Fazendo História

Forgotten Boys aplica lição de rock no ruído

Resenha dos shows da última noite do Ruído Festival, em 29 de fevereiro de 2004. Publicado na Dynamite on Line. Foto: Marcos Bragatto.

forgottenNo último dia do Ruído Festival a expectativa quanto à presença do público era grande no Ballroom, já que em domingos à tarde o Carbona, um dos headliners do dia, costuma encher a casa. Não foi exatamente o que aconteceu, e poucos viram os dois melhores shows da noite de encerramento do festival, e, certamente, o melhor de todo o final de semana: Forgotten Boys.

Com o atraso de praxe, mesmo com o horário mais cedo por se tratar de um domingo, o trio capixaba Guitarria deu início aos trabalhos, mostrando ser seguidor de outras bandas de Vitória, como o Mukeka di Rato por exemplo. Com um som rude, e na maioria do tempo voltado para o hardcore, com vocais pra lá de gritados, a banda agradou aos fãs de outras bandas que desde cedo já compareciam no local. Mas ao mesmo tempo, o trio atacou com algumas músicas instrumentais e até um blues podrão e inesperado de tirar aplausos de B.B. King. Uma banda nova, mas que promete. Único combo de surf music do festival, o Estrume’n’tal mandou ver o tradicional set instrumental, com as duas guitarras plugadas num volume altíssimo, a ponto de chamar a atenção do público bubblegum que se ajuntava à frente do palco. Músicas já conhecidas da banda, como “ET de Varginha”, que fechou o set, e ”Vacalgada”, que abriu, convenceram o público carioca de que a verdadeira surf music é diferente daquela que muitas vezes é alardeada por estas plagas, e que pode ser forte e pungente como a praticada pela banda que, por ironia, é mineira.

A surf music também é uma referência para o Detetives, não só pela presença do baterista Clayton (que já foi d’Os Ostras, banda de grande sucesso comercial na década de 90), mas pelo som em si. O agora trio, ainda comandado pelo alucinado guitarrista e vocalista Alejandro, mostrou bom domínio de palco, com músicas diferentes entre si, como as novas “Dr. Taxista” e “Fracassado”. O problema é que elas acabam não dando uma seqüência, uma unidade que deixe o show redondinho. Mas vale destacar a crueza instrumental da banda, que já iniciou o set tocando como se fosse o final, e terminou destruindo tudo, com guitarras em transe com os amplificadores. Uma das bandas mais esperadas pelos cariocas era o Los Pirata. Afinal, há anos que toda a imprensa paulistana (a banda é de lá) vem tecendo comentários os mais auspiciosos, o que, de certa forma, vinha servindo como boa recomendação para o trio (mais um, na noite dominada por eles). A primeira coisa que chama a atenção é a bateria, literalmente de brinquedo. A segunda é o fato de todos os integrantes só falarem e cantarem num portunhol dos mais engraçados. E a terceira, e pitoresca, é que boa parte das músicas, ou são versões de clássicos do rock (uma infame foi feita para “Fire”, de Jimi Hendrix), ou citam nomes em evidência, como no riff de “Seven Nation Army”, do White Stripes, que apareceu no meio de uma das músicas. O interessante é que as músicas tão são diferentes entre si, mas com um fio condutor, que o show passa rapidinho, sinal de que serve como bom entretenimento. Mas, à rigor, na terra do rock’n’roll, o Los Pirata não passaria, e com louvor, de mera banda pastelão.

Acabou a brincadeira e começou o rock de verdade, começou a festa. O Carbona, que detém boa parte do público, adentra o palco como dono do pedaço. A banda é do tipo que tem fãs fiéis, daqueles que vão para a frente do palco, sobem e cantam partes das músicas e se divertem pra valer. Henrique e Melvin, guitarrista e baixista, têm um approach já conhecido, e nas partes instrumentais se movimentam bem no palco, garantindo a performance necessária. Isso, claro, além do mais importante, que é a música, e muitas delas são cantadas por todos: “Um Copo D’Água”, “Um Mundo Sem Joey”, ótima homenagem ao Ramone mor, “Meu Primeiro All-Star”, e até outras da fase com letras em inglês, como a obrigatória “Loly Pop, Lemon Drops”. Como novidade, foi apresentada uma música nova, “Amor Incondicional”, que estará no sétimo disco deles.

Não havia dúvidas de que o Forgotten Boys era a atração principal do Ruído deste ano, mas o que esperar da banda mais inovadora do rock nacional (quiçá mundial) dos últimos tempos? Com o último disco lançado já há quase dois anos, a banda realmente não trouxe muita novidade no repertório, na verdade só duas, a inclusão de uma música nova, e a substituição do cover (sim, hoje também) de “It’s So Easy”, do Guns’N’Roses, pelo de “Sister Anne”, do MC5. Mas o que os poucos que permaneceram no Ballruim até a madrugada deste primeiro de março presenciaram foi uma evolução cavalar da banda, que tocou um repertório bem ensaiado e afiadíssimo, e com a atitude e postura que deveriam ser regra no mundo do rock. A forma como Gustavo Riviera e Chuck Hipolitho empunhavam suas guitarras foi exemplar, bem como a essencial aproximação, no palco, entre eles e o baixista Fralda, este já inteiramente afinado no Forgotten. Músicas como “Don’t Bother Me” e “R’N’R Band”, sob um volume altíssimo e acachapante, detonaram uma onda rock que levou o reduzido público à vibração imediata, ou, no mínimo à reflexões que traziam à tona nomes como AC/DC, Black Sabbath, Ramones, Van Halen, Thin Lizzy e por aí vai. O Forgotten Boys provou não ser apenas um bando de doidões, mas, além disso, um grupo coeso, bem ajustado e em sintonia com o que rola no rock pelo mundo afora.

Um turista que, ao acaso, aparecesse em frente ao palco do Ruído nessa madrugada, certamente anotaria que o Rio é a capital mundial do rock’n’roll, que o Forgotten Boys colocaria bandas como o Strokes no chinelo, e que o Ballruim seria, no mínimo, o CBGB’s deste início de século. Junto com o Walverdes e seu esporro também ensurdecedor, o Forgotten Boys, enfim, dividiu o posto de melhor show do Ruído 2004, numa edição, desde já, histórica.

Tags desse texto: , , , , , , ,

Comentário

Seja o primeiro a comentar!

Deixe o seu comentário

Seu email não será divulgado