Fazendo História

A quantas anda o heavy metal pelo mundo afora? Só indo lá para saber

Matéria que fazia uma radiografia do metal mundial a partir da cobertura do Dynamo Open Air de 1999, então o maior festival europeu do gênero. Publicado na Rock Press, em julho de 1999.

Vivendo num país como o Brasil, em que o domínio das gravadoras multinacionais acaba por construir um mercado direcionado para a obtenção do sucesso rápido e descartável, fica difícil de se avaliar a penetração dos mais variados estilos musicais que existem e são diariamente criados pelo mundo afora, quiçá em termos de rock. Imaginem então se o assunto é heavy metal.

Na maioria das vezes, as poucas pessoas que têm acesso às novidades do que está acontecendo lá no primeiro mundo (e é bom afirmar, que em pleno mundo globalizado, ainda representam um número reduzido) já recebem informações distorcidas e manipuladas pelos grandes veículos internacionais, e, envolvidos pelo ambiente profissional que os cerca, acabam por divulgar essas informações com um cunho, na melhor das hipóteses, pessoal, e, na pior, comprometido com o mesmo sistema centralizador e predatório ao qual me referi.

Fazendo uma análise do que aconteceu no Dynamo Open Air, tradicional festival europeu dedicado ao heavy metal, cuja cobertura muitas vezes tem passado em branco aqui no Brasil, até mesmo em veículos especializados, algumas questões acabam ficando no ar. Realizado anualmente em Eindhoven (nesse ano foi em Mierlo, uma cidade vizinha), na Holanda, o Dynamo já está na sua décima quarta edição, e é o evento que marca o início de uma série de festivais europeus dedicados ao heavy metal, todos com vários dias de duração, muitas bandas, palcos paralelos, metal markets, e por aí vai.

Só no Dynamo se apresentaram 73 bandas de heavy metal e adjacências, divididas em três palcos e nove tendências do metal atual. Uma boa chance de fazer um check up no que está rolando no ramo pelo mundo afora, não? As tendências citadas foram distribuídas da seguinte forma: oito bandas alternativas variando entre guitar bands, surf, psychobilly, etc, no palco “Maximum Overdrive”, treze bandas punk/hardcore no “Skatefest”, cinco bandas de black metal no “Black Stage”, quatro death metal, no “Gore Zone”, cinco viajando entre o power metal e o metal clássico, no “Power Pack”, três misturando metal com eletrônico, no “Factory”, outras três com misturas de gótico, clássico e ópera, no “Dark Symphonies”, 17 bandas de destaque na cena heavy mundial, no “Main “Stage”, e (ufa!) 15 aspirantes ao “Main Stage”, tocando no “The Gallery”.

Antes de citar essa ou aquela banda escalada, as primeiras coisas que se chamam a atenção é que o metal melódico, aclamado pela mídia especializada no Brasil, teve um pequeno espaço no Power Pack, com Gamma Ray e Labÿrinth, não comparecendo em nenhum dos dois palcos principais, com exceção do nosso Angra, que tocou no The Gallery; que as bandas que misturam rock progressivo com metal sequer compareceram; e, quem diria, não havia nenhum palco que representasse o alternative metal ou metal-adidas, tão em voga atualmente. Sim, havia bandas como Spineshank, Static-X, Pulkas e Skinlab espalhadas nos dois palcos principais, mas muito pouco para um estilo tão aclamado, no Brasil e no exterior, como sendo a “vanguarda do metal”, em que pese o fato de Deftones, Coal Chamber e Limp Bizkit, entre outras, terem tocado na edição de 98. Onde estariam as outras bandas do estilo? Os mais céticos podem achar que, por um motivo ou outro, a organização do Dynamo tenha preterido esse segmento, mas como explicar então a inclusão de tendências tão diversificadas como as expostas acima?

O que se viu no Dynamo Open Air desse ano, além de um sem número de bandas que daqui do Brasil não se toma conhecimento nem acompanhando as revistas especializadas, foi a consagração de uma forte tendência no meio: a divisão do vocal principal de uma banda em dois, um masculino, em geral mais grave ou mesmo gutural, e um feminino, agudo, lírico ou ainda operístico. Tal característica pode ser reparada no Main Stage, com o The Gathering, no The Gallery, com o Trail of Tears, e no Dark Symphonies, com o Lacuna Coil e o Therion & Orchestra (uma das melhores apresentações do festival). Ainda no quesito clássico, o Apocalyptica fez um verdadeiro recital de abertura para a banda principal, o Metallica, com todo o público acompanhando os quatro celos alucinantes. Não que seja isso uma novidade, uma vez que aqui mesmo no Brasil já se tem bandas enveredando por esse caminho, como o Silent Cry, com seu belíssimo vocal, de Minas Gerais, e o veterano Genocídio, verdadeiro precursor da idéia, entre outros.

Uma notável ascensão foi também a do black metal, que parecia estar renegado a decadência, depois de atitudes ridículas praticadas por bandas da Europa Nórdica. Além de ter merecido esse ano um palco ainda mais segmentado, deixando as bandas death metal no palco Gore Zone, o Cradle of Filth foi escalado para abrir para o headliner de sábado (Manowar), enquanto o Dimmu Borgir, a mais nova sensação, foi a atração principal no Black Stage, no mesmo horário em que o Metallica fechava a noite no Main Stage.

Outra iniciativa interessante, que desabona qualquer crítica quanto a radicalismos e preconceitos por parte da organização do festival, é a manutenção, desde da edição 95, do espaço dedicado ao punk rock/hardcore, o Skatefest, e o experimental Maximum Overdrive, ambos acontecendo no menor palco do evento. Sem dúvida o espaço mais engraçado e diversificado do festival, com moshs e stage dives sendo a única regra.

O que os festivais de verão europeus vão preparar nas próximas edições não se sabe, mas a lição que se tira é que a distância em termos de mentalidade, organização e respeito com o público ainda é muito grande. Não se pode ficar acreditando cegamente nas apostas dos profissionais da mídia brasileira, muitas vezes precipitadas, nessa ou naquela tendência. É preciso ouvir, analisar, comparar e tirar suas próprias conclusões. Senão você pode acabar levando gato por lebre.

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