‘Dias de Luta’ mostra a explosão, domínio e decadência do rock brasileiro dos anos 80
Resenha do livro, publicada na Dynamite em janeiro de 2003.
Houve um período da história em que o rock nacional dominava as paradas de sucesso em todo o Brasil. Alguém duvida? É o que conta, com uma incrível precisão histórica, o livro “Dias de Luta – O Rock e o Brasil os Anos 80”, de autoria do jornalista Ricardo Alexandre, lançado pela Editora DBA.
O que se admira é que, considerando a pouca idade do autor, que começou a década de 80 com seis primaveras e a terminou com 16, seu conhecimento sobre o período é bastante farto. Isso significa que apesar de não ter vivido plenamente aquela saudosa época, e ainda admitir, com falsa modéstia, no prefácio, não ser um admirador do período, o autor não se logrou em fazer intermináveis entrevistas com os envolvidos, além de pesquisas que garantiram informações precisas (conferidas por este repórter) e outras até então não tão esclarecidas. A isso se chama Jornalismo, com J maiúsculo.
É aí que se torna inevitável a comparação com outro livro sobre o mesmo assunto, “BRock – O Rock Brasileiro dos Anos 80”, lançado em 1995, no qual o jornalista Arthur Dapieve, além de criar um “rótulo” que ninguém adotou, contou a história das principais bandas do período, sem, entretanto, registrar um cenário propício para que todas elas surgissem formando um verdadeiro movimento, ou para usar um temo recorrente, a tal “cena”.
Nesse ponto está o segundo mérito de Ricardo Alexandre, que procurou identificar não só a trajetória de cada banda, mas saber como e porque elas, e todo rock nacional do período, aconteciam, considerando aspectos fundamentais, como mídia impressa, rádio e TV, e, principalmente, circuito de shows. Oriundo da imprensa paulista, sua isenção foi brilhante, ao reconhecer na Rádio Fluminense FM, de Niterói, e no Circo Voador, do Rio, os grandes catalisadores do rock nacional do período, fato raro entre seus colegas bandeirantes.
A terceira razão que faz de “Dias de Luta” leitura obrigatória para quem gosta de rock é a sutileza adotada pelo autor, que abdicou de um contar de história maçante para dividir o livro em pequenos capítulos, no qual inseriu a grande maioria dos nomes das bandas de rock, até as pouco importantes, de modo a contemplar a memória de todos que de uma ou outra forma acompanharam e curtiram o período. O livro é fácil, não cai na armadilha de fazer análises críticas sobre esse ou aquele disco, essa ou aquela banda, mas sim sobre todo um contexto que tenta localizar o fenômeno do rock nacional dos anos oitenta historicamente, e não apenas dentro da música.
O leitor mais atento, sobretudo o mais experiente e exigente, irá notar a falta dessa ou daquela banda de sua cidade, uma ênfase maior em determinado artista, um exagero ao citar certos medalhões. Mas isso é uma coisa inerente ao próprio rock e suas controvérsias. Talvez o único senão digno de registro esteja na parte final do livro, em que o autor fareja as razões para que o rock brasileiro deixasse a cena musical e fosse incorporado pela mpb. Essa discussão é polêmica, mas parece-me evidente que as gravadoras e sua cultura do sucesso único e imediato descartaram o rock de seus planos, enterrando novas gerações que surgiriam em seguida, mas que só foram desabrochar nos anos 90. Sabemos que é difícil, mas o autor poderia ter se infiltrado mais dentro dessas oligarquias multinacionais, a fim de desvendar o mistério. Se bem que esse assunto já renderia outro livro.
O mais importante, entretanto, é que, com “Dias de Luta”, reafirma-se que existiu um rock brasileiro nos anos 80, numa época ainda próxima àquela, mas que dada à efemeridade jornalística do Brasil, já tem muito profissional do ramo afirmando que aquilo tudo não passou de uma pequena parte da mpb. Que leiam, então, “Dias de Luta”.