

Bema: “Menininha”, “Beijo de Cinema”, “MM”, talvez “Surf na Privada”.

Marakin: “Beijo de Cinema”, “MM”, “Menininha”…

REG: Na hora de compor, vocês têm esse tipo de visão, de fazer aquela música pegajosa para grudar no ouvido?

Bema: Acho que sou muito pop no fundo, então essas melodias contagiantes vêm naturalmente. Não penso em uma fórmula que vá funcionar, tento só passar o que estou sentindo na hora.

REG: “Beijo de Cinema”, nesse sentido, parece ter sido a escolha óbvia para ser o clipe. Fale sobe essa música:

Bema: “Beijo de Cinema” saiu da mesma forma que as outras. A melodia vem na cabeça, normalmente quando estou escutando as gravações que faço aqui em casa. Junto um monte de coisas que gravei, que acho bacanas e formo a música. A letra veio do tempo em que tocávamos na praia, da menina que assistia aos shows e eu achava muito gatinha. Nem sei quem é, mas valeu pela letra!

Praia, skate... "No futuro seremos todos 'faz-not'", garante o guitarrista Marakin

Praia, skate... "No futuro seremos todos 'faz-not'", garante o guitarrista Marakin

REG: A música “MM” é uma dessas colantes, com boas guitarras e o tal “jeito carioca”. Ela parece ser a música-símbolo da banda, diga como foi feita:

Bema: “MM” quer dizer Marcus Maia, um amigo meu que vivia nessa época cheio de dúvidas e questões pessoais. Eu também me considero um cara problemático, e me identificava com os problemas dele. Então comecei a juntar as coisas que ele desabafava comigo e escrevi tudo. A música veio no estúdio mesmo. O Rodrigo deu a maior força para gravarmos essa. Nem pensava nisso, já que tinha travado no meio e ela não saia de jeito nenhum. Fizemos os arranjos durante a produção do CD e ficou ótima.

Marakin: Essa é a minha preferida!

REG: Qual a história que junta o “portunhol” com “Surf Na Privada”?

Bema: Sou descendente de espanhóis, convivo com esse “portunhol” desde que nasci. Me amarro em flamenco e na cultura catalã. Até queria colocar mais isso nas músicas, mas fica para o próximo CD. Foi um jeito de aproximar a gente dos nossos vizinhos. Conhecia o Javier a um tempo e sempre fui fã das improvisações dele em “portunhol”. Chamamos ele pra gravar essas partes. Achei sensacional.

REG: E o apregoador de “Tá Ruim Mas Eu Quero”?

Bema: Fase negra! “Tá Ruim Mas Eu Quero” é justamente tudo que me fazia mal nessa época: drogas, relacionamento… E eu queria mesmo assim! Louco, né? Passou, mas ficou a marca.

REG: O que quer dizer a expressão “faz-not”? E “pluguenplei”?

Bema: “Faz-not” é coisa do Feijão (ex-guitarrista do grupo), a música é dele, mas incorporamos isso. É o cara que não faz nada mesmo, vive de bobeira na aba dos pais e só curte a vida no Rio. Praia, sol… Pro faz-not, todo dia é feriado!

Marakin: Um dia seremos todos faz-not, estamos apostando nisso!

Bema: “Pluguenplei” é o “brasileirol” de plug & play. Define um pouco a nossa praticidade! Chegar, plugar e tocar. É o que a gente sempre quis fazer. Nada de “biri-biri” que a gente vê por ai, eu quero toalhas brancas, eu quero mais retorno, cadê o salgadinho. A gente chega e toca, tentamos não pensar nos problemas, mas nas soluções.

Marakin: O que é o melhor é que apesar de sermos sete na banda, mesmo assim, se tivermos apenas dois minutos para nos preparar, estaremos todos prontos e a postos. Já somos conhecidos por tal praticidade.

REG: Há muitas letras falando de relacionamento no disco. Num mercado onde fazer punk rock/hardcore é quase sinônimo de emocore, fica difícil expressar sentimentos sem soar dramático demais ou piegas?

Bema: Nesse sentido acho que a gente se difere um pouco. Falamos de romance e até de dificuldades emocionais, mas não “choramos” muito. São coisas que todos passam, repetindo: passam, graças a Deus. Criamos - meio que até sem querer - esse formato das nossas músicas. Vivemos emoções como todas as outras pessoas, mas colocamos um lado mais feliz nisso tudo! Até porque tudo passa mesmo!

Marakin: Eu pessoalmente fico preocupado com essa garotada sofrendo tão cedo, tão jovens e tão sofridos! Apesar da aparência, não somos tão garotos assim e achamos graça de tudo isso. Falamos de todos os assuntos, inclusive os mais “emo”cionais com mais leveza e propriedade de quem, na verdade, já passou por muita coisa e acha muito mais interessante se divertir ao invés de só chorar o que acontece.

REG: O som de vocês é bem diferenciado, mas como vocês se encaixam na cena carioca de Dibob, Forfun e afins?

Bema: Isso é muito doido! A gente toca com todo mundo, emo, punk, lekore, e nos damos bem com todas as bandas e com o público. Pelo que tenho visto, temos uma aceitação muito boa, apesar de nosso som ser meio “diferente” do Forfun, Dibob, Scracho. Continuamos cariocas e fazendo parte.

Marakin: O Bema tá certo, apesar de não tão rica quanto a cena paulistana ou curitibana, a cena rokcer carioca tem uma diversidade de estilos e na verdade não nos enquadramos especificamente em nenhum deles, o que pode ser interessante, já que nosso som é bem acessível, por isso acabamos tocando com todo mundo.

REG: Como tá o momento atual da banda, com um CD na mão? Vocês estão em busca de uma gravadora ou a tendência é tocar o barco sozinhos?

Bema: Estamos tocando o barco sozinhos, mas se rolar uma gravadora com uma proposta de parceria para complementar, vamos nessa!

REG: Como vocês estão se virando nessa crise do CD e do mercado fonográfico?

Bema: Tem coisas boas e ruins. Há tempos se não tivéssemos um contrato com uma gravadora não estaríamos fazendo tudo que fazemos hoje. Nos viramos na internet, rádios, TV e todos os canais que hoje abrem espaço para bandas independentes. Vendemos nosso CD na internet, shows e em algumas lojas. A gente se vira como pode.

Marakin: Ainda bem que existe a internet! Na minha opinião, o som como mídia está fadado ao esquecimento. Para as bandas o que vale hoje em dia são os shows, produtos, merchandise. A música tem que ser o mais barato possível, quando não é gratuita. Todo mundo tem que ouvir e com a internet, todo mundo ouve, literalmente.

REG: Esse repertório parece ser bem antigo, o que quer dizer que vocês devem ter músicas novas. Algum novo direcionamento musical ou nas letras?

Bema: Esse repertório é formado por antigas e novas. Juntamos o que a gente achava mais interessante para entrar no CD. Temos músicas novas e antigas também. Confesso que com essa correria toda não tenho tido tempo pra me trancar em casa com meu gravador, mas por enquanto a onda é essa do CD. Gostaria de incorporar mais da cultura chicana no nosso som, mas vamos com calma.

Melhor nem ver: a gaiatice juvenil é outra das características do Madame Machado

Melhor nem ver: a gaiatice juvenil é outra das características do Madame Machado

Tags desse texto:

Comentários enviados

Apenas 1 comentários nesse texto.
  1. Bernatdo em janeiro 14, 2016 às 23:36
    #1

    Me lembro bem dessa entrevista!!! Foi muito bom!!! Bragatto arrebentou!!! Woohoo!!
    Bema

Deixe o seu comentário

Seu email não será divulgado