Fazendo História

Marillion abandona o esquemão e se banca com vendas antecipadas na internet

Matéria publicada na edição número 11 da Revista Outracoisa, do início de 2005. Fotos: Divulgação e Reprodução.

O grupo de rock progressivo está mostrando ser mais independente que os indies

O grupo de rock progressivo está mostrando ser mais independente que os indies

No Brasil, o mercado independente tem crescido a olhos vistos. Não só pelas facilidades tecnológicas dos tempos modernos, mas pela ausência das grandes corporações do disco no quesito investimento em novos artistas. Novidade aqui, os independentes, lá fora, já fazem história há muito tempo. Nos Estados Unidos, grande parte das chamadas majors dispõe de distribuidoras específicas para contratar os destaques dos selos menores e colocá-los nas prateleiras de todo o mundo. Há mais de dez anos, o Nirvana, por exemplo, saiu da pequena Sub Pop para tornar-se ícone mundial pela Geffen/Universal. Na Inglaterra, são famosos os pequenos selos que criaram a cultura indie mais forte do planeta, e de onde pipocam pequenas bandas e selos idem, que depois conquistam o mundo. Foi assim com o Oasis na década passada e com o Franz Ferdinand, recentemente, só para ficarmos com dois exemplos.

De outro lado, assim como temos por aqui cada vez mais artistas que preferem sair do esquemão das majors para cuidar do próprio negócio, no exterior não é diferente. O Marillion, por exemplo, grupo revelado no que ficou conhecido como neoprogressivo na década de 80 e que se tornou um sucesso mundial, optou por uma alternativa sui generis. Através do site na internet (www.marillion.com), a banda avisa aos fãs que está preparando um novo álbum e inicia um processo de pré-venda antes mesmo de um único acorde ter sido composto. Com o retorno financeiro dos fãs, a banda banca todos os custos das gravações, prensagens etc, e envia o tal disco, depois de pronto, para quem apostou na empreitada.

A quantidade excedente continua sendo vendida no site, nos shows da banda, ou mesmo através de distribuição segmentada, a partir de parcerias com empresas independentes. “Conseguimos vender mais de 15 mil discos através de encomendas antecipadas, para fãs espalhados por todo o mundo”, disse o vocalista Steve Hogarth à Outracoisa. Ele se refere ao último álbum da banda, “Marbles”, que, diga-se de passagem, é um CD duplo, coisa que o Marillion nunca conseguiu lançar (tirando coletâneas ou álbuns ao vivo) enquanto pertencia à EMI. Está aí uma forma de trabalho de fazer inveja a qualquer gravadora independente e construída não por uma banda indie mas, sim, por um respeitado representante do rock progressivo. E quem imagina que o sucesso do negócio é resultado de grandes investimentos espanta-se com a esbeltez da estrutura usada em todo o processo. Afora as equipes de turnês, no estafe da banda, que administra o site muito bem sacado, trabalham apenas quatro pessoas em horário integral e duas se revezam em meio expediente. Tudo pago com as receitas das vendas dos álbuns, merchandise, shows e dos eventos organizados pelo fã-clube.

SEM PRESSÕES

O Marillion desligou-se da EMI há dez anos, quando a poderosa empresa considerou insatisfatória a vendagem de 500 mil cópias mundo afora (hoje, ao longo da carreira da trupe, o número chega a 14 milhões). Nessa época, a banda ainda bateu cabeça até chegar à fórmula certa. “Nos primeiros anos, a coisa não andou significativamente, porque nós assinamos com uma gravadora independente que não fez um bom trabalho. As coisas só melhoraram em 2001, quando lançamos o ‘Anoraknophobia’ de forma independente, mas com a distribuição da EMI, e, lógico, no ano passado, quando demos um passo além e lançamos o ‘Marbles’ por conta própria”, explica Hogarth.

Isso justifica as passagens rápidas da banda pela Castel Communications (dois discos) e pela Sanctuary Records (um disco), ambas britânicas. Atualmente, quem distribui as bolachas do Marillion para aqueles que não investiram antecipadamente é a Absolute Distribution. Além de todas as vantagens de se trabalhar por conta própria, como a administração da carreira, a prioridade artística e os melhores resultados comerciais, os integrantes executam as tarefas em horários e no tempo que podem. “Tentamos ser rigorosos com nossa rotina de trabalho e com os nossos horários, mas a vida real acaba nos colocando nos eixos”, avalia Hogarth. Uma grande vantagem, se consideramos a idade dos músicos, todos na faixa dos 40 e tantos anos e com filhos para criar.

Com o novo formato de trabalho, o quinteto pôde empenhar-se com tranqüilidade no material que se transformaria no álbum “Marbles”. Sem pressão por parte da qualquer gravadora, e enquanto os fãs depositavam valores e confiança na banda, eles ficaram cerca de um ano em estúdio, testando timbres e sonoridades. Até que Dave Meegan iniciasse a produção do álbum propriamente dita. O resultado pode ser visto na diversidade das músicas, que voltam a fincar um pé no rock progressivo de outrora, sem perder o contato com o rock dos nossos dias.

DIFÍCIL DE DEFINIR

Como não há representantes do Marillion no Brasil, os fãs daqui buscam o site para adquirir o material da banda. Embora o grupo tenha tocado duas vezes no país, e até hoje álbuns clássicos sejam relançados, Hogarth não tem notado uma procura muito grande. “Para ser honesto, somos um pouco ignorantes sobre a situação no Brasil. Para nós parece que não há muitas pessoas que usam a internet, porque não temos uma grande quantidade de fãs no nosso cadastro”, admite o vocalista. “Adoro o Brasil e o Rio em particular, que considero um lugar mágico, então nós adoraríamos voltar a tocar aí, tão cedo quanto financeiramente for possível. A primeira vez em que eu cheguei ao Brasil, senti como se estivesse voltando ao lugar a que eu pertencia”, conclui, desabando de amores pela Cidade Maravilhosa.

Quem, por conta do afastamento do Marillion da grande indústria, não tem acompanhado o grupo desde “Anoraknophobia”, o último álbum lançado no Brasil, no qual flertava até com o U2, vai se surpreender com “Marbles”. O disco volta a explorar o lado progressivo da coisa (há músicas de 14 minutos e vinhetas com menos de dois), mas firme na fase consolidada por Steve Hogarth. “Foi um longo processo, passamos todo o ano de 2002 tocando no estúdio, fazendo jams e aproveitando o que aparecia de bom. No início de 2003, Dave Meegan juntou-se a nós. A partir daí, foram mais nove meses. É um tempo muito grande, mas temos que considerar que ‘Marbles’ é um álbum duplo”, defende Steve.

O disco, entretanto, não é conceitual. Tudo começou a partir de um poema escrito por Hogarth sobre as bolas de gude (marbles, em inglês) que ele havia perdido. “Em inglês, há uma expressão, ‘ele perdeu suas bolas de gude’, que significa ‘ele perdeu a cabeça’”, explica o vocalista. “Dave sugeriu que nós espalhássemos essa idéia por todo o álbum, o que daria uma certa unidade, como um conceito, mas não completamente”, conclui, não sem antes tentar explicar que tipo de som o Marillion anda fazendo hoje em dia, depois de 25 anos de carreira: “É indefinível, é rock inteligente com jazz e elementos do funk. Claro que as guitarras hard ainda estão lá e o Hammond não foi guardado no armário, mas hoje soamos como provavelmente não achem que soamos.”

O sucesso do álbum e da turnê subseqüente resultou no DVD “Marbles on the road”, gravado ao vivo no tradicional Astoria, em Londres, e lançado no fim do ano passado. É o primeiro vídeo oficial lançado pelo Marillion em 15 anos. Independente e disponível no site oficial, claro.

DO YOU REMEMBER?

marillion-2Quem, em 85, comprou o primeiro número da finada revista “Bizz”, com Bruce Springsteen na capa, ganhou um flexi-disc em vinil que numa das faixas trazia um trecho da música “Kayleigh” (aquela do verso “do you remember…”), que se tornaria o maior sucesso do Marillion no Brasil, até hoje tocado nas rádios. O fã de rock mais antenado, entretanto, conheceu o grupo pela voz das locutoras da Fluminense FM que na época divulgavam enfaticamente o primeiro álbum, “Script for a Jester’s tear”, que tinha um carimbo de aprovação da rádio.

O Marillion nasceu como Silmarillion (nome de um romance do J.R.R. Tolkien), em 79, e tinha como vocalista o grandalhão Fish, que fez fama pelas performances parecidas com as de Peter Gabriel na fase Genesis. Junto com Pallas e Pendragon, o Marillion foi um dos ícones do neoprogressivo britânico. A fase com Fish nos vocais durou seis discos, até 88. O de maior sucesso é o quarto, “Misplaced childhood” (que vendeu mais de um milhão de cópias), justamente o que trazia “Kayleigh”, uma música pop e pegajosa que dividia espaço com suítes subdivididas em várias partes, no melhor do estilo progressivo.

A partir de 89, Steve Hogarth garantiu sobrevida para a banda, que passou a ser um sucesso de vendas, e se apresentou no Brasil, em 90, no Hollywood Rock, e em 97. A fase Hogarth desagradou muitos fãs “das antigas”, mas de outro lado consolidou a banda numa trajetória de sucesso em todo o mundo. Musicalmente, o grupo flertou com a música pop, com a eletrônica e até com o rock do Radiohead e de U2 e adjacências. Hoje, estão na banda Steve Rothery (guitarra, único remanescente da formação original), Pete Trewavas (baixo), Ian Mosley (bateria) e Mark Kelly (teclado), além de Steve Hogarth.

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