Fazendo História

Xô, jabá
Artistas iniciam movimento pela criminalização do pagamento de propina para que determinada música seja tocada em rádio

Publicado na Revista Outracoisa número 17, de outubro de 2006.

Difícil conviver com rádios que só tocam músicas mediante pagamento. São as mesmas músicas, o tempo todo… Pensando nisso, artistas, produtores culturais e interessados começaram a se reunir no Rio de Janeiro para discutir formas de mobilização para, enfim, proibir o jabaculê – o pagamento que as rádios “exigem” para que uma música entre na programação. Foi assim que nasceu o “Jabásta”. “É um grupo que envolve várias pessoas. Quem coordena tudo sou eu mais Mariana Leporace e o BNegão. Começamos a nos reunir em fevereiro, no Circo Voador”, conta a cantora Bia Grabois. Entre as ações, está uma audiência pública realizada em agosto e que teve o comparecimento de políticos interessados no assunto, além de músicos como Marcelo Yuka, Dado Villa-Lobos e Leo Gandelman. Também já corre um abaixo-assinado para pressionar o Congresso Nacional a aprovar o projeto de lei que proíbe o jabá e prevê pena de detenção de um a dois anos, multa e suspensão ou cassação da concessão pública.

A prática do jabaculê não é nova. “Isso sempre existiu na relação da indústria da música (com as estações), e seria razoável se fosse no nível de se fazer um show da rádio que executa o artista, um prestigiando ou outro. Mas se transformou num ciclo vicioso em que as gravadoras acabaram alimentando um grande dinossauro, que começou a comê-las”, opina Roberto Frejat, cantor do Barão Vermelho. “As rádios ficaram muito gananciosas em relação ao poder que têm de instituir um sucesso, e começaram a extorquir as gravadoras. Enquanto a indústria do disco era rentável, as coisas eram assimiladas, mas com a pirataria ficou esse monstro”, lamenta. Nos Estados Unidos, país que mais produz e lança música no mundo, o problema também existe. Só que lá severas leis volta e meia colocam o nome de uma grande gravadora nas manchetes dos jornais, como aconteceu com a Sony-BMG em julho do ano passado. A empresa teve que desembolsar dez milhões de dólares para livrar-se de um processo.

No Brasil, tenta-se aprovar a lei que tramita no Congresso Nacional há três anos. “O texto já passou por três comissões na Câmara: Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática, Educação e Cultura. Agora, tramita na Comissão de Constituição e Justiça”, relata o deputado Fernando Ferro, autor do projeto. Paralelamente, tramitam na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro outras duas iniciativas, de autoria dos deputados Carlos Minc e Gilberto Palmares. Nesse caso as penalidades previstas seriam só administrativas, já que o tema é de âmbito federal. Mas tais projetos contribuem para dar exposição à causa, reforçando a pressão para a aprovação da iniciativa de Fernando Ferro.

Mas, se jabá é corrupção, e corrupção é crime, por que a necessidade da aprovação de uma lei específica que o criminalize? Quem explica é Deborah Sztajnberg, advogada especialista em direitos autorais que atua no meio musical: “Entendo que a legislação que possuímos é suficiente, mas o sistema criminal no Brasil sugere que os atos sejam minuciosamente tipificados para serem punidos.” Assim, fica a dúvida quanto a uma ação fiscalizadora por parte dos organismos governamentais, no caso da aprovação do projeto, já que hoje ela inexiste. Doutora Deborah, que também apóia o Jabásta, não vê dificuldades: “A fiscalização é algo simples, já que a lei tem como finalidade precípua possibilitar aos músicos alijados do mainstream fazer parte de um outro modelo de negócio para a música.” Ela tocou no ponto mais “cruel” da prática do jabá, que, ao impor a programação das rádios, alija do conhecimento do público a vasta diversidade cultural da música brasileira, hoje representada nos festivais da chamada cena independente.

O tema esquentou quando o ministro Gilberto Gil, numa entrevista coletiva a despeito do lançamento de seu novo disco, disse, entre outras coisas, que “é difícil criminalizar o jabá”, que “há formas de se burlar a fiscalização”, e ainda que “as rádios são públicas ‘pro forma’, porque na prática são estruturas negociais, privadas”. Admitiu ainda ser contra o jabá, “mas ser a favor da criminalização é outra história”. As opiniões do Ministro vão de encontro à de outros artistas do meio musical. Dado Villa-Lobos, que integrou a Legião Urbana, acha que “essa prática não passa de um grande negócio, comércio como outro qualquer. É mais um instrumento para afunilar e restringir a produção musical”.

Dado aderiu ao Jabásta assim que foi convidado por Bia Grabois. “Colocam um contra-argumento de que rádio é empresa privada, como uma padaria. A gente quer levar para as pessoas a noção de que esses espaços das rádios e TVs são do serviço público e pertencem ao cidadão brasileiro”, defende Bia. BNegão vai na mesma linha: “O principal do movimento é discutir e esclarecer. Há artistas ligados às majors com medo de serem presos, como se a lei fosse retroativa.” Não é o caso de Frejat, que lança seus discos – e os do Barão Vermelho – pela Warner, e não deixa de apoiar o Jabásta. “É uma situação delicada porque eu não posso dizer que em algum momento um trabalho meu ou do Barão não tenha sido feita alguma coisa nesse sentido, mas não com a minha concordância”, diz. “Numa carreira fonográfica de 24 anos, com esse procedimento praticado a torto e a direito, é possível que tenha acontecido. Dizer que fiquei livre disso seria uma ingenuidade”, admite.

Contatos com Bia e companhia: movimentopelofimdojaba@gmail.com

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